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Carlos Ghosn posa para foto em setembro | JOEL SAGET/AFP
Carlos Ghosn posa para foto em setembro| Foto: JOEL SAGET/AFP

A Nissan Motors informou nesta segunda que o presidente do conselho de diretores, Carlos Ghosn, foi preso e será demitido depois que a empresa descobriu "atos significativos de má conduta", incluindo a subnotificação de seu próprio salário às autoridades fiscais japonesas e o uso de ativos da empresa para seu benefício pessoal.

Ghosn é considerado um dos executivos mais importantes da indústria automobilística e é um dos presidentes de empresa mais bem pagos do Japão. Ele é amplamente creditado por ter salvado a Nissan da quase falência. Ele também atua como presidente e diretor-executivo da francesa Renault e presidente da Mitsubishi Motors. 

Nascido no Brasil, descendente de libaneses e cidadão francês, ele é um dos estrangeiros em posição mais importante no anbiente corporativo no Japão. 

A Nissan informou que realizou uma investigação interna por vários meses com base em um relatório de um informante sobre má conduta de Ghosn e do diretor Greg Kelly. A empresa compartilhou suas conclusões com os promotores públicos. 

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"Não estou em uma posição para falar sobre o progresso da investigação em si, mas como resultado da investigação, fomos informados que os dois senhores foram presos", disse Hiroto Saikawa, presidente da Nissan, em entrevista coletiva na sede da empresa em Yokohama. 

O executivo disse que convocará uma reunião do conselho na quinta-feira para remover Ghosn e Kelly. 

A Nissan informou que sua investigação mostrou numerosos "atos significativos de conduta imprópria", incluindo a subnotificação das compensações de Ghosn para a Bolsa de Valores de Tóquio em mais de US$ 40 milhões ao longo de cinco anos. Também teriam sido usados fundos de investimento para ganho pessoal e a realização de despesas corporativas indevidas. 

A Nissan disse que Kelly também estava profundamente envolvido nos erros. Saikawa descreveu os dois homens como os mentores da suposta má conduta. As ações da Renault caíram quase 10% em Paris, enquanto as ações da Nissan, cotadas na Bolsa de Frankfurt, na Alemanha caíram em um ritmo similar. 

Quem é Ghosn? 

Ghosn, 64 anos, começou sua carreira na fabricante de pneus Michelin na França em 1976, antes de ir para a Renault em 1996. Lá, ajudou a planejar uma reviravolta no destino da montadora, que lhe valeu a admiração do mundo dos negócios, mas não de sindicatos ou políticos de esquerda, que se ressentiram do alto salário de Ghosn enquanto ele assistia Pas perdas maciças de emprego após a crise financeira global. 

Ele se uniu à Nissan em 1999, depois que a Renault comprou uma participação que garantiu o controle da montadora francesa e se tornou seu CEO de 2001 até 2017, criando uma reviravolta similar lá e ganhando o apelido de "Le Cost Cutter (cortador de custos).” 

Ghosn deixou o cargo de CEO da Nissan no ano passado, mas permaneceu como presidente do conselho de diretores da empresa. 

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Ele se tornou uma estrela no mundo dos negócios no Japão, aparecendo em capas de revistas vestido de quimono e, até mesmo, foi criada uma revista em quadrinhos sobre sua vida. No Japão, ele também atraiu mais críticas por seu alto salário. 

Ghosn foi um dos primeiros executivos a defender os carros elétricos e desenvolveu uma gama de carros de baixo custo para mercados emergentes. 

Em junho, os acionistas da Renault aprovaram a remuneração de Ghosn para 7,4 milhões de euros (US$ 8,5 milhões) para 2017. Ele também recebeu o equivalente a mais de US $ 10 milhões em seu último ano como diretor-executivo da Nissan. 

Preocupação na França 

O escândalo também chamou a atenção na França, onde o governo francês é um importante acionista da Renault. O ministro das Finanças, Bruno Le Maire, disse na segunda-feira que o governo não comentará a investigação judicial em andamento no Japão, mas já fez consultas com a Renault sobre a estrutura administrativa da empresa.“Nossa prioridade é a estabilidade da Renault e os empregos”, disse Le Maire.

