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Crise

Piigs desafiam unidade do euro

Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha representam hoje o grande teste para a moeda única europeia: pedido de moratória de um desses países pode ameaçar a união monetária

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Os britânicos estão provavelmente ocupados demais em arrumar a própria casa para fazer qualquer comentário cínico sobre o que está acontecendo na Europa. Na virada do milênio, eles decidiram ficar fora da união monetária que hoje abrange 16 países. Não queriam perder a autonomia de seu banco central nem correr o risco de pagar a conta pela irresponsabilidade fiscal dos outros. Agora é a hora de a Europa continental provar (se isso ainda for possível, claro) que os britânicos estavam errados. A crise que tem na Grécia seu palco mais turbulento deve se arrastar por semanas e ameaça os fundamentos do euro, a moeda única europeia.Desde o fim do ano passado circula entre analistas europeus o irônico acrônimo Piigs, que reúne as iniciais de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (o S é de Spain em inglês), e que remete à palavra "porco" em inglês. O que eles têm em comum? Dívida pública elevada, déficit correndo solto e uma desconfiança crescente de que seus débitos não serão pagos, o que eleva o custo de rolagem da dívida.

A situação da Grécia é a mais grave dentro dos Piigs. Sua dívida pública está em 112% do produto interno bruto (PIB) e o déficit em 2009 beirou os 13% – número que, dizia-se, era de 5%, até o governo assumir que os dados estavam sendo maquiados. Portugal é tido como o próximo na lista, em especial porque tem de lidar com déficit externo alto, que revela a falta de competitividade de sua economia. A Espanha é apontada por muitos como o epicentro da crise. Se Grécia e Portugal quebrarem, os espanhóis seriam encostados contra a parede – pelo tamanho relativamente maior de sua economia, a unidade econômica europeia estaria em perigo.

O problema da dívida pública é bem conhecido pelo Brasil. As crises cambiais de 1999 e 2002 tiveram como pano de fundo uma desconfiança crescente do mercado na capacidade do país honrar seus débitos. O Brasil recorreu a créditos emergenciais do Fundo Monetário Interna­cional (FMI), fez cortes orçamentários e desvalorizou a moeda (o que no curto prazo eleva a competitividade da economia). Sem esses ajustes, o país já teria sido retirado de outro acrônimo, o Bric, que se refere a economias emergentes com grande potencial de crescimento – Brasil, Rússia, Índia e China – e que remete à palavra "tijolo" em inglês.

A situação na Europa é muito mais complicada do que as crises brasileiras. Politicamente, seria um sinal de derrota ao bloco europeu se um de seus membros tiver de pedir socorro ao FMI. O tratado que criou o euro também veda que um país do bloco assuma as dívidas de um vizinho – a lógica da cláusula era evitar que um governo gastasse mais que poderia, sabendo que seria resgatado. Os gregos também não podem recorrer à desvalorização da moeda. O que sobrou? Um plano para reduzir drasticamente o déficit e uma promessa vaga de apoio feita pelos membros mais ricos da zona do euro.

Irresponsabilidade fiscal é o motivo da turbulência

Foi um ciclo bem conhecido que fez dos Piigs motivo de preocupação global. Primeiro, suas economias tiveram uma fase de boom imobiliário provocado pelo dinheiro barato que circulava pelo mundo – em especial na Irlanda, Espanha e Grécia. A enxurrada de euros encobriu uma perda crescente de competitividade provocada por uma inflação mais alta do que no resto do bloco e que elevou o déficit externo. Quando veio a crise em 2008, as bolhas imobiliárias estouraram, deixando ainda maior o déficit externo, e a arrecadação dos governos caiu, alargando o déficit público. O primeiro a sucumbir foi a Irlanda, onde o governo já está colocando em prática um plano doloroso de cortes que têm como efeito colateral o aprofundamento da recessão. A Itália é o mais protegido dos Piigs, pois tem uma economia maior, menos dependente de capital externo.

A crise dos Piigs será longa porque é difícil isolar os países problemáticos da zona do euro, que foi atingida em seu ponto fraco. Os críticos do euro sempre chamaram a atenção para o fato de que dificilmente uma união monetária daria certo sem uma união fiscal e política. É mais fácil de entender o argumento olhando para o Brasil. Aqui, o governo federal concentra a maior parte da arrecadação e centraliza a dívida pública. A Lei de Responsabilidade Fiscal controla o comportamento dos estados, o que evita que uma região se endivide demais e dê calotes. Na zona do euro esse mecanismo não existe.

Reestruturação

Em um artigo recente, os economistas Nouriel Roubini e Arnab Das defendem que os países do euro criem rapidamente mecanismos internos de monitoramento e reestruturação de dívidas de seus membros. Enquanto isso, deveria ser feito um plano de resgate com participação do Banco Central Europeu e apoio técnico do FMI. Sem um resgate, a Grécia dependeria apenas de cortes orçamentários para reencontrar seu equilíbrio – ferramenta que pode ser lenta demais para um país que precisa acertar uma dívida de 20 bilhões de euros nas próximas semanas. Se houver uma moratória, é bem provável que haja uma caçada aos outros porcos (ops, Piigs).

Outros especialistas sugerem mudanças estruturais na zona do euro. Eles dizem que seria possível criar uma espécie de "euro fraco" para ser usado nos Piigs e que seria desvalorizado para aumentar a competitividade externa desses países – acelerando a retomada e a capacidade de honrar as dívidas com os bancos do resto da Europa. A proposta, porém, pode ser tão impraticável quanto o desmembramento da zona do euro – um passo atrás que dificilmente a Europa dará.

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