
Ouça este conteúdo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dobrado a aposta sobre o crescimento da economia para 2025, contrariando as previsões de desaceleração do mercado financeiro e dos economistas.
Em falas recentes, o mandatário chegou a dizer que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria 3,8% este ano, numa alusão aos dados do IBC-Br, índice do Banco Central, para 2024. Depois se corrigiu e reafirmou que o país vai crescer este ano “um pouco mais de 2,5%”.
“Falam que vai haver recessão e o Brasil vai crescer no máximo 2,5%. Vai crescer um pouco mais de 2,5%, pode ter certeza”, disse Lula em evento em Santos (SP) no fim de fevereiro.
Nesta sexta-feira (7), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o crescimento do ano passado, de 3,4%, confirmando as previsões do mercado. Mas as projeções para 2025 são menos otimistas que a de Lula.
O próprio Ministério da Fazenda revisou para baixo as expectativas da economia para o ano. Em relatório da Secretaria de Política Econômica, publicado em 13 de fevereiro, a previsão para o PIB passou de 2,5% para 2,3%.
Nas projeções do mercado, o ponto médio é de expansão próxima de 2% em 2025. Se confirmado, será o desempenho econômico mais fraco desde 2020.
O Bradesco, terceiro maior banco do país e tradicionalmente cauteloso em suas avaliações, reduziu, em fevereiro, sua expectativa para o crescimento de 2,2% para 1,9%.
O Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) espera 1,8%. “Será um ano de atividade em desaceleração e inflação em alta. Um cenário de estagflação”, acredita Samuel Pessôa, pesquisador do FGV Ibre.
VEJA TAMBÉM:
Inflação pressiona juros, que afetam PIB
A inflação, segunda componente da equação do economista, tem se apresentado como reflexo direto do crescimento acima da capacidade do país de suprir a demanda doméstica.
O aumento do PIB acima do previsto nos dois últimos anos, comemorado pelo governo atual, se deu basicamente em função do gasto público, e “não pelo aumento de produtividade”, impulsionando o consumo e pressionando os preços dos produtos.
A prévia da inflação de fevereiro, o IPCA-15, registrou forte alta de 1,23%, puxada principalmente pelos gastos com educação e habitação, de acordo com o IBGE. Foi o maior índice registrado para o mês desde 2016, quando chegou a 1,42%. Representa ainda um salto de 1,12 ponto percentual em relação a janeiro (0,11%) e alcança 4,96% em 12 meses, acima do teto da meta, de 4,5%.
A mediana das expectativas de bancos e corretoras, segundo o último relatório Focus, do Banco Central, aponta para uma inflação de 5,65% ao fim do ano, o que sinaliza necessidade de novas altas da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,25%. O próprio BC já indicou que fará ao menos um aumento de 1 ponto porcentual.
De acordo com o Boletim Macro do Ibre, a piora das condições financeiras levará os setores mais dependentes de crédito a desacelerar fortemente em 2025.
Ainda é esperado um resultado favorável do PIB no primeiro trimestre do ano, devido ao desempenho da agropecuária. Mas para os trimestres seguintes, o crescimento médio deve ficar entre 0% e 0,1% por trimestre, ou seja, um cenário de estagnação, segundo o boletim.
Leve recessão não é descartada
Para Armando Castelar, pesquisador do Ibre, os setores exógenos – aqueles que estão fora do controle direto das políticas monetárias e fiscais do país, como o comércio internacional, fluxos de capital, taxas de câmbio e preços de commodities – devem contribuir para o crescimento anual. Mas os setores cíclicos – sensíveis às variações no ciclo econômico – devem desacelerar.
“Prevemos que, em 2025, os setores cíclicos contribuam com 0,8 p.p. para o crescimento anual, o que representaria uma forte desaceleração em relação a 2024, quando sua contribuição estimada foi de 3,1 p.p”, diz Castelar em artigo conjunto com a economista Silvia Matos no Blog do Ibre.
“No todo, nossa expectativa é de baixo crescimento, com virtual estagnação nos últimos nove meses de 2025. E, ainda que uma recessão não faça parte de nosso cenário base, o risco de um cenário com contração moderada do PIB não pode ser descartado no segundo semestre.”