Fábrica da Renault na região metropolitana de ParisERIC PIERMONT/AFP

O governo francês é o principal acionista da montadora ao lado da Nissan, com uma participação de 15% e foi fundamental na recondução de Ghosn para outro mandato de quatro anos na empresa. Uma das condições para o apoio era de que ele solidificasse o acordo com a Nissan e o novo parceiro, a Mitsubishi. 

O governo francês e os sindicatos estão preocupados com os empregos na França, onde a Renault emprega 48 mil pessoas e onde a unidade de Flins-sur-Seine, perto de Paris, tem produzido carros da Nissan desde 2016. Após ter sido resgatada pela Renault, a Nissan se tornou o maior contribuinte em resultados para a aliança, embora recentemente, as margens de lucro da Renault tenham melhorado. 

Sentimento de raiva 

Em uma coletiva de imprensa que durou cerca de 90 minutos, Saikawa, o CEO da Nissan, pouco fez para esconder sua raiva contra Ghosn por causar decepção à empresa. "A concentração de poder em um único indivíduo", bem como "longo reinado" de Ghosn no conglomerado automotivo, impactaram as operações e podem ter sido fatores que possibilitaram a má conduta, disse Saikawa. 

Hiroto Saikawa, CEO da Nissan, pede desculpas pelo escândalo envolvendo a empresaBEHROUZ MEHRI/AFP

“Um pequeno número de pessoas se reportava ao sr. Ghosn”, disse Saikawa. Como resultado, em vez de tomar decisões com base em uma variedade de informações e opiniões, Ghosn "tomou decisões baseadas com informações limitadas em alguns casos". 

Saikawa também passou um tempo considerável expressando seu profundo pesar pela "perplexidade e ansiedade" que a notícia causou aos funcionários e partes interessadas."É muito difícil expressar isso em palavras", disse ele. "Além de me arrepender, sinto muita decepção, frustração, desespero, indignação e ressentimento." 

Em seu comunicado, a Nissan também se desculpou profundamente por causar grande preocupação aos acionistas e partes interessadas.

Continuaremos nosso trabalho para identificar nossos problemas de governança e compliance e tomar as medidas apropriadas.

A notícia é o mais recente escândalo a manchar a imagem da Nissan. Em julho, reconheceu que havia descoberto os dados de emissões falsificados da maioria de suas fábricas no Japão, enquanto em 2017 admitiu que tinha permitido que pessoas não qualificadas a realizar testes de pós-produção em algumas de suas plantas, forçando-o a realizar um recall de mais de um milhão de veículos. 

Apesar de empresa negar uma ligação direta entre a não realização de testes apropriados e seus esforços contínuos para reduzir custos, o diretor de competitividade, Yasuhiro Yamauchi, admitiu na época que "precisava refletir sobre se havia um ambiente na Nissan em que qualquer coisa poderia ser tolerado se levasse ao corte de custos." 

Complicações para a indústria automotiva 

Tim Hubbard, professor assistente de administração na Mendoza College of Business, da Universidade de Notre Dame, disse que a prisão de Ghosn complica um conjunto altamente interconectado de relações entre a Nissan, Renault e Mitsubishi Motors - e poderia impactar as participações que eles têm em si. 

Isto tem implicações generalizadas para uma grande parte da indústria automotiva, já que estas alianças se tornaram mais críticas no design, fabricação e suporte cada vez mais interconectado dos clientes das montadoras do mundo.”

“A prisão de Ghosn é outro exemplo desafortunado dos perigos de ter demasiado poder concentrado em um indivíduo dentro e em todas as corporações.” 

Um dos enigmas é porque Ghosn, com toda sua riqueza, poderia querer criar complicações à própria empresas. "Parece muito míope para mim, quando você tem muito dinheiro, por que você quer tirar dinheiro da empresa e dos acionistas", disse Carl Tobias, professor da faculdade de direito da Universidade de Richmond. 

Tobias disse que se a transgressões alegadas tivessem ocorrido nos Estados Unidos, alguém como Ghosn, que tem condições para pagar o melhor conselho legal disponível, poderia ter sido capaz de chegar a um acordo com os promotores e evitar a prisão, pagando uma grande multa. Mas ele disse que está longe de ser claro se este seria o caso no Japão.

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