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Claudio, da EY: é preciso mais do que boa vontade do governo. | Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
Claudio, da EY: é preciso mais do que boa vontade do governo.| Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

A falta de infraestrutura no país afeta o desenvolvimento de outras áreas da economia. Estima-se que o Brasil aplique até 2,4% do seu PIB magrinho na área, metade da média do investimento feito pelo países desenvolvidos. Com previsão de investimentos de R$ 198,5 bilhões até 2020, a reedição do Programa de Investimentos em Logística (PIL) do governo federal pretende tirar do papel projetos de concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias que ainda não decolaram na gestão de Dilma Rousseff. “O governo está se esforçando para recuperar a economia e o PIL é um caminho para alavancar o crescimento”, diz o sócio sênior do escritório da EY (antiga Ernest Young), em Curitiba, especializada em consultoria empresarial. Para o analista, porém, boa vontade não é suficiente. “O país precisa ter transparência nos contratos e dar garantias de que as regras não vão mudar ao longo do tempo. Isso minimiza o risco e atrai o investidor”, diz. Camargo conversou com a Gazeta do Povo sobre as perspectivas de sucesso do novo plano de concessões.

Quais serão os efeitos do programa de concessões do governo federal?

Tivemos um PIB fraco em 2014, e o desempenho da economia no primeiro trimestre deste ano também foi ruim. Uma das coisas que o Brasil precisa fazer para melhorar o PIB é justamente aumentar o investimento em infraestrutura, porque é isso que atrai investimentos adicionais, seja de capital público, privado, nacional ou estrangeiro. O que se espera é que esses R$ 198,5 bilhões gerem um aumento anual do PIB entre 0,2% a 0,4%, ou seja, bem pequeno. Em 2015, ainda teremos um índice negativo. Então, esses investimentos do pacote vão ajudar a recuperar o negativo.

O Paraná foi, dentro do pacote de concessões, o menos beneficiado entre os estados. O aeroporto Afonso Pena, por exemplo, não entrou no pacote. Não acredito que vai ter muito efeito no Paraná.

Claudio Camargo, sócio sênior da consultoria EY em Curitiba

Há diferenças nos modelos de concessões em relação ao pacote anterior?

Esse programa é um pouquinho diferente em relação a alguns aspectos de programas de anos anteriores de concessões. No setor de aeroportos, por exemplo. A regra anterior determinava a participação de, no mínimo, 49% da Infraero na concessão das operações. Isso fazia com que alguns investidores não se interessassem pelo programa. Agora, a proposta é reduzir a participação do governo para até 15%. Isso vai aumentar o interesse do investidor, pois ele vai ter mais autonomia para tomar decisões.

Outra mudança interessante está na concessão rodoviária. Antes, a obra de duplicação de uma estrada era determinada por um prazo, por exemplo, cinco anos. No programa novo, a duplicação deverá ser feita com base no tráfego de veículos, o que dá mais segurança para o investidor.

A mudança do modal ferroviário, por direito de outorga e sem a interferência da Valec, tornou a proposta mais interessante?

O Brasil procurou estimular o setor ferroviário, mas não tem tido sucesso. É o modal que menos se investe no país e talvez por isso tenha recebido o maior montante de previsão de investimento no pacote agora. Mas não tem tido sucesso nos últimos anos, a exemplo do trem bala, entre são Paulo e Rio de Janeiro, que não evoluiu nada nos últimos dez anos. Parece que o mercado em geral não acredita muito que esse sistema de transporte deva ter sucesso no país. Mesmo com a mudança de modelo, é difícil saber, apesar de ser o modal que precisa de mais investimento.

O que afeta a confiança do investidor?

