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Falta de saúde financeira e a dificuldade em equilibrar a vida profissional com a pessoal estão entre os motivos que mais levam os empreendedores a fechar um negócio. E é preciso mesmo saber a hora de parar. | Bigstock
Falta de saúde financeira e a dificuldade em equilibrar a vida profissional com a pessoal estão entre os motivos que mais levam os empreendedores a fechar um negócio. E é preciso mesmo saber a hora de parar.| Foto: Bigstock

Ter seu próprio negócio é o sonho de muitos brasileiros, mas a realidade para os empreendedores no país é complicada. Entre os motivos que levam ao fechamento de empresas, três são apontados como principais, de acordo com o monitoramento do Sebrae: a falta de planejamento prévio (financeiro, operacional e de marketing e vendas); a falta de gestão (falhas na divisão de papéis dentro da empresa, por exemplo); e o comportamento do empreendedor que se aventura sem preparo para isso.

Segundo o professor de Inovação e Empreendedorismo do Insper, Marcelo Nakagawa, neste último motivo estão principalmente empreendedores de primeira viagem. “Eles tentam se profissionalizar enfrentando a montanha russa que é liderar um negócio nascente. Neste tópico entra a ausência do talento de identificar oportunidades, tangibilizá-las em soluções vencedoras, em lidar com pessoas, em vender e em integrar vida pessoal e profissional”, lista. 

Nesta reportagem veja ainda: 

Quando a questão é felicidade e momento de vida

Quando a questão financeira é insustentável

Não deixe que o sonho vire um pesadelo

Será um problema de perfil?

Quando a questão é felicidade e momento de vida

A dificuldade em equilibrar a vida profissional com a pessoal foi o que levou o jornalista Murillo Leal (foto abaixo) a decidir fechar a sua empresa de produção de conteúdo, que existia há pouco mais de um ano. “Passei por problemas na minha vida pessoal e senti que estava tendo minha energia muito sugada pela empresa. Mesmo tendo retorno financeiro, até maior do que nos anos em que atuei como empregado, vi que o saldo era negativo. Percebi que precisava ter mais cuidado com minha saúde, tanto física como mental, coisas que tinha deixado de fazer”, conta. 

O jornalista Murillo Leal tem 27 anos e diz que não encara a decisão de fechar sua empresa como uma desistência ou um fracasso.Arquivo pessoal

Antes de empreender, Leal já havia trabalhado em diferentes veículos de comunicação e em 2016 foi convidado pelo LinkedIn a fazer parte da Pulse, plataforma de publicações da rede que reúne especialistas e influenciadores das mais diferentes áreas. No mesmo ano, ele apareceu na lista Top Voice, que elenca os usuários que tiveram maior visibilidade e voz ativa no Linkedin.

Esta visibilidade fez com que Leal começasse a receber pedidos para criação de conteúdo dos mais diversos, e foi então que ele viu a oportunidade de abrir a Staff Digital, à princípio junto com um sócio. 

“No meio do caminho, meu sócio recebeu uma boa proposta de emprego. Ele já estava em outro momento de vida, já tinha filhos, e eu mesmo concordei que o melhor seria ele aceitar. Eu não tinha como dar conta de toda a parte criativa sozinho, então comprei a parte dele da empresa e passei a reunir profissionais freelancers. No final de 2017, já eram 24 colaboradores”, conta. 

Leal, que tem 27 anos, diz que não encara a decisão como uma desistência ou um fracasso. 

“Sou jovem e fui muito além do que imaginava que poderia. Muitos olham o dinheiro, a projeção que a empresa te dá, mas tive um encontro comigo mesmo e vi que tenho outras prioridades. Ser empreendedor não custa apenas sua energia de trabalho, mas também emocional, e muitas vezes você não está preparado para isso”, afirma. 

Quando a questão financeira fica insustentável

Segundo a consultora do Sebrae, Sonia Shimoyama, o momento de decisão do fechamento da empresa é pessoal. “No Sebrae, não vamos dizer para um empresário que ele deve fechar a empresa, que não há mais jeito. Muitas vezes é preciso esgotar todas as possibilidades, em especial quando são negócios que já existem há mais tempo e dos quais muitas pessoas dependem, como a família do dono e seus funcionários”, diz. 

