O aumento nos programas de proteção social, como o Auxílio Brasil; os cortes de impostos em combustíveis, energia e telecomunicações; a liberação de saques extraordinários do FGTS; e a antecipação do 13° de aposentados e pensionistas do INSS. Este pacote de benefícios deve ajudar a dar mais dinamismo à economia, justamente no momento em que a elevação nos juros começaria a produzir seus efeitos, e dar um alívio na inflação, que acumula uma alta de 11,89% nos 12 meses encerrados em junho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, diz que o princípio das medidas é o de garantir a sustentação da demanda. Mas, se os benefícios se perpetuarem pode obrigar o Banco Central a rever a política de ajuste para trazer a inflação à meta, que atualmente é de 3,5%, com um intervalo de 1,5 ponto percentual.
Um impacto negativo já está sendo sentido: a taxa de juro exigida do Tesouro Nacional para se financiar está no nível mais elevado em seis anos. “Ao exigir uma taxa maior, o mercado está precificando maior risco às contas públicas”, afirma Sbardelotto.
Veja, a seguir, quatro impactos que o pacote de benefícios do governo federal pode ter na economia no curto e no médio prazo:
1) Mais crescimento no curto prazo
Um dos principais impactos é a sustentação da atividade econômica, em meio a um cenário de pressão causada pela alta na taxa básica de juro, que atualmente está em 13,25% ao ano. “As medidas estão colocando dinheiro nas mãos da população”, explica o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.
Essa injeção de dinheiro deve, segundo Rodolfo Margato, analista da XP Investimentos, manter o consumo com um crescimento sólido. Ele calcula que a PEC que amplia os benefícios sociais e a redução nos preços dos combustíveis devem ter um impacto favorável de 0,4 ponto percentual no PIB deste ano.
Margato lembra também que a atividade econômica foi influenciada pela manutenção do preço das commodities em níveis elevados e pelo aumento da mobilidade.
Nos quatro primeiros meses do ano, o movimento no comércio foi 2,3% maior do que no mesmo período de 2021, aponta o IBGE. Os serviços também vêm sendo impulsionados positivamente. No primeiro quadrimestre do ano cresceram 9,5%. Este movimento dá um impulso adicional à indústria, que ainda sofre com gargalos no fornecimento de matérias primas.
Outro fator que ajudou foram os investimentos realizados pelos estados. Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), eles passaram de R$ 8,4 bilhões no primeiro quadrimestre de 2021 para R$ 23,5 bilhões, no mesmo período deste ano.
Este panorama contribuiu para que as projeções de crescimento aumentassem nas últimas semanas, segundo o relatório Focus. Passaram de 0,79%, no começo de maio, para 1,59% nesta semana.
Mas, mesmo diante desse cenário mais positivo, a atividade econômica deverá começar a perder fôlego neste segundo semestre. “As iniciativas do governo vão ajudar a suavizar a desaceleração da atividade econômica. Não há mudanças drásticas”, afirma Margato, da XP.
Segundo o Bradesco, os efeitos da política monetária devem se somar ao menor dinamismo da economia internacional e das condições financeiras mais apertadas. “O Brasil não será beneficiado pelo crescimento do preço das commodities, como verificado nos últimos trimestres”, cita a equipe de análise macroeconômica do banco.
2) Menos inflação no curto prazo, mas mais pressões no longo
Os cortes de impostos devem contribuir para que a inflação deste ano seja menor, porém ainda distante do teto da meta, que é de 5%. As expectativas para o IPCA, que chegaram a 8,50% há quatro semanas, segundo o relatório Focus, estão agora em 7,67%.
A tendência de alta nos juros nas economias americana e europeia também deve ajudar na redução da inflação nos próximos meses. Mas o aumento das incertezas fiscais sobre a taxa de câmbio deve ajudar a mitigar esse efeito ou, até mesmo, anular, se a taxa de câmbio seguir reagindo negativamente à piora das condições globais.
Outro fator que pode ajudar em relação à inflação é a estabilização do preço das commodities em níveis mais elevados, devido à guerra na Ucrânia e aos estoques mais apertados. A expectativa é de que os preços comecem a cair no primeiro trimestre de 2023 ou, até mesmo, antes.