Todo investidor vai aplicar em uma concessão se ele tiver confiança de que aquele contrato é transparente, que as regras são claras. E o governo brasileiro perdeu credibilidade com o passar do tempo. O investidor só vem se souber que a taxa de retorno é boa, que a regra não vai mudar, que os contratos serão respeitados até o fim, que não vai mudar com a mudança de governo, como já aconteceu aqui mesmo no Paraná. Por menor que seja o negócio, o investidor só vai aplicar seu dinheiro se ele conseguir ver o retorno que vai obter. A grande questão é a transparência, se os contratos serão respeitados para que essas concessões possam ser rentáveis no futuro. Talvez essa seja a maior dificuldade que se possa ter para mensurar a taxa de retorno desses projetos. Qualquer investidor assume riscos, mas ele precisa ter segurança de saber em que está investindo. No Brasil, o risco inerente ao investimento aumenta pela interferência do governo e falta de clareza de regras. No momento que o governo demonstra mais transparência, pode ser mais atraente ao investidor.

O Brasil dá sinais de que esse ambiente de negócios está mais seguro?

Um ponto interessante do novo pacote é essa disposição. A primeira coisa que o governo está tentando fazer é demonstrar que é mais confiável e transparente. A participação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem sido importante nesse sentido. Apesar de ser criticado por um lado, ele tem se mostrado bastante sério e comprometido com as medidas de retomada da economia. Além da rodada de apresentação do país que Levy fez a investidores internacionais recentemente, a redução da participação do governo nos pacotes de concessão é um exemplo dessa tentativa de mostrar transparência e reduzir a interferência.

Os modelos de financiamentos propostos no pacote são mais atraentes para o investidor?

Essas concessões serão, em grande parte, financiadas pelo BNDES, com projetos de até 80% de participação. Mas o banco vai fazer um processo um pouco diferente, com a possibilidade de emissão de debêntures pela instituição, para aumentar a capitalização com participação de investidores menores. Isso faz com que o investidor tenha mais recursos para os projetos.

Isso pode acelerar o programa, já que o investidor vai ao mercado buscar financiamento e reduzir a dependência da burocracia?

O governo é o maior interessado em que o processo de concessão dê certo. Ele precisa de recursos, precisa atrair investimento e que o país volte a crescer. Como o BNDES sofre influência do governo, é provável que o banco seja um facilitador na obtenção dos recursos, desde que dentro dos critérios estabelecidos pelas regras de concessão.

Há algum setor que pode ter maior interesse dos investidores, em especial aqui no Paraná?

O Paraná foi, dentro do pacote de concessões, o menos beneficiado entre os estados. O aeroporto Afonso Pena, por exemplo, não entrou no pacote. Não acredito que vai ter muito efeito no Paraná. Não acho que tenha diferença significativa entre os setores. Todos são carentes de investimentos, ficaram estagnados por muito tempo.

Com o envolvimento das grandes empresas brasileiras do setor de infraestrutura em denúncias e investigação de casos de corrupção, há players no mercado, dispostos a investir, ou temos que apostar no interesse do investidor estrangeiro?

Acho que teremos as duas situações. Alguns ajustes foram feitos dentro do próprio programa para contemplar essa situação. Nos processos antigos, havia um limite mínimo para concessões de rodovias, por exemplo, que era de mais de 800 quilômetros. Isso exigia um porte maior do investimento. Agora foi reduzido pela metade, justamente para facilitar que esses players menores possam participar do processo.

A segunda questão é o interesse do investidor estrangeiro, que não era muito comum antes e que agora pode ser maior, com a valorização do dólar e a dificuldade de ter rentabilidade em investimentos lá fora. O investimento em dólar aqui no Brasil está mais barato do que no passado. Talvez os investidores externos, por causa da desvalorização da moeda, se interessem em participar. Se for mostrado que as taxas de retorno são adequadas, o investidor vai onde tiver melhor rentabilidade. Com a economia globalizada hoje, o investidor de qualquer parte do mundo pode aplicar aqui.

E como o país pode dar essas garantias?

Essa condição não se muda de uma hora pra outra. Nesse aspecto, as notícias de investigação de corrupção e fraude, que chocam o cidadão, podem ser um sinal positivo. O mercado começa a ver as denúncias e percebe que há uma preocupação do país em controlar a situação e que a corrupção pode ser penalizada. Até dias atrás, presidentes de empresas passeavam impunes com seus carros importados. Agora estão presos. É um bom sinal.

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