É preciso, no entanto, estar atento a alguns sinais. “Se você vê em pesquisas que seu segmento teve um crescimento de, por exemplo, 10% e a sua empresa não acompanhou, comece a pensar em ações de correção ou de prevenção que garantam que ao menos você continue no mercado”, diz. 

De acordo com Nakagawa, além da satisfação pessoal, as perguntas a se fazer são matemáticas e exatas. “A empresa está dando fluxo de caixa negativo e não há perspectivas para atingir o ponto de equilíbrio antes das suas economias pessoais acabarem? A empresa está bem agora mas tende a enfrentar problemas de fluxo de caixa no futuro, com a chegada de um novo concorrente, um novo padrão tecnológico ou novos hábitos do consumidor?”, indaga. Se a resposta for negativa, ele acredita que seja hora de encerrar as atividades. 

“Os riscos de não saber a hora de parar são dois. O maior risco é o pessoal já que o empreendedor pode ter sua saúde, inclusive mental, seriamente abalada e, em alguns casos, de forma irreversível. O segundo maior é o risco financeiro, que tende a ficar muito pior, de maneira exponencial, com o passar do tempo, considerando os passivos trabalhistas e tributários, além das falhas com o mercado consumidor”, afirma Nakagawa. 

Para Shimoyama, a resiliência é importante para o empreendedor, mas há um limite até onde se pode ir. “Muitos acabam colocando em risco seu patrimônio pessoal e familiar em função da empresa e isso é um risco grande”, alerta a consultora. 

Exaustão e dificuldades financeiras levaram o restaurante Farnel ao fim

As dificuldades financeiras, aliadas à necessidade de dedicação exaustiva ao negócio, levaram 

Anna Vargas de Faria, ex-proprietária do Restaurante Farnel, a primeiro repensar seu modelo de negócio, readaptá-lo e, por fim, encerrá-lo. O restaurante funcionava em uma casa histórica no Largo da Ordem, em Curitiba, servindo pratos típicos paranaenses, com um projeto de resgate da valorização da cultura do estado por meio da gastronomia. 

Desde 2005 já funcionava no mesmo local, tocado pela avó de Faria, um outro restaurante que também servia pratos típicos do Paraná mas com ambições menores. Em 2013 surgiu a ideia de trabalharem com isso de maneira mais presente. 

“O Farnel abriu no início de 2014. Tivemos bastante visibilidade inclusive na mídia, muito por causa de ser um projeto de resgate de cultura, que pensava na valorização de pequenos produtores e tinha preocupações ambientais. Mesmo assim, no final de 2015 veio o primeiro momento em que começamos a questionar a viabilidade financeira”, conta. 

Ao verem que o retorno não era satisfatório, Faria e sua irmã, que era sua sócia, pensaram em diversificar os produtos oferecidos. Passaram a ter o serviço de delivery e também a alugar o espaço para eventos, como casamentos. 

“Até a metade de 2016 investimos nestas mudanças e fomos fazendo um acompanhamento, mas ainda assim o retorno não era satisfatório se comparado aos esforços que tínhamos de fazer. Uma solução seria virarmos um bar, que tem mais a ver com a região onde o restaurante funcionava, mas este não era nosso objetivo. Então vimos que não iria acontecer”, relata. 

O Farnel fechou sua sede física no mesmo ano de 2016, mas não encerrou por completo suas atividades. As duas sócias continuaram participando de eventos e feiras de gastronomia durante 2017, mas também encontraram dificuldades. “O público nestas feiras costuma buscar alimentos mais rápidos, como hamburgers. Os pratos que vendíamos saíam, mas não eram o carro-chefe. Fora que também, em feiras, você precisa de toda uma estrutura e ainda corre o risco de não haver público, de o tempo estar ruim, é sempre uma surpresa”, diz Faria. 

“São poucas feiras em Curitiba que têm a mesma proposta que o Farnel, de valorização da culinária e dos ingredientes locais e que recebem um público que valorize e de fato consuma isso. Como percebemos que não havia mais esta ligação, junto com a parte financeira, resolvemos encerrar as atividades de vez em 2017”, conta. 

