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Desembarque de fertilizantes no porto de Paranaguá (PR): 22% do adubo importado pelo Brasil em 2021 veio da Rússia.
Desembarque de fertilizantes no porto de Paranaguá (PR): 22% do adubo importado pelo Brasil em 2021 veio da Rússia.| Foto: Rodrigo Felix Leal/SEIL/AENPR

Um dos motivos apontados para a “neutralidade” do presidente Jair Bolsonaro diante da invasão da Ucrânia pela Rússia é a dependência brasileira da importação de fertilizantes. Em 2021, a Rússia foi a principal origem dos adubos importados pelo Brasil, suprindo 22% de nossa demanda externa. Somados aos fertilizantes vindos de Belarus (ex-república soviética alinhada a Moscou e que já sofre uma série de sanções econômicas desde o ano passado por desrespeito aos direitos humanos), a fatia cresce para 28%.

Potência agrícola, maior produtor e exportador mundial de soja, açúcar, café e suco de laranja e dono de posições de destaque na produção e exportação global de milho, algodão e carnes (que se beneficiam dos fertilizantes indiretamente), o Brasil também é gigante na importação de adubo não apenas para corrigir o solo pobre e ácido do Cerrado, onde ocorreu a maior parte da expansão da área de soja nas últimas décadas, mas também para melhorar a produtividade da agricultura das outras regiões do país.

Em 2021 o Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de fertilizantes, um novo recorde para o país, que se reveza com a Índia no posto de principal importador global. O estado que mais importou foi Mato Grosso, maior produtor brasileiro de soja, milho e algodão, com 19% do total importado. Em seguida vieram Rio Grande do Sul (16%) e Paraná (13%), que são grandes produtores de soja, milho e trigo, e São Paulo (11%), maior produtor de açúcar e etanol de cana no país.

Responsável por um terço das importações brasileiras de fertilizantes (os outros dois terços ficam com nitrogênio e fósforo, seus companheiros na sigla NPK), o cloreto de potássio (amplamente utilizado na soja) é o principal fertilizante que compramos da Rússia. O país também é fornecedor importante de ureia e outros nitrogenados, fertilizantes fabricados a partir da exploração de gás natural e usados, por exemplo, na produção de milho e cana-de-açúcar.

Dificuldade para comprar fertilizantes é anterior à guerra

Encontros com empresários russos para assegurar o fornecimento de fertilizantes ao Brasil foram destaque na agenda de Bolsonaro em sua visita à Rússia em meados de fevereiro, poucos dias antes da invasão da Ucrânia. Apesar do recorde de importação em 2021, o Brasil (assim como o resto do mundo) enfrenta dificuldades desde o ano passado para comprar fertilizantes devido à crise energética na Europa e na China, interrupções das cadeias globais causadas pela pandemia de Covid-19, controle das exportações por parte de alguns países produtores e sanções contra Belarus.

Tudo isso, aliado à demanda firme, resultou em uma explosão dos preços internacionais dos fertilizantes em 2021. A alta não afetou significativamente a última safra do Brasil porque grande parte dos produtores compra os insumos muitos meses antes do plantio e isso os ajudou a fugir do pico dos preços. Na safra 2022/23, porém, o impacto deve ser pesado – e não apenas por causa dos preços, mas também devido à dificuldade de acesso aos produtos.

Governo prepara plano para incentivar produção local de fertilizantes

Já no começo de 2021 o governo criou um Grupo de Trabalho Interministerial para elaboração do Plano Nacional de Fertilizantes, cujas primeiras diretrizes devem ser apresentadas em breve. A ideia não é tornar o país autossuficiente em fertilizantes, e sim reduzir a dependência das importações de 85% para 60% da demanda total.

Não será tarefa fácil, já que aumentar a produção doméstica passa necessariamente por estímulos à mineração – algo de que a maioria dos ambientalistas não quer nem ouvir falar. E também não será tarefa rápida, pois calcula-se que essa diminuição da dependência possa levar de 20 a 30 anos.

O plano é mais do que bem-vindo, mas o plantio da safra 2022/23 de soja começa em setembro e medidas imediatas são necessárias. Logo após a invasão da Ucrânia, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que a guerra “preocupa”, mas que o Brasil tem “alternativas” para substituir a Rússia na importação de fertilizantes. Depois da Rússia (22%), os principais fornecedores do Brasil são China (15%), Canadá (10%) e Marrocos (7%).

Irã é parceiro do agronegócio brasileiro mesmo sob sanções

Na mesma semana da viagem de Bolsonaro à Rússia, por sinal, a ministra da Agricultura encabeçou uma comitiva brasileira que visitou o Irã, país que exporta 600 mil toneladas anuais de ureia para o Brasil e que pretende triplicar esse volume. Representantes da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT) também participaram da visita e voltaram de Teerã com negociações abertas para exportar 5 milhões de toneladas de milho para o país do Oriente Médio em troca do recebimento do equivalente em fertilizantes.

“A venda direta dos produtores de fertilizantes do Irã para os produtores brasileiros e vice-versa em relação à exportação será de grande benefício para os dois lados, tendo em vista mais agilidade e melhores negociações”, afirmou em nota o presidente da Aprosoja-MT, Fernando Cadore.

O Irã está entre os principais importadores do milho brasileiro e também é grande cliente da Ucrânia, cujas exportações tendem a ser prejudicadas pela guerra, abrindo mais espaço para o cereal brasileiro no exterior, especialmente se o conflito se estender até o segundo semestre.

Embora o comércio de alimentos fique de fora das sanções internacionais impostas ao Irã devido ao seu programa nuclear, o país tem dificuldades para importar milho e outros grãos porque a maioria das tradings que dominam o setor tem sede nos EUA.

Também há restrições à movimentação bancária iraniana, o que torna o pagamento das importações mais lento e complicado. Por isso, o país acaba recorrendo a empresas exportadoras de menor porte e a fornecedores que não colocam tantos empecilhos a suas compras, entre eles o Brasil.

Pragmatismo versus valores

A dúvida agora é se esse pragmatismo comercial que permite ao Brasil figurar entre os principais exportadores de alimentos para o Irã, um dos párias da política internacional conduzida por Estados Unidos e União Europeia, vai prevalecer também em relação à Rússia.

De um lado, a exclusão de bancos russos do sistema Swift, por si só, já é um entrave às importações brasileiras de fertilizantes da Rússia, com ou sem a neutralidade de Bolsonaro em relação à invasão da Ucrânia.

De outro, mesmo que o Brasil se coloque ao lado dos defensores da soberania ucraniana, os exportadores russos provavelmente não têm interesse em perder um cliente como o Brasil, que no ano passado pagou US$ 3,5 bilhões pelos fertilizantes russos. Ou seja, ser contra ou a favor da invasão da Ucrânia parece não ajudar, nem prejudicar nosso acesso aos fertilizantes russos neste momento.

O Brasil pode buscar países alternativos para substituir parte dos fertilizantes que não conseguir importar da Rússia, mas pagaria preços mais altos por isso, por uma simples questão de oferta e demanda, e sem conseguir uma substituição completa. O resultado seria uma safra menor em 2022/23, justamente num momento em que as commodities agrícolas atingem preços recordes e em que o Brasil pode aumentar ainda mais o seu protagonismo na produção mundial de alimentos.

A escolha brasileira, portanto, parece ser esta: ficar neutro na tentativa de garantir um suprimento que já está ameaçado não pela falta de vontade dos russos de vender, mas sim pelas sanções que dificultam o comércio internacional; ou juntar-se ao coro que condena a agressão à Ucrânia, defendendo valores que servem de base ao conjunto das democracias ocidentais.

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