
Ouça este conteúdo
Encarado pelo governo como trunfo para as eleições de 2026, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve tentar a recondução ao cargo, o aumento na isenção do Imposto de Renda pode criar um buraco nas contas públicas.
O risco já era apontado por especialistas desde que o governo apresentou a proposta pela primeira vez, em novembro. Isso porque, embora a nova faixa de isenção deva ser aprovada com facilidade, o mesmo não se espera das medidas de compensação da renúncia fiscal, que envolvem a taxação de contribuintes mais ricos. Agora, com o projeto tramitando no Congresso e sujeito a todo tipo de alteração, o perigo de que não mantenha a neutralidade fiscal fica ainda mais evidente.
A medida inicial do governo prevê isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais e descontos decrescentes para quem recebe até R$ 7 mil, mantendo os parâmetros atuais para as demais faixas de renda.
A fim de compensar a perda na arrecadação, cujas previsões variam entre R$ 25 e R$ 34 bilhões, a equipe econômica quer cobrar imposto mínimo sobre contribuintes de alta renda, com ganhos acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil anuais). A alíquota seria crescente, chegando a 10% para rendimentos a partir de R$ 1,2 milhão ao ano.
No início do mês, pouco antes de a Câmara instalar comissão especial para avaliar o projeto do governo, o PP apresentou uma alternativa que, segundo especialistas, aumenta a preocupação com o equilíbrio fiscal da proposta.
Apesar de manter o patamar de isenção e os descontos iniciais da medida do governo, a proposta do PP eleva o piso de renda para a cobrança do imposto mínimo de R$ 50 mil para R$ 150 mil mensais.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, as "eventuais modificações do texto enviado devem ser avaliadas com cautela, pois têm maior probabilidade de prejudicar o equilíbrio fiscal do projeto do que melhorá-lo".
O técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea Sérgio Gobetti, especialista em tributação, também tem ressalvas em relação ao projeto do PP. Segundo ele, o proposta de elevar o limiar do imposto mínimo para R$ 150 mil não gera arrecadação suficiente para equilibrar as perdas com a isenção do Imposto de Renda.
Na visão dos especialistas, nem mesmo os demais mecanismos propostos pelo PP a fim de garantir a neutralidade fiscal – como a taxação de bancos com lucro superior a R$ 1 bilhão e a redução de benefícios fiscais – seriam suficientes para equilibrar as contas.
Na Câmara, parlamentares solicitaram que outros quatro projetos relativos ao Imposto de Renda sejam apensados à proposta do governo, de forma que sejam considerados na elaboração de um substitutivo.
Uma dessas propostas, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), eleva a faixa isenta de IR para R$ 10 mil, mas sem apresentar qualquer compensação para a renúncia fiscal.
O que diz a proposta do PP para o Imposto de Renda
A proposta do PP foi apresentada no dia 3, quando o presidente nacional da legenda, senador Ciro Nogueira, entregou-a ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ao receber a proposta original do governo, em 18 de março, Motta já havia afirmado que o Congresso alteraria o texto.
Ao apresentar a proposta, o senador afirmou que ela oferece “formas mais eficientes e justas de equilibrar as contas públicas". O texto também foi entregue ao relator da reforma do Imposto de Renda, Arthur Lira (PP-AL), que é ex-presidente da Câmara e colega de partido de Nogueira.
Além de manter a isenção proposta pelo governo e de elevar o piso de incidência da alíquota mínima, a proposta do PP defende a aplicação de um imposto progressivo, de 4% a 15%, para quem tem rendimentos anuais superiores a R$ 1 bilhão.
Também está incluído um adicional de 5% na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para instituições financeiras que apresentem lucro líquido acima de R$ 1 bilhão – hoje a alíquota para bancos é de 21% – e um corte linear de 2,5% em parte das isenções tributárias que vigoram atualmente.
A medida ainda visa proteger estados e municípios de possíveis perdas geradas com os novos patamares de isenção e desconto do IR. Para tanto, propõe incluir um dispositivo no texto, deixando claro que a União fará a compensação aos entes federativos que tiverem redução na arrecadação.
Compensações propostas pelo PP para isenção do Imposto de Renda não são suficientes
Segundo a Warren, em 2026 o custo de isenção do IR seria de R$ 34 bilhões, enquanto a compensação inicialmente proposta pelo governo poderia angariar R$ 29,7 bilhões. Somadas as projeções de retenção na fonte de dividendos sem restituição no IRPF, a União teria um excedente de arrecadação de R$ 3,7 bilhões, o que garantiria a neutralidade fiscal da medida.
Felipe Salto argumenta que as compensações apresentadas pelo PP reduzem o potencial arrecadatório da proposta inicial do governo. Exceções que a proposta traz em relação às isenções tributárias de certos grupos e a extinção de outros, como o Perse, por exemplo, comprometem a eficácia do corte “linear” de gastos tributários, que acabaria incidindo apenas sobre 44% do total dos benefícios fiscais.