Não deixe que o sonho vire um pesadelo

Faria conta que, num primeiro momento, elas tiveram de lidar com o sentimento de fracasso. “Mas conversando com amigos e até com outros proprietários de restaurantes, vimos que fomos corajosas e percebemos o momento certo de parar. De alguma forma, foi um alívio pensar que, até na hora de encerrarmos, fizemos de maneira planejada”, diz. 

Para ela, a maior dificuldade foi ver que o projeto desenvolvido para o Farnel para além do restaurante, com a questão cultural e ambiental, não deu certo. “Quando é um projeto que é um ideal vida não dá certo, ou só dá certo só em termos ideológicos, que é o que acredito que houve com a gente pois havia valorização, mas as pessoas não consumiam, é hora de parar. E está tudo bem também”, diz. “Trabalhei muitos anos como consultora em projetos sociais e urbanos, e percebi que isto tem mais a ver com meu perfil do que ser empresária e ganhar dinheiro acima de tudo. A lição é que quando você é empresário você precisa pensar muito no resultado, e isso é dificultoso para mim”, completa. Faria, que é turismóloga, voltou a trabalhar com consultoria em projetos públicos e privados e não se vê empreendendo novamente, pelo menos por enquanto. 

Para Leal, o momento de encerrar as atividades da Staff Digital também foi correto. Ele, que é mentor de algumas startups, conta que costuma ver que muitas vezes o sonho pode ser maior do que você tem para oferecer no momento. “Como vi isso acontecer em algumas empresas de que sou mentor, acho que fiquei meio vacinado e soube enxergar este momento no meu caso. Me sinto privilegiado em ter percebido isso com rapidez, mas também foi mais fácil tomar a decisão porque eu já estava envolvido em outras atividades além da empresa, não tenho filhos, sou jovem e tenho uma estrutura de apoio familiar”, conta. 

Além da empresa, Leal também dá palestras pelo Brasil, escreve colunas e pretende, agora, retornar ao jornalismo. Ele conta que logo após sua decisão, sentou e colocou em um papel as habilidades que desenvolveu em todos estes anos de trabalho, em quais áreas ele poderia atuar e o que poderia fazer. “A partir disso, acionei minha rede de contatos e me coloquei disponível. Agora é lutar nesta nova fase, mas sempre busco ver o lado bom, por mais clichê que pareça”, diz. 

Segundo o professor do Insper, os jovens empreendedores, em especial, costumam lidar com vários chamarizes, aspectos que dominam sua atenção, e têm dificuldades em focar e priorizar os objetivos. “Isto cria algumas pessoas com baixo nível de resiliência e bastante frustadas com um mundo que não é o seu ideal. Neste sentido, empreender parece um cântico mágico que cria um país das maravilhas só seu, mas rapidamente descobrem que precisam fazer contabilidade, pagar impostos, gerar e cobrar boletos, lidar com pessoas que não têm o mesmo ideal, vender e superar a expectativa do cliente, negociar com fornecedores, cobrar resultados. É muito trabalho para um resultado questionável, principalmente nos primeiros meses ou até o negócio começar a gerar fluxo de caixa positivo”, alerta. 

Será um problema de perfil? 

Muito se fala sobre o “perfil empreendedor”, como se fosse algo que a pessoa já nasce com ou sem. “Claro que algumas pessoas são mais ousadas, têm mais coragem de arriscar e isso é importante para empreender. Mas o empreendedorismo pode ser estimulado e desenvolvido”, afirma Shimoyama. 

Nakagawa também acredita que não existe um perfil ideal de empreendedor. Ele defende a Teoria de Inteligências Múltiplas, do professor americano Howard Gardner, que diz que todos temos inteligência, mas de maneiras diferentes. A teoria considera oito tipos diferentes de inteligência: lógico-matemática, linguística, espacial, corporal-cinestésica, naturalista, musical, intrapessoal e interpessoal. 

“Quem decide empreender deve saber qual é a sua inteligência principal e quais precisará desenvolver ou buscar um sócio ou um colaborador-chave que tenha o que te falta. Para evitar que o sonho se torne pesadelo, é preciso ter sócios com inteligências complementares e sinérgicas. Também é preciso ter mentores para discutir o negócio periodicamente. E o principal, é preciso criar um negócio cuja missão cumpra um propósito pessoal e verdadeiro do empreendedor”, finaliza.

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