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Javier Milei, presidente eleito da Argentina
Javier Milei, presidente eleito da Argentina| Foto: Juan Ignacio Roncoroni/EFE

Motivo de preocupações para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a eleição do libertário Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina pode ter efeitos econômicos positivos ou negativos para o Brasil, a depender da condução de sua agenda. A dolarização da economia argentina, uma de suas promessas de campanha, é uma medida arriscada, mas pode ajudar a resolver a situação do país, caso seja bem conduzida, para alguns analistas.

Por outro lado, a saída do país do Mercosul, como já aventou o presidente eleito, prejudicaria as negociações de um acordo entre o bloco e a União Europeia, o que poderia afetar diretamente o comércio entre as economias envolvidas, incluindo o Brasil.

Desde 1991, o Brasil é o principal destino dos produtos que a Argentina exporta, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), órgão do governo argentino subordinado ao Ministério da Economia.

Da perspectiva do comércio exterior brasileiro, a Argentina foi em 2022 o terceiro principal destino das exportações, com mais US$ 15,3 bilhões em transações, atrás apenas de China (US$ 89,4 bilhões) e Estados Unidos (US$ 37,4 bilhões), segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O vizinho sul-americano foi também o terceiro país do qual o Brasil mais importou no ano passado, com US$ 13,1 bilhões em operações do tipo, também depois de China (US$ 60,7 bilhões) e dos Estados Unidos (US$ 51,3 bilhões).

Mas Milei assume a presidência do país em meio a um cenário, no mínimo, desafiador. O país enfrenta uma inflação de 143% no acumulado de 12 meses e um nível de pobreza acima de 40%, enquanto o peso já se desvalorizou em mais de 50% frente ao dólar no último ano, e a dívida pública chega a 85% do Produto Interno Bruto (PIB), com tendência de alta.

Responsável pela maior parte das exportações argentinas, o agronegócio sofreu com uma das piores secas da história do país na safra 2022/2023, o que reduziu drasticamente a produção e consequentemente a entrada de dinheiro na economia.

Somente nos dez primeiros meses de 2023, a Argentina teve de importar o equivalente a US$ 1,9 bilhão em soja do Brasil, superando em valor o que adquiriu do vizinho em automóveis, principal produto brasileiro exportado para o país historicamente. Para se ter uma ideia, em 2021, todas as transações de soja brasileira para a economia argentina haviam somado US$ 90 milhões.

A recuperação da produção agrícola neste segundo semestre, somada à produção de óleo e gás de xisto no campo de Vaca Muerta e a exploração de lítio, principal mineral usado em baterias de carros elétricos, deve ajudar a impulsionar a atividade econômica da Argentina sob Milei, o que poderia impulsionar também o comércio com o Brasil.

“Para a Argentina em si, [a eleição de Milei] é uma oportunidade de mudança da atual linha econômica, de um modelo peronista implementa há décadas”, diz Silvio Campos Neto, economista-chefe da Tendências Consultoria.

A ideia de dolarizar a economia argentina, caso se concretize, poderia ter efeitos positivos para o Brasil se conduzida com sucesso, para alguns analistas. A medida, no entanto, é complexa e não poderia ser executada em curto prazo, uma vez que a Argentina não dispõe de reservas cambiais em dólares em volume suficiente.

“Milei veio com um discurso diferente, uma proposta econômica liberal e de abertura comercial, financeira, privatizações. A política dele será testada. A dolarização que ele propôs também aconteceu no Equador e deu certo”, afirmou o sócio e economista-Chefe da JF Trust, Eduardo Velho, à Agência Estado. “Se for bem-sucedido com o objetivo da recuperação da confiança, com o choque monetário e a recuperação da credibilidade, quem será beneficiado disso será o próprio Brasil”, acrescentou.