Sobre o aumento para 5% da CSLL de instituições financeiras com lucro acima de R$ 1 bilhão, o economista avalia que a medida é "difícil de ser aprovada e seu potencial arrecadatório é incerto". Ele relembra que propostas semelhantes sempre surgem no âmbito de reformas fiscais e tributárias, mas não chegam a progredir.
Elevação de piso do imposto mínimo compromete a compensação de isenção do IR
Autor de uma análise publicada no Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV sobre a proposta original do governo, Gobetti defende que a elevação do piso de incidência do imposto mínimo pode comprometer o equilíbrio fiscal da medida. O especialista ainda avalia que o imposto progressivo de 4% a 15% para rendas acima de R$ 1 bilhão seria praticamente inócuo.
Cálculos feitos para avaliar os efeitos da medida apresentada pelo governo demonstram que o imposto mínimo efetivo de 10% só terá impacto sobre pessoas com renda anual superior a R$ 1 milhão. Isso porque aquelas que recebem entre R$ 600 mil e R$ 1 milhão por ano já arcariam, hoje, com imposto efetivo superior a 10%. Dessa forma, não teriam de pagar ao Fisco, após a reforma, mais do que já pagam hoje.
No caso da proposta do PP, que prevê a taxação mínima de rendas a partir de R$ 150 mil por mês (R$ 1,8 milhão ao ano). Essa alteração faria com que todo o segmento que arrecada entre R$ 1 milhão e R$ 1,8 milhão ao ano ficasse livre das medidas de compensação para a isenção do IR.
Proposta não garante proteção a micro e pequenos empreendedores
Ao apresentar a proposta, Ciro Nogueira também disse que a alternativa às compensações visavam, em especial, proteger as microempresas e a maior parte dos profissionais liberais, médicos e advogados, que trabalham e recebem seus rendimentos.
No entanto, não há garantia de que a elevação do limite para R$ 1,8 milhão ao ano os preserve da incidência de mais impostos. Felipe Salto alega que este não parece ser o caso, sendo que os mais afetados pela medida do governo seriam cerca de 142 mil contribuintes que recebem mais do que R$ 1,2 milhão anuais, nas contas da Warren.
Gobetti ainda alerta para que não se faça confusão com a tributação de pessoas físicas, que é o ponto da medida apresentada pelo governo, com pessoas jurídicas. De acordo com ele, a proposta inicial não é tributar as empresas, mas as pessoas com alta renda.
Estados e municípios podem perder recursos com isenção do Imposto de Renda
Outro ponto da proposta apresentada pelo PP é a compensação da União a governos regionais que sofrerem perdas. A nova isenção do IR, proposta pelo governo, automaticamente acarretará queda na arrecadação desses entes, pois pela lei todo o IR retido na fonte (IRRF) de servidores estaduais e municipais pertence aos respectivos estados e municípios.
Ainda que o governo alegue que não haverá perdas para estados e municípios – em razão do esperado aumento na arrecadação gerado pelo aumento da renda disponível e consequentemente do consumo –, há estimativas de perdas de aproximadamente R$ 5 bilhões por ano.
Felipe Salto avalia que, de fato, se os ganhos com a arrecadação forem suficientes, não haverá perdas no agregado. As exceções, segundo ele, são "aqueles cuja receita obtida do IRRF de servidores públicos com rendimentos até R$ 5 mil seja superior à cota-parte da distribuição do IR [nos Fundos Estaduais e Municipais]".
Gobetti também chama a atenção para esse ponto. Nesse sentido, a proposta do PP de incluir no texto que a União faça a compensação aos estados e municípios que tiverem redução na arrecadação, alarga ainda mais as preocupações em relação à neutralidade fiscal da medida.
Aposta do PP é de que relatoria incorpore pontos de diferentes propostas
No dia 4 de abril, a Mesa da Câmara aprovou o regime de urgência para a tramitação da matéria, que tem sido considerada a principal proposta do governo em tramitação no Congresso neste ano. No mesmo dia, Hugo Motta designou uma Comissão Especial para analisar a matéria, presidida pelo deputado Rubens Pereira Jr. (PT-MA).
A expectativa do PP é de que o relator, Arthur Lira, construa um texto a partir da proposta original do governo, incorporando as sugestões de seu próprio partido e de outros parlamentares.
O ex-presidente da Câmara, inclusive, já sinalizou que pode incorporar trechos de uma proposta apresentada em 2021 por Paulo Guedes, ministro da Economia no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e que foi aprovada na época pela Câmara, mas não avançou no Senado Federal.
A Câmara tem 45 dias para avaliar a matéria contados a partir de 19 de março, dia seguinte à apresentação da proposta. O prazo se encerra em 2 de maio.







