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Lula Haddad
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) explicitou sua divergência em relação à meta fiscal proposta pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), abrindo caminho para mais gastos em 2024.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) surpreendeu ao dar um "tiro de misericórdia" na meta fiscal de déficit zero para 2024, estabelecida pelo seu próprio governo. A declaração dele feita a jornalistas na manhã de sexta-feira (27) derrubou cotações de ativos financeiros do país e valorizou o dólar. Mas ela também complicou ainda mais a política econômica por indicar um perigoso pragmatismo. O resultado pode ser uma piora nas expectativas de inflação, que teria efeitos na taxa básica de juros.

Com sinais de perda de popularidade e crescente dependência da boa vontade dos presidentes das duas Casas do Congresso, Lula parece estar cedendo aos conselheiros políticos que priorizam a alocação de recursos para fortalecer a intervenção do governo no processo eleitoral, por meio de benefícios sociais e de grandes obras.

O Centrão e a ala mais radical do PT pressionam Lula para adotar uma abordagem menos responsável na gestão do dinheiro público e mais agressiva na utilização de sua autoridade presidencial. Ao afirmar que "dificilmente" cumprirá a meta fiscal de 2024, Lula não apenas anulou o esforço e a reputação de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas também deu um sinal claro de que o Orçamento da União precisará se ajustar para acomodar mais "espaço fiscal".

A necessidade de contingenciar verbas já estava incomodando ministros e parlamentares aliados. Não por acaso, o presidente já vinha anunciando que fará inaugurações em todo o país no próximo ano. Depois, reiterou que a "ganância" de investidores não o forçará a fazer cortes de gastos.

O mercado já esperava um déficit fiscal de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. No entanto, as palavras do presidente podem aumentar a chamada "desancoragem das expectativas", termo técnico usado para explicar a perda de previsibilidade de indicadores e de confiança nas autoridades responsáveis pela política econômica, que são fundamentais para o mercado operar.

Ao contrário do que sugeriu Lula, os "investidores gananciosos", segundo a visão dele, prezam mais pelo compromisso com as metas propostas do que com o tamanho dos lucros, cobrando mais caro e com temos mais curtos quando a bússola da economia não se estabiliza.

Economistas ouvidos pelo jornal "O Estado de São Paulo" alertam que o risco de desancoragem das expectativas de inflação nos próximos anos aumentou devido à incerteza causada pelas dificuldades do governo em avançar sua agenda econômica no Congresso, agravadas agora pelas declarações de Lula.

Eles alertam que a aparente estabilidade nos preços do país pode mudar rapidamente, especialmente diante de sinais negativos no lado fiscal e de eventos internacionais adversos, como um aumento nas cotações do petróleo forçado pela guerra no Oriente Médio.

Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper para políticas públicas, as declarações de Lula refletem a falta de compromisso com o equilíbrio fiscal, ignorando os efeitos negativos sobre os juros, inflação e crescimento econômico.

A XP Investimentos sugere que a alteração na meta fiscal é provável devido à pressão sobre o Orçamento da União. Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, acredita que as declarações de Lula não mudam substancialmente o arcabouço fiscal, considerando os gatilhos previstos na lei em caso de descumprimento da meta.

Interesse político ofusca busca pela estabilidade da economia

Outro erro de Lula e seus aliados apontados pelos economistas é a suposição de que o cenário de inflação ainda em fase de melhora se sustentará de forma garantida, o que poderia encorajar gastos mais agressivos, contando com o Banco Central para evitar um descontrole maior.

Do ponto de vista político, o Centrão mantém a sua influência, e o governo está ainda mais dependente do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Segundo analistas, sem um projeto claro para o país, o Executivo fica à mercê dos interesses políticos paroquias e se limita a ocupar cargos e distribuir recursos públicos.

O fato é que Lula tem pressa. Mesmo com as melhorias nos indicadores econômicos, a aprovação do presidente está em declínio, especialmente na região Nordeste e entre o público evangélico. A prometida reversão do teto de gastos em favor de justiça social, a recomposição do Bolsa Família e o aumento do salário-mínimo não se concretizaram.

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