Se há ganhos no curto prazo, há preocupações com o médio. “Para além do efeito imediato dos cortes temporários de impostos, as medidas de expansão fiscal trazem dúvidas acerca da sustentabilidade das contas públicas, o que deve manter as expectativas de médio prazo pressionadas”, aponta a XP.
Segundo o Bradesco, a inflação exige que a taxa de juro permaneça elevada por um prazo mais prolongado. A instituição financeira considera que uma redução na taxa de juro só venha no segundo semestre de 2023.
“A piora fiscal traz risco altista via aumento de outros impostos no próximo ano, bem como piora nas expectativas de inflação”, destacam economistas do Itaú.
E, segundo Sung, da Suno Research, vai obrigar o BC a ter de lidar com os problemas gerados pela área fiscal. “As projeções para 2023 e 2024 começam a ficar comprometidas.”
3) Contas públicas mais comprometidas
Ao mesmo tempo em que as expectativas para o crescimento aumentam e as da inflação diminuem, a aprovação das medidas deve impactar nas contas públicas e, segundo analistas da XP Investimentos, demandará uma futura rediscussão das regras fiscais.
Economistas do Bradesco apontam que o quadro fiscal ficou mais incerto nas últimas semanas. “Há um avanço de pautas que ampliam desonerações e dispêndios governamentais, o que reduz a possibilidade de um superávit primário neste ano. Algumas medidas devem ficar restritas a 2022, mas outras têm caráter permanente, com consequências para a trajetória da dívida pública.”
Até abril, o governo central acumula um déficit de R$ 39,4 bilhões, devido, principalmente, a questões extraordinárias, como antecipação do 13° aos aposentados e pensionistas, e transferência a estados e municípios dos recursos relacionados à cessão onerosa do petróleo.
Mas riscos fiscais se materializaram. A Lei Complementar 194, que estabeleceu redução temporária a zero da alíquota do PIS/Cofins sobre a gasolina e o etanol, deve ter um impacto estimado em R$ 16,6 bilhões neste ano, e reduziu as alíquotas do ICMS sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transporte público ao nível de 17% a 18%, deve ter um impacto de mais de R$ 46 bilhões neste ano e de mais de R$ 92 bilhões no ano que vem.
Outras medidas devem ser aprovadas, como a que amplia os valores e o número de beneficiados pelo Auxílio Brasil, instituir auxílio voltado a caminhoneiros e taxistas e elevar o vale-gás. Somente com essas medidas, a despesa adicional chegará a R$ 41,3 bilhões extrateto, com efeito direto sobre o resultado primário. “As medidas devem ‘consumir’ o superávit primário antes que ele se realize”, cita a XP.
Os impactos do aumento dos benefícios já estão sendo sentidos nos títulos públicos, cujos juros atingiram o maior nível em seis anos. “O mercado está precificando maior risco e está exigindo taxas maiores para financiar o governo”, diz o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos.
4) Mais uma ameaça ao teto de gastos
Uma implicação da inflação menor neste ano será a redução do teto de gastos em 2023. “Também haverá menos dinheiro em caixa”, diz o economista-chefe da Suno Research. Não haverá muito espaço para reajustes do funcionalismo público federal no próximo ano. A XP considera que se houver um aumento nos valores do Auxílio Brasil, a regra do teto praticamente se tornará inviável no ano que vem.
“Uma discussão mais aprofundada sobre regras fiscais para o próximo mandato está se tornando urgente”, apontam os analistas da corretora.
As expectativas para uma nova redução da dívida pública, atualmente em 78,3% do PIB, no final deste ano foram descartadas.
“Esperávamos que a dívida pública tivesse nova queda em 2022, devido a uma combinação entre resultado primário positivo, crescimento mais forte do PIB nominal e alguma apreciação cambial. Mas em função dos projetos aprovados e em discussão, revisamos nosso cenário e passamos a prever déficit para o setor público”, comentam os economistas da corretora.
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