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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Prestes a iniciar uma trajetória de gradual queda de juros, o Banco Central coloca o Brasil entre os primeiros países a reduzir a taxa com a inflação controlada, após a expansão monetária global que alimentou a alta de preços em todo o mundo.

Analistas de mercado preveem que na reunião desta quarta-feira (3) o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzirá a taxa básica (Selic) em 0,25 ou até 0,5 ponto porcentual, após exatamente um ano congelada em 13,75% ao ano – o maior patamar desde o início de 2017.

Entre os mercados mais relevantes, apenas o Chile saiu na frente do Brasil, com um corte de 1 ponto porcentual em sua taxa básica na última sexta-feira (28), para 10,25% ao ano.

Além de colaborar para o controle da inflação, a política de juros do BC não impediu a melhora das expectativas de crescimento econômico, e ainda colaborou para o cenário positivo que levou a agência de classificação de risco Fitch a elevar a nota de crédito do Brasil, uma indicação de que ficou mais seguro investir no país.

"Qualquer que seja a redução anunciada, ela valida o êxito da estratégia do Banco Central, mostrando que a política monetária restritiva ainda é o melhor mecanismo de controle da inflação", avalia Alberto Ramos, diretor executivo do grupo financeiro Goldman Sachs para a América Latina.

Atento à nossa memória inflacionária, o BC brasileiro foi o primeiro a subir os juros após o início da pandemia, enquanto o mundo apostava numa inflação transitória. No Brasil, a Selic passou a subir em março de 2021, depois de atingir o piso histórico de 2% ao ano.

Na época, o IPCA – índice "oficial" de inflação – estava próximo de 6% em 12 meses, e subindo. Chegou a 12,13% em abril de 2022, para então começar a cair. Na medição mais recente, de junho de 2023, a inflação acumulada em 12 meses era de 3,16%.

Neste momento, após várias revisões para baixo, a expectativa do mercado financeiro é de que o IPCA encerre o ano em 4,84% – a meta perseguida pelo BC é de 3,25%, com intervalo tolerado de 1,75% a 5%.

"É preciso parabenizar o Banco Central por ter agido na hora certa", corrobora o especialista em finanças Hélio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil.

A constatação é relevante principalmente pelo nível de contestação à política monetária conduzida pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Desde o início do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ministros e correligionários não têm poupado críticas ao trabalho do BC.

O presidente chegou a dizer que Campos Neto "jogava contra o Brasil". Na avaliação de Hélio Beltrão, as críticas foram uma tática do governo de eleger um bode expiatório para o fraco desempenho da economia que se desenhava no começo do ano.

As previsões pessimistas não se confirmaram. Os bons números da economia demonstram, entre outros fatores, o acerto da estratégia do BC.

"É notável que o Banco Central tenha conseguido trazer a inflação para dentro da meta sem quebrar empresas e setores. O cenário possibilita uma redução gradual [dos juros], com controle dos indicadores", observa Ramos.

"Herança bendita" de reformas colabora para "respiro" na economia

Além da atuação do BC, o "respiro" observado na economia – com redução nas projeções de inflação e aumento nas expectativas para o PIB – refletem efeitos de reformas promovidas nos últimos seis anos.

Alberto Ramos lembra a "herança bendita" no aspecto fiscal. "Já vínhamos de dois anos com superávit, fato inédito nas últimas décadas", diz.

Para Hélio Beltrão, "pouco a pouco o país está colhendo os frutos de excelentes ajustes micro e macroeconômicos consolidados". Entre eles a estão a reforma trabalhista, no governo Temer, e iniciativas do governo Bolsonaro como a reforma da Previdência, a Lei de Liberdade Econômica e outras ações liberalizantes.

A própria agência internacional de classificação de risco Fitch atribuiu o “desempenho macroeconômico e fiscal acima do esperado" às políticas proativas e reformas dos últimos anos.

Fatores mais recentes, como o extraordinário desempenho do agronegócio e o contexto internacional favorável – com a queda do preço das commodities, principalmente o combustível – também contribuíram para os números favoráveis do semestre.

Da parte do governo, a aprovação do arcabouço fiscal, embora ancorado no aumento da arrecadação, sinalizou ao mercado alguma regra para tentar equilibrar os gastos.

