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Em encontros com economistas, o vice-presidente Michel Temer tem confirmado o diagnóstico de que o Brasil está vivendo além de suas possibilidades financeiras. Presente no documento Uma Ponte para o Futuro, uma espécie de carta de intenções de Temer para o caso de assumir a presidência, essa conclusão deve fazer com que sua primeira prioridade seja uma reforma profunda no orçamento federal.

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A esperança de quem acompanha a evolução das contas do país é que Temer se inspire na iniciativa privada e proponha ações que tornem o orçamento mais flexível e sustentável, com espaço para revisões periódicas de programas, desvinculações e redução de gastos obrigatórios.

O país tem hoje um orçamento engessado, em que 90% do gasto é determinado em lei. Gerir os outros 10% não é suficiente para garantir que a dívida pública não vai aumentar ao longo do tempo. Além disso, há gastos que estruturalmente sobem mais do que o PIB, como Previdência e benefícios atrelados ao salário mínimo. Não bastasse isso, o Estado brasileiro gasta bastante com funcionalismo em um sistema rígido, que não permite cortes em momentos de baixa arrecadação.

Com esses três problemas, o Brasil se tornou dependente da arrecadação crescente, seja através da criação de mais impostos, seja pela expansão da economia. Como prova a atual crise, essas são duas condições que não estarão sempre presentes na vida do país. E, mais grave, a bagunça nas contas públicas joga contra a normalização da economia, alimentando uma espiral que eleva juros e reduz o crescimento.

Arrumar o orçamento é a prioridade zero hoje. Será um processo doloroso e difícil, com reformas constitucionais e talvez aumento de impostos.”

Alexandre Espírito Santo Economista da Órama Investimentos e professor do Ibmec

Pela tendência atual, a dívida pública líquida (da qual são subtraídos créditos, como empréstimos do Tesouro ao BNDES) chegará perto de 50% do PIB em 2017, 20 pontos porcentuais acima da registrada em 2013, segundo projeção do Itaú BBA. A dívida bruta estará perto de 90% do PIB, em 2020, segundo projeção do FMI, uma das mais altas entre os países emergentes. No vizinho Chile, ela é hoje de 17% do PIB.

O plano de Temer deve trazer três linhas de ação. Uma desvinculação ampla de receitas – maior do que os 20% da lei de Desvinculação de Receitas da União (DRU), que precisa ser renovada pelo Senado –, a criação de idade mínima para a Previdência e possivelmente uma espécie de gestão inspirada no “orçamento base zero” da iniciativa privada. O plano não fala em aumento de impostos, embora especialistas digam que será difícil atravessar os próximos dois anos sem uma carga tributária maior.

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“As vinculações são um problema porque criam gastos que não podem ser cortados quando a arrecadação cai”, explica o economista Bernard Appy, ex-diretor de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atualmente diretor do Centro de Cidadania Fiscal. “Mas desvincular não é suficiente porque o país já gasta mais do que o mínimo em educação e saúde. O ajuste precisaria passar pela questão do gasto com funcionalismo e pela Previdência.”

Previdência e funcionalismo são os dois maiores gastos do governo hoje. A primeira consome quase 40% do que a União gasta, número que vai crescer. A previsão é que o rombo previdenciário, que foi de R$ 85,8 bilhões em 2015, dobre para R$ 167 bilhões em 2017. Neste caso, a criação da idade mínima já está no programa do PMDB. O funcionalismo responde por 20% do gasto total (cerca de 40% quando se tira a Previdência da conta), mas não há planos para reformas nessa área.

Inspiração na iniciativa privada

“Orçamento base zero” é um termo que nos últimos dois anos se tornou bastante comum no vocabulário de economistas quando se referem ao que o governo federal deveria fazer. A ideia, que já foi citada por alguns dos comensais de Michel Temer, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, é, como na iniciativa privada, estipular os gastos do zero, sem repeti-los por inércia.

O orçamento base zero seria um passo além da simples desvinculação. Na iniciativa privada, ele apareceu nos anos 1970 como uma metodologia para empresas em crise fazerem cortes sem sacrificar seus melhores negócios. O objetivo era cortar o que não dava resultado e concentrar esforços no que dava. O método recebeu uma nova roupagem no Brasil, quando foi aplicado à Ambev por Jorge Paulo Lemann e seus sócios.

O estilo Ambev de gerir ganhou o mundo ao estipular controles para os gastos e criar “pacotes” de custos que permitem que eles sejam comparados o tempo todo. Assim, o departamento que gasta menos em um determinado insumo se torna referência para o resto da companhia.

“Essa é uma forma interessante para se repensar o orçamento público”, afirma o especialista em Direito do Estado Rodrigo Kanayama, professor da Universidade Federal do Paraná. “Ele passaria a ser adaptado todos os anos às necessidades do país e manteria o que realmente funciona.”

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