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Detalhe de câmera digital da Sony. | /Pixabay
Detalhe de câmera digital da Sony.| Foto: /Pixabay

Quando se trata de processar números ou acabar com negócios ruins, ninguém na Sony tem sido tão esperto quanto Kenichiro Yoshida. Agora, como CEO, ele enfrenta uma tarefa mais difícil: trazer de volta a magia perdida.

Como força motriz por trás da reviravolta da Sony nos últimos cinco anos, quando ele era responsável pelas finanças, o reservado homem de 58 anos assumiu o cargo mais importante da empresa no domingo (1). Os investidores o amam, mas os gerentes que trabalharam com Yoshida disseram temer que ele não seja apaixonado pelo tipo de produto inovador que fez da Sony um nome forte.

A Sony voltou a bater recordes de lucratividade, mas deixou de produzir as coisas mais legais do mundo. A empresa que nos deu o Walkman e a TV em cores da Trinitron tornou-se uma miscelânea menos inspiradora, que inclui uma operadora de seguros e uma fabricante de semicondutores, além do videogame PlayStation e filmes. Uma vez classificada como a marca líder pelos consumidores americanos, a Sony e seu novo CEO precisam de novos sucessos para não ficar ainda mais atrás da Apple e da Samsung.

“Basicamente, a tarefa de Yoshida é assumir uma empresa mais velha e tentar torná-la jovem novamente”, disse Damian Thong, analista do Macquarie Group em Tóquio. “Há uma tensão entre seu desejo de manter lucros constantes e o de assumir os riscos necessários para impulsionar a inovação. Equilibrar esses dois será um desafio”.

É raro que os CFO sejam escolhidos para liderar empresas que não estão em meio a grandes reestruturações, de acordo com Stephen Kaplan, professor da escola de negócios da Universidade de Chicago. Os diretores de finanças, segundo ele, costumam ser menos hábeis em construir empresas do que em tirá-las de buracos. Ainda assim, uma análise da Bloomberg dos dados dos preços das ações sugere que os CFOs que se tornaram CEOs tendem a ter um bom desempenho. Nos 28 casos desde meados da década de 1990, quando grandes corporações não-financeiras promoveram seus chefes de finanças para o cargo máximo, as ações, em média, as ações valorizaram o dobro em relação ao mercado durante seus mandatos.

Em 2013, quando o ex-CEO Kazuo Hirai fez de Yoshida seu CFO e braço-direito, a Sony estava definitivamente em um buraco profundo. As perdas totalizavam mais de US$ 6 bilhões nos cinco anos anteriores.

Kazuo Hirai (esq) e Kenichiro Yoshida, novo CEO da Sony.Akio Kon/Bloomberg

Prometendo que não haveria “vacas sagradas”, Yoshida abandonou ou reduziu um negócio após outro: primeiro os notebooks, depois TVs e boa parte da linha de smartphones. Humildade e seriedade — características especialmente valorizadas no Japão — ajudaram Yoshida a conquistar apoio enquanto cortava 20 mil postos de trabalho. De acordo com vários gerentes da Sony, que falaram sob condição de anonimato, menos vistoso do que Hirai, Yoshida não tinha medo de fazer perguntas ou admitir que não entendia algo, e sabia os número de cor, disseram.

Cinco anos depois, os resultados são indiscutíveis. A Sony está ganhando mais dinheiro do que nunca, o preço das ações mais do que triplicou e há US$ 12 bilhões em dinheiro no balanço patrimonial — um baú de guerra que dá à Sony muito espaço para manobras e também para testar a visão de Yoshida.

“O conselho está apostando que ele poderá deixar de ser um executor para se tornar um estrategista geral”, disse Elena L. Botelho, sócia da firma de consultoria ghSMART e co-autora de The CEO Next Door (ainda sem tradução no Brasil), um livro de 2018 sobre liderança. “Só porque alguém conseguiu uma reviravolta notável do ponto de vista de custos, não significa que possa ser um líder para os negócios em geral e para desenvolvê-los”.