Tentativa de reverter autonomia do BC não funcionou e perde força

Em meio a críticas recorrentes à atuação de Campos Neto, o governo deixou clara sua intenção de revogar a autonomia do Banco Central. Entre os argumentos para o retrocesso, petistas afirmavam que o presidente do BC não tinha sido eleito e que "não era o dono do Brasil".

O governo também tentou desqualificar a atuação técnica de Campos Neto, sugerindo sua vinculação ao ex-presidente Bolsonaro, que o indicou ao cargo. Lula propôs, ainda, modificar a meta de inflação, de modo a permitir mais tolerância com a alta de preços.

Tanto ruído só aumentou a instabilidade, o que piorou as expectativas de inflação e retardou o início da queda dos juros.

A tentativa de rever a autonomia do BC, porém, não prosperou – foi descartada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que defenderam a independência formal concedida à autoridade monetária pelo próprio Congresso em 2021.

A perspectiva de fim da autonomia, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, se enfraquece ainda mais agora, com a comprovação dos resultados da estratégia técnica do BC.

Para Ramos, a atuação técnica e independente da autoridade monetária ficou demonstrada em todo o ciclo de elevação dos juros, que começou ainda na gestão Bolsonaro.

Apenas no ano eleitoral de 2022, o BC reajustou a Selic cinco vezes, elevando a taxa de 9,25% a 13,75%. "Ninguém que pensasse politicamente aumentaria os juros a quatro meses da eleição", ressalta o diretor do Goldman Sachs.

A atuação técnica do Banco Central foi atestada por um estudo recente do Instituto Millenium, que analisou as atas do Copom desde 1999 por meio de inteligência artificial.

A conclusão descartou diferenças relevantes nos comunicados de um governo para o outro. “A hipótese de que as atas do Banco Central teriam endurecido no atual governo, devido à diferença ideológica, não foi confirmada pelos resultados deste estudo”, concluíram os cientistas de dados Geraldo Leite e Wagner Vargas.

A agência Fitch, no comunicado de elevação do rating brasileiro, elogia a atuação do BC, afirmando que ele “conduziu uma política monetária prudente e proativa durante o recente choque inflacionário e manteve a taxa Selic em 13,75% desde agosto de 2022, em meio a incertezas fiscais, rigidez no núcleo da inflação e algum desvio para cima nas expectativas de alta de preços”.

Para Beltrão, apesar de a revogação permanecer no radar do governo, a autonomia do BC não corre riscos imediatos. Ele acredita que, além da vigilância do Congresso, da imprensa e da sociedade, a institucionalização do BC vai impedir desvios e a politização das decisões.

Mesmo com o fim do mandato do atual presidente Campos Neto, previsto para 2024, o novo nome indicado pelo presidente da República estará sujeito às regras estabelecidas e ao Conselho de Diretores. "São membros técnicos, todos com mestrado e doutorado, experientes e responsáveis na condução de políticas monetárias", avalia.

Perspectivas não são animadoras sem reformas estruturais do Estado

Mesmo com o cenário favorável e o início da trajetória de queda de juros, para os analistas não há muito a se esperar do crescimento da economia. "Temos um histórico de crescimento baixo e teremos sorte se não piorar", diz Hélio Beltrão.

A boa notícia, para ele, é que o Congresso tem bloqueado retrocessos pretendidos pelo Executivo. Mas não há no horizonte reformas estruturantes que propiciem crescimento econômico e ajustem o tamanho do Estado, como a reforma administrativa.

Recentemente o presidente da Câmara citou essa reforma como prioridade no segundo semestre, mas o governo trabalha para adiar a discussão.

Para Alberto Ramos, mesmo a reforma tributária, aprovada na Câmara, não buscou redução da carga de impostos e não deve contribuir para o ajuste fiscal. "A estratégia deste governo é arrecadar e gastar, 'tax and spend"', constata.

O pouco crescimento previsto para 2023 e os anos seguintes parece estar ancorado em mais políticas específicas para setores, que ele chama de "ativismo microeconômico". Pode surtir algum efeito no curto prazo, mas nada que assegure o crescimento sustentável. "Os últimos 20 anos demonstram que não dá pra ser otimista e esperar algo além dos chamados voos de galinha", diz.

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