São Paulo - O inventor norte-americano Ray Kurzweil, de 61 anos, sempre manteve uma obsessão: acabar com as limitações humanas. Em 1976, mirando os que não podem ver, ele desenvolveu o primeiro computador com a capacidade de ler - o que, diz o Stevie Wonder, mudou radicalmente a vida de quem é cego. Para barrar os efeitos da idade, ele montou, com o médico Terry Gossman, no livro "A Medicina da Imortalidade", uma rígida teoria de "reprogramação da bioquímica dos seres humanos" que permitiria que o corpo rejuvenescesse 20 anos. Kurzweil a segue à risca, engolindo diariamente as 230 pílulas estipuladas no programa. O objetivo? Aguentar até o dia em que a tecnologia acabará com a barreira maior do homem, a morte. Segundo ele, faltam apenas 36 anos para que isso aconteça.
"Em 2045, o homem fundido com a máquina irá multiplicar em bilhões de vezes a sua inteligência, comparando com o que somos. Nesse ponto, será tão simples fazer um backup do nosso cérebro quanto fazemos o do nosso computador", prevê. De acordo com o cientista, teremos nanochips correndo pela nossa corrente sanguínea e implantados no nosso cérebro físico, transportando tudo o que somos e pensamos para a web. Seremos parte da rede de informações.
Isso não se traduz necessariamente em vida eterna ("nem os softwares duram para sempre"), mas a morte do corpo pouco significaria. Para o inventor, isso é tão certo que ele até já planeja como trará seu pai, Frederic Kurzweil, morto quando Ray tinha 22 anos, de volta à vida. No recém-lançado documentário "Transcendent Man", ele explica que usará o DNA coletado em sua cova e o transportará para um avatar. E, assim, ele poderia reviver em uma realidade virtual fundida com o mundo real.
Não é a toa, portanto, que Kurzweil acha que os universos paralelos, à moda do Second Life, são uma das inovações mais interessantes dos últimos anos, ao lado de redes sociais como o Twitter e o colaboracionismo wiki. "No passado recente, não víamos as pessoas se ligando em redes sociais. Essa habilidade de criar comunidades globais é excitante, assim como os mundos em realidade virtual. Serão nesses ambientes realísticos de imersão que passaremos grande parte do nosso tempo no futuro", garante Kurzweil.
As fronteiras entre o que é virtual e real, humano e mecânica, ficarão cada vez mais tênues. Até o momento em que não será possível distinguir o que é o quê, e tudo será o mesmo. As máquinas, diz ele na sua obra mais famosa, "A Era das Máquinas Espirituais", terão até alma, já que o que nos faria ter um espírito é a autoconsciência.
E o que o desenvolvimento da inteligência artificial propõe, se não isso? "As máquinas vão superar a as emoções humanas e terão sentimentos. Acreditaremos quando robôs disserem que importam conosco, ou que está bravos", explica.
Pode parecer um livro de ficção científica do Isaac Asimov ou mesmo um delírio do escritor cyberpunk Willian Gibson, mas Kurzweil garante que esse tipo de robô estará ligado aos homens e não haverá quem não queria se tornar um pós-humano. "Poucos rejeitarão a tecnologia. Se um sistema desses puder aumentar nossa resistência, nos tornar imunes a quase todo tipo de doença, incluindo o câncer, quem diria não? Mas mesmo superando nossa própria biologia, conservaremos nossa humanidade".
Futurólogo por opção Lendo as previsões de Kurzweil, você pode achar que ele é mais um desses charlatões que se amparam em muita teoria e pouca prática e você não poderia estar mais errado. Hoje é necessária alguma cautela antes de comprarmos suas teses, mas sua história na ciência prova que devemos ouvi-lo.
Ray conta que decidiu se tornar inventor aos cinco anos, quando desconstruía seus brinquedos para ver como funcionavam. Aos oito, construiu seu primeiro boneco mecânico, com controle remoto. Começou a mexer com computadores aos 12, "quando Nova York tinha só uma dúzia deles". Três anos depois já havia criado o primeiro software para fazer estatísticas, adquirido pela IBM.
Aos 17, apareceu na televisão e alcançou a fama. No programa "Ive Got a Secret" (Eu tenho um segredo), ele tocou piano em rede nacional. "E o que isso tem de especial?", perguntava o apresentador. "A música executada foi composta por um computador", respondeu o garoto, que anos depois inventaria um sintetizador de piano e orquestra que revolucionaria a vida do Stevie Wonder de novo.
Estudou no Massachusetts Institute of Technology, um dos principais laboratório de novas tecnologias no mundo, e hoje integra a instituição. Foi pioneiro nas áreas de reconhecimento óptico de caracteres, softwares que reconhecem a fala humana e sua empresa, a Kurzweil Tech, foi uma das responsáveis pelo scanner moderno. Ficou milionário. Ainda acha pouco? Em 1999, Kurzweil ganhou das mãos do então presidente Bill Clinton a maior medalha que o governo dos Estados Unidos oferece a cientistas, em uma cerimônia na Casa Branca.
Só após tudo isso, Kurzweil decidiu parar de desenvolver novas tecnologias e apenas falar sobre elas. Sua cabeça corria mais rápido do que o mundo andava. "Eu vi que o tempo não era bom para eu continuar estabelecido como inventor. Prevendo o que será feito, eu posso inventar as tecnologias do futuro. Hoje eu ainda não posso inventar esses mecanismos dos quais falo, mas ao menos eu posso escrever sobre eles".