Ao relatar essa história, a Bloomberg conversou com mais de meia dúzia de atuais e ex-gerentes de nível médio familiarizados com a carreira de Yoshida. Eles se recusaram a falar publicamente por causa da sensibilidade dos problemas. A Sony optou por não disponibilizar Yoshida para uma entrevista.

Origens

Não houve grandes acertos para Yoshida durante os oito anos em que dirigiu uma pequena subsidiária chamada So-Net, que a Sony esperava que um dia se tornasse um provedor gigante de serviços de internet como a AOL. Como um residente da Sony que começou na corretora de ações da empresa depois de obter um diploma de economia, Yoshida não tinha um profundo conhecimento da web ou de sua tecnologia, de acordo com uma pessoa que trabalhou com ele na época.

Depois de tornar a unidade pública em 2005, Yoshida viu as ações perderem metade de seu valor em nove meses. Com foco nas finanças da empresa, Yoshida contou com seus gerentes para ideias, disse a pessoa. Quando foi recrutado como braço direito de Hirai, as ações da So-Net estavam de volta ao ponto de partida, mas o modelo de negócios se tornou amplamente irrelevante — e Yoshida não conseguiu navegar pelas mudanças.

Agora, como CEO de um conglomerado de US$ 61 bilhões com oito divisões e milhares de produtos, a tela é muito maior e as apostas são exponencialmente mais altas.

Entre os desafios: Yoshida terá que descobrir quanto investimento é necessário para manter a liderança da Sony em sensores de imagem. No ramo da música, onde um importante contrato expira em junho, Yoshida terá que tomar uma decisão rápida de se deve pagar cerca de US$ 2 bilhões pela posse total de um catálogo de músicas antigo, mas ainda lucrativo, ou abrir mão dele.

E tem ainda a Columbia Pictures, em que uma série de fracassos e a constante rotatividade de altos executivos mantiveram o estúdio muito atrás da Walt Disney. Ainda mais difícil será planejar uma estratégia para o que fazer depois do PlayStation 5. O videogame, que deve ser lançada no ano que vem, provavelmente será o último console dedicado que a Sony produzirá, então Yoshida terá que arriscar em algo novo.

Serendipidade

Talvez ainda mais longe da zona de conforto de Yoshida esteja resolver um problema que tem incomodado os altos executivos da Sony por anos: ter a criatividade fluindo novamente em uma empresa cujos melhores sucessos foram resultado de serendipidade, não de cálculo.

O Walkman, por exemplo, foi inventado em quatro dias, em resposta a um pedido pessoal do cofundador Masaru Ibuka, que queria um player portátil para ouvir música em voos longos. Um capricho mais recente que valeu a pena foi Fate/Grand Order, um jogo de smartphone que fez cerca de US$ 1 bilhão nos últimos três anos, de acordo com o Masahiko Ishino, analista da Tokai Tokyo Securities. Essa ideia foi inventada por um funcionário da indústria da música — que jogou muitos jogos, mas nunca fez um. “Eles fizeram isso de uma maneira muito dura — a Sony por excelência”, disse Ishino.

Em uma coletiva de imprensa em fevereiro, na sede da companhia em Tóquio, Yoshida abriu um sorriso raro quando admitiu ter ficado surpreso com a notícia de sua promoção no ano passado. Pedido a nomear um novo produto da Sony que o deixou empolgado, ele fez uma confissão incomum: “Meu favorito agora é o aibo”, disse ele, referindo-se a um cachorro-robô de brinquedo que remete a uma série de erros em termos de vendas da Sony.

Descontinuado como uma extravagância fracassada no passado, o aibo foi relançada em janeiro para mostrar a tecnologia da Sony, mesmo que os números provavelmente nunca cresçam. O endosso de Yoshida — sincero ou não — sugeriu que ele talvez ainda tenha de crescer em seu novo papel como o melhor vendedor da Sony.

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