• Carregando...
Além de o frete mal cobrir os custos do caminhoneiro, especialista diz que esses profissionais estão endividados. | Tomaz Silva/Agência Brasil
Além de o frete mal cobrir os custos do caminhoneiro, especialista diz que esses profissionais estão endividados.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Durante a greve dos caminhoneiros, os manifestantes argumentavam que a atividade de transporte rodoviário era economicamente inviável. Estudo do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), elaborado a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, mostra que a situação da categoria se deteriorou bastante desde 2014. Em 2016 e 2017, a atividade trabalhou no vermelho e, hoje, gera renda perto de zero. No acumulado de 2018, a margem de lucro ficou em 3%. Ou seja: após fazer um frete de R$ 10 mil, o profissional ficará com R$ 300 nas mãos após os custos.

LEIA TAMBÉM:

Cargo X surgiu no meio da crise, e resiste

‘É muita galinha para pouco milho’, diz caminhoneiro que está pagando para trabalhar

Apesar de a atividade ter saído do fundo do poço, quando exigiu margens negativas de até 15%, a situação do setor ainda é muito delicada, de acordo com Maurício Lima, diretor do Ilos. Além de o frete mal cobrir os custos do caminhoneiro, apesar da melhora da economia desde 2017, o especialista diz que esses profissionais estão endividados por causa do movimento de troca de veículos na época do ProCaminhoneiro, programa de financiamento do governo Dilma.

O transporte rodoviário viveu a “tempestade perfeita”. Graças ao financiamento de caminhões com juro baixo, a frota cresceu no momento em que a demanda por frete despencou junto com a economia, que retraiu 7% em 2015 e 2016. Em crise, as empresas, além de contratarem menos, também reduziram os preços pagos pelo transporte de mercadorias. “O caminhoneiro ficou sem nenhum poder de barganha.”

Diante do baixo retorno da atividade atualmente, os caminhoneiros buscam saídas para continuar trabalhando enquanto os preços praticados não melhoram. Embora seja difícil economizar em combustível - item que pode chegar a quase 50% dos custos em viagens de longa distância, segundo a Ilos -, Lima diz que os motoristas podem recorrer a “gambiarras” para adiar gastos com manutenção do veículo, por exemplo - a despeito do perigo que essa decisão pode representar.

Cargo X surgiu no meio da crise, e resiste

A empresa de tecnologia Cargo X, que funciona como elo entre transportadores e cargas chegou ao mercado justamente em meio à crise do setor. Hoje, a empresa, que tem 300 mil caminhões cadastrados em sua plataforma, trabalha no sistema “spot” – ou seja, contratados de imediato, e não por meio de acordos de longo prazo.

Segundo Federico Vegas, fundador e presidente da Cargo X, o atual preço do frete reflete uma relação de oferta e demanda desequilibrada. O executivo estima que mais transportadoras deverão sair do mercado antes de o preço médio do frete voltar a ser economicamente viável. Segundo ele, 30 mil transportadoras desistiram de operar em 2017.

Embora hoje se ocupe de atividades feitas por transportadoras, a Cargo X, que já recebeu US$ 35 milhões em investimentos, se define como uma plataforma de tecnologia que visa a aumentar a produtividade do movimentação de cargas. “Hoje, 40% dos caminhões fazem a viagem de volta vazios”, diz ele, lembrando que isso compromete o já quase nulo ganho atual dessa atividade.

O ganho de produtividade, diz Vegas, é especialmente importante em um mercado deprimido como o atual. Além da redução da oferta de caminhões, ele diz que não existirá milagre para o reajuste do preço do frete. Tudo dependerá da retomada da economia. “As empresas tiverem fortes perdas de margem (com a crise). Então, todo mundo está focado em cortar custos, em sobreviver.”

‘É muita galinha para pouco milho’, diz caminhoneiro que está pagando para trabalhar

O caminhoneiro Jaime Tonetti, de 57 anos, é de Jacareí (SP). Mas, durante a greve dos caminhoneiros, parou seu veículo - um MH Volvo financiado, modelo ano 2000 - perto de Fortaleza (CE), para onde transportava uma carga para uma grande cervejaria. Ativo em vários grupos de WhatsApp da categoria, ele se converteu, de forma involuntária, em um dos “cabeças” do movimento na região. Ficou nove dias parado na estrada e só seguiu viagem na última quinta-feira, 31, quando retornou ao trabalho. “Você acha que alguém fica nessa situação por nove dias, se a coisa não for grave?”, questiona. “Paramos por vontade própria. A gente estava com tudo engasgado.”

Filho de caminhoneiro, Jaime trabalha há mais de 50 anos no setor e há 37 dirige o próprio veículo. O dinheiro não dá para pagar as contas. “Tenho sorte de ter casas alugadas e de a minha mulher ter emprego. Porque dinheiro como caminhoneiro não ganho.” Ele explica que a briga por cargas só achata o preço do frete: “É muita galinha para pouco milho.”

Trabalhando com seu caminhão em rotas longas – como os 3 mil km que separam São Paulo e Fortaleza –, Jaime diz que ter dificuldades para pagar o financiamento de seu Volvo usado. O caminhoneiro diz que, em média, o frete para as capitais do Nordeste giram em torno de R$ 11 mil. Desse valor, cerca de R$ 5 mil são gastos atualmente com diesel – o MH ano 2000 consome cerca de 1,4 mil a cada “perna” da viagem.

A cada ida e volta para Fortaleza ou Recife – rotas que faz com frequência –, Jaime acredita que sobrem cerca de R$ 2 mil ao fim do mês. É um valor insuficiente para arcar com os custos fixos do próprio caminhão: entre prestação, seguro e estacionamento, ele diz desembolsar R$ 3,8 mil por mês.

Embora Jaime tenha ficado insatisfeito com o acordo que encerrou a greve, a queda de R$ 0,46 no diesel, caso se concretize, representará um bom alívio em seus custos. Na viagem de ida e volta para Fortaleza, o corte no preço representaria uma economia de cerca de R$ 1,3 mil. Considerando o valor líquido que vem sobrando nas mãos do caminhoneiro atualmente, isso representaria um “reajuste” de 65%.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]