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Governo precisa torcer para que chova o suficiente nos locais certos para afastar o fantasma do racionamento em 2015. | Ilustração/Benett
Governo precisa torcer para que chova o suficiente nos locais certos para afastar o fantasma do racionamento em 2015.| Foto: Ilustração/Benett

O governo federal garante que não será preciso racionar energia neste ano e essa hipótese parece mesmo ter ficado um pouco mais distante nas últimas semanas. A melhora dos reservatórios do Sudeste e a estagnação do consumo já fazem algumas consultorias revisarem para baixo a probabilidade de um racionamento, muito embora nessa decisão também pese a ferrenha disposição do Planalto em levar o sistema elétrico ao limite – e gastar o que for preciso, repassando depois a conta aos consumidores – para não recorrer à medida adotada pela gestão FHC em 2001.

Mas o governo depende de uma série de condições para cumprir sua “meta”. Além de esperar por muita chuva, as autoridades do setor estão na incômoda posição de torcer para que a economia não volte a crescer tão cedo, uma vez que isso elevaria o consumo e apertaria ainda mais o quadro de oferta e demanda de energia. Também será preciso manter as térmicas ligadas no máximo, por mais pesados que sejam os custos; trabalhar por uma boa adesão ao programa de estímulo ao uso de geradores, que também terá preço elevado; e contar com a entrega no prazo de uma série de obras de geração e transmissão.

“Tudo isso é importante. Mas o fator determinante será a chuva”, diz Fábio Cuberos, gerente de regulação da comercializadora Safira Energia. “É possível, sim, que os reservatórios cheguem a novembro em 10% da capacidade, como espera o governo. Mas esse porcentual é o limite mínimo e vai manter o setor em dificuldades em 2016”, avisa.

Confira abaixo de que o governo precisa para evitar o racionamento:

MAIS CHUVA

Os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste – que concentram 70% da capacidade de armazenamento do país – ocupavam no último domingo (5) cerca de 30% da capacidade. A expectativa do Operador Nacional do Sistema (ONS) é de que em abril chova o equivalente a 88% da média histórica nessas regiões, o que faria os lagos subirem a 34% do volume máximo até o fim do mês. Acima, portanto, do “número mágico” de 30% que, na avaliação do operador, permitirá ao setor atravessar sem racionamento o chamado período seco, de maio a outubro. Partindo desse patamar, acredita o ONS, os reservatórios chegarão ao início do próximo período úmido, em novembro, em 10% da capacidade – um nível inédito e tido como o limiar do caos por alguns especialistas, mas que o governo parece considerar apropriado. Para cumprir essa “meta”, calcula a Safira Energia, é preciso que nessas regiões chova de 80% e 85% da média histórica nos seis meses do período seco.

MAIS CRISE

Se quiser evitar um racionamento, o governo precisa torcer para que a crise econômica continue. Assim, o consumo de energia não cresce e alivia um pouco a pressão sobre o setor elétrico. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal que projetava uma expansão de 3% em 2015, agora prevê um recuo de 0,5% – a diferença entre as duas previsões equivale à geração anual de uma hidrelétrica de grande porte, de 4 mil megawatts (MW). O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, diz esperar queda ainda mais forte, de até 5%. Braga atribui sua expectativa aos efeitos da campanha de consumo consciente e ao aumento das tarifas – a despesa do consumidor brasileiro subirá, em média, 55% em 2015, calcula a Safira Energia. Mas a EPE listou mais fatores: menor expectativa de crescimento do PIB, inclusive por cortes nos gastos públicos; elevação dos juros, com contração do crédito; e reprogramação de investimentos, entre eles os da encrencada Petrobras.

TERMELÉTRICAS

As projeções do governo para os reservatórios não dependem só de chuva para se concretizar. Elas pressupõem, também, que o país continuará usando toda a capacidade disponível das usinas termelétricas, como tem feito desde outubro de 2012. Os efeitos colaterais são conhecidos: esse tipo de geração é mais poluente, pois consume combustíveis fósseis (gás natural, óleo combustível, diesel e carvão), e é muito mais caro, o que provocou uma explosão nos custos e nas tarifas do setor. Fora isso, existe o risco de exaustão dos equipamentos. Muitas térmicas foram desenhadas para funcionar esporadicamente, em épocas de pouca chuva, e não o tempo todo. Essa é uma das razões pelas quais várias usinas estão paradas. A capacidade máxima das termelétricas conectadas ao sistema interligado é de 22,2 mil MW, mas 4,3 mil MW – um quinto do total – estão indisponíveis para geração por causa de manutenção ou “restrições operativas”, segundo os últimos relatórios do ONS.

OBRAS NO PRAZO

Uma das grandes dificuldades do setor elétrico brasileiro é entregar no prazo as obras de ampliação do sistema. Segundo levantamento feito pela Gazeta do Povo em relatórios da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), usinas com quase 9 mil MW que já deveriam estar prontas ou começar a funcionar até o fim deste ano ficarão prontas apenas de 2016 em diante. Com base na fiscalização que faz dos empreendimentos, a expectativa do órgão regulador é que 6,9 mil MW em energia nova realmente entrem em operação neste ano. E é bom que as previsões sejam cumpridas, pois, como o ONS conta com essa capacidade adicional em sua programação, novos atrasos deixariam ainda mais frágil o balanço entre oferta e demanda de energia. Outro problema são os atrasos nas obras de transmissão, que afetam quase 70% dos empreendimentos fiscalizados pela Aneel e por vezes inviabilizam o escoamento da produção de usinas que já estão prontas.

GERADORES

Uma das poucas medidas concretas do governo para evitar o racionamento é o programa de estímulo ao uso de geradores. A ideia é que, em vez de ligá-los apenas no horário de pico, fábricas, shoppings e outros estabelecimentos mantenham seus equipamentos funcionando até 24 horas por dia, poupando energia do sistema interligado e eventualmente injetando excedentes na rede. Para o governo, os geradores podem contribuir com perto de 2 mil MW. Para Fábio Cuberos, gerente de regulação da Safira Energia, a adesão de 500 MW já será uma vitória. “Será preciso renovar licenças ambientais e registros de equipamentos, sem contar que nem todos os geradores estão em perfeitas condições de uso”, diz. Segundo ele, os preços oferecidos para a energia de geradores a diesel e gás natural estão interessantes; para as demais fontes, não. Haja vista os principais combustíveis envolvidos, o custo desse programa será pesado. E, para variar, será repassado ao consumidor.

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