“Eu entendo a leitura dele no sentindo de que o peso não tem credibilidade nenhuma perante a própria população, que é uma moeda tóxica. É preciso um choque de credibilidade, mas não creio que ele consiga avançar nessa ideia”, diz Campos Neto. “Porque a Argentina é uma economia muito grande, muito complexa e que tem uma escassez de dólares”, explica.

Para Hugo Carcanholo, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o cenário econômico argentino dificulta a execução da medida. “Em economias hiperinflacionadas, isso [dolarização] acontece naturalmente. A lógica do Plano Real seguiu um pouco esse caminho”, diz. “O ponto é que para o Milei fazer isso, ele tem de ter dólar, mas ele não tem.”

Eventual saída da Argentina do Mercosul comprometeria acordo com União Europeia

Outra promessa de Milei, no entanto, preocupa o governo brasileiro: a retirada da Argentina do Mercosul, bloco econômico criado em 1991 e que inclui, além dos dois países, Uruguai e Paraguai. “O Mercosul é uma união aduaneira de má qualidade, que cria distorções comerciais e prejudica seus membros”, disse Milei durante a campanha em uma entrevista à Bloomberg.

A eventual desestruturação do grupo ainda comprometeria um acordo com a União Europeia, que está travado desde 2019 à espera de um consenso entre os países envolvidos.

“Seria uma dificuldade a mais para o acordo que o Mercosul tenta costurar com a União Europeia, que, de todo modo, já enfrenta uma série de entraves”, diz Campos Neto, da Tendências Consultoria.

Ainda em campanha, o então candidato chegou a sugerir que romperia relações comerciais com o Brasil. “Não só não farei negócios com a China, como não farei negócios com nenhum comunista. Sou um defensor da liberdade, da paz e da democracia. Os comunistas não se enquadram nisso. Nem os chineses, nem Putin, nem Lula”, disse, em entrevista ao jornalista norte-americano Tucker Carlson.

Eleito, afirmou que suas primeiras viagens internacionais serão aos Estados Unidos e a Israel, rompendo a tradição de visitar primeiro o Brasil.

Parte das promessas não deve se concretizar

Mas especialistas consideram que não se pode considerar literalmente todas as declarações feitas durante a campanha, uma vez que o libertário, na presidência, terá de adotar uma postura mais pragmática e menos ideológica. “É natural que haja uma moderação de tom daqui em diante”, diz Campos Neto.

“Uma coisa é o discurso de campanha, outra coisa é o pragmatismo. Se, por um lado a Argentina é importante para o Brasil, o Brasil também é importante para a Argentina, Acho muito difícil que ele rompa com o Brasil por uma questão puramente ideológica. Se ele for responsável, não vai fazer isso”, diz Carcanholo.

Membros do governo Lula já declararam, de forma reservada, que a vitória do economista traz mais incerteza para o cenário regional e para o avanço de acordo comerciais, notadamente do que é negociado entre Mercosul e União Europeia.

Nas últimas semanas, contudo, integrantes da campanha de Milei enviaram recados à embaixada brasileira na Argentina para acalmar os ânimos e dizer que a relação com o Brasil é muito relevante, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”.

Para Carcanholo, a promessa do libertário de extinguir o banco central tampouco deve ser levada a cabo. “Primeiro por questões políticas, porque ele não tem maioria no Congresso. E outra, porque é inviável. A teoria econômica não mostra como extinguir um banco central independente pode ser bom para a economia. O que a literatura mostra é o contrário: que você precisa de um banco central independente. Quem fala isso são prêmios Nobel de Economia, é a Escola de Chicago.”

Eirini Tsekeridou, analista do banco suíço Julius Baer, ressalta que em seu discurso após o resultado da eleição, Milei reiterou seu compromisso com uma agenda de reformas, principalmente cortes de gastos, mas não mencionou a dolarização da economia ou a extinção do banco central argentino.

“Um grande desafio [de Milei] será a governabilidade, e esperamos que ele modere sua retórica para poder negociar com os outros partidos no Congresso e fazer avançar a sua agenda”, diz a analista.

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