Lula aposta na microeconomia
Os indicadores macroeconômicos e as previsões, porém, não parecem preocupar o Planalto, que acena com novos programas expansionistas para segurar o crescimento. Em reiterados momentos, Lula tem lembrado que nos dois primeiros anos de seu governo analistas erraram para baixo as previsões de crescimento do PIB.
"Não acredite nessa bobagem da macroeconomia: 'Ah, a economia não vai crescer'. Deixe a bola rolar. [...] “A única coisa que não queremos que cresça é o preço do ovo e da carne”, disse o presidente da República, sem explicar como solucionaria a equação. Lula ainda reafirmou sua confiança no crescimento via “microeconomia”.
“O que faz a economia girar não é a quantidade de bilhões que a gente anuncia [para os empresários]. É a quantidade de milhões que rodam junto ao povo mais humilde. O que roda a economia é dinheiro na mão do povo", disse. "Olhe para a microeconomia deste país, sem desprezar a macro. Mas é na microeconomia que a gente vai salvar este país. Eu quero pouco dinheiro na mão de muitos, não muito dinheiro na mão de poucos."
Receita de Lula é de crescimento via expansão de crédito
Para Juliana Inhasz, economista do Insper, as frases de Lula demonstram sua aposta na continuidade do crescimento do país via crédito. Ela destaca que a defesa da microeconomia revela o “desconhecimento” do presidente sobre a dinâmica econômica. “Acho que começa aí, de cara, um primeiro desconhecimento do que é micro e macroeconomia e como é que as coisas se articulam”, diz.
“Não é que o Brasil vai crescer com a microeconomia, porque micro e macro, em essência, são faces da mesma moeda. Todo o contexto macroeconômico, que é um agregado, reflete um ambiente formado por pessoas, por empresas, por inúmeros agentes. Quando a gente soma o comportamento de todos e sintetiza os resultados, chega-se na macro.”
A macroeconomia, ressalta Inhaz, está apenas mostrando que existem coisas que estão fora do lugar. “Os indicadores mostram que não temos um processo de crescimento econômico sólido, pela incapacidade de o governo tentar resolver uma questão central, que é o problema fiscal”, resume. "As contas do país continuam no vermelho porque o governo não fez sua parte [de cortar gastos]."
Medidas podem mais atrapalhar que ajudar
Na pauta do governo para estimular a microeconomia estão as ações recentes de liberar parte do FGTS para pessoas que optaram pelo saque-aniversário, além da tratativa com os bancos para oferecer o crédito consignado privado.
Também acena com a flexibilização do crédito consignado para quem é pensionista e tem outros benefícios do INSS, o que, na prática, vai aumentar o comprometimento da renda com o empréstimo. Há também a expansão do programa Pé-de-Meia, para auxílio estudantil.
Acilio Marinello, da Essentia Consulting, destaca que, embora não tenham impacto fiscal, as medidas vão na contramão do esforço do Banco Central para desacelerar a economia e conter a inflação.
“Não vejo que a microeconomia seja um caminho, ainda mais nesse contexto de inflação ainda crescente”, afirma. “A gente teve agora a prévia do IPCA-15, os juros já estão altos. A taxa Selic é base para tudo, e o crédito fica muito caro."
Segundo Marinello, as ações deveriam ser em sentido oposto, viabilizando a queda da inflação e barateando o crédito. “É um paradoxo”, diz. “O governo quer injetar mais recursos na economia para estimular o consumo, mas vai gerar pressão inflacionária, o que tende a manter os juros cada vez mais altos. É uma conta que não fecha.”
Para Castelar, é esperado que, em um cenário de menor popularidade, as medidas de estímulo para a economia do governo sejam implementadas. Em tese, elas podem até reduzir o tamanho da desaceleração. “Por outro lado, dependendo da intensidade dessas políticas, os efeitos positivos dos estímulos devem piorar o quadro inflacionário e o ciclo de aperto monetário pode se prolongar ainda mais”, afirma.
Ele alerta que políticas fiscais expansionistas, quando a economia está crescendo acima de seu potencial e com dívida pública elevada, "tendem mais a atrapalhar do que a ajudar", alimentando a inflação e postergando o equilíbrio fiscal.
“Novamente, podemos estar perdendo uma oportunidade para trazer a inflação para valores mais próximos da meta", afirma. "Infelizmente, diante dos desequilíbrios atuais, a desaceleração econômica é inexorável e desejável. Não há alternativa."






