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Um armário no fórum de Colombo guarda a pistola Ceská Zbrojovka, modelo CZ 83 e número de série 84724. Ao seu lado está um revólver cinco tiros Taurus, de cano curto, placas de madeira no cabo e código de identificação lixado. Eles fazem parte do rol de provas de um dos crimes mais bárbaros da história recente do estado, o assassinato de 6 adultos e 3 crianças – essas últimas, a golpes de picareta. As armas foram usadas em um crime premeditado, que a polícia atribui a dois homens que cumpriam pena em regime semi-aberto na Colônia Penal Agrícola, e sua história pode servir como uma espécie de "guia" para entender de que forma os bandidos formam seu arsenal.

Em primeiro lugar, é preciso conhecer mais sobre o caso, que ficou conhecido como "Chacina de Colombo", e suas motivações. Segundo o inquérito policial e a denúncia feita pela promotora Danielle Gonçalves Thomé, os presidiários Marcos Antônio Taverna, então com 27 anos, e Marcos Roberto Proceke, 26, receberam autorização para passar o feriado de Carnaval em casa, e dedicaram o sábado (28 de fevereiro) a visitar Hélio Dias Duarte, 51 anos. O homem era acusado de fornecer drogas a detentos da CPA e à região do Alto Maracanã, em Colombo, onde morava, e a dupla trabalharia para ele distribuindo a "mercadoria" a outros detentos. Beberam cerveja e fumaram maconha juntos até que, à noite, sacaram as armas e cometeram os crimes.

Dois sobreviventes identificaram os matadores, que foram presos já na Quarta-feira de Cinzas. Taverna contou então à polícia que entregou o revólver Taurus calibre 38 a um motoqueiro, que a levou a um conhecido no bairro Rio Verde. O portador da arma não chegou a ser preso. A pistola foi parar na Vila Zumbi dos Palmares, também em Colombo, nas mãos de João Maria Machado, que foi preso por posse ilegal.

Da "vida pregressa" das armas sabe-se pouco. O Taurus, provavelmente, é roubado. "Riscar a numeração é a primeira coisa que um bandido faz ao se apossar de uma arma de fogo, porque fica praticamente impossível rastrear a origem dela", conta o delegado Messias Antônio da Rosa, que foi um dos responsáveis pelas investigações da chacina de Colombo. "Pode-se dizer, com quase 100% de certeza, que esse revólver foi roubado ou furtado de um cidadão que tinha posse legal", acrescenta Paulo Stephan, chefe da seção de balística forense do Instituto de Criminalística do Paraná e um dos responsáveis pela perícia da pistola e do revólver usados pelos dois criminosos.

A pistola tem um passado ainda mais obscuro. Esse modelo é capaz de disparar intermitentemente sem queo atirador tire o dedo do gatilho. Foi fabricado pela companhia Ceská Zbrojovka na antiga Tchecoslováquia entre 1975 e 1988. Como chegou ao Brasil é um mistério, já que nem as forças armadas nem as polícias brasileiras usam essa marca. Mas os policiais têm uma suspeita: o Paraguai, que não controla o comércio desse tipo de produto.

A pistola e o revólver devem continuar guardadas pelo menos até o julgamento de Marcos Proceke. Taverna, o outro acusado, não sobreviveu dois meses na penitenciária de Araucária, para onde foi transferido dias depois de ser preso. Apareceu enforcado em um lençol – vítima, segundo o delegado Messias, da lei dos presos, que não teriam gostado da companhia de alguém que matou 3 crianças com uma picareta. Depois Proceke for julgado, o caminho natural das armas é o Ministério do Exército, que determinará sua destruição. Isso, claro, se elas chegarem até lá.

Os canais do tráfico ilícito

1) DESVIOS DOMÉSTICOS

- VAREJO

Armas de cidadãos registradas: Podem passar a criminosos através de furtos, roubos, perdas ou venda indevida a terceiros.

Armas de cidadãos sem registro: Quando caem nas mãos de delinqüentes não podem ser rastreadas pela polícia.

Lojas de armas e munições: Se não houver controle rigoroso, podem desviar esses produtos para o mercado clandestino.

Falsos colecionadores e atiradores: Traficantes de armas e munições que podem adquirir armamento de tipo restrito e militar, e revendê-lo para o crime organizado.

- ESTOQUES

Empresas ilegais de segurança privada: Podem ser fontes de desvios de armas para o mercado ilícito.

Armas e munições desviadas de quartéis das polícias estaduais e das forças armadas.

Armas de serviço de policiais desonestos: Eles podem declarar sua perda revendê-las para o crime organizado.

Armas apreendidas por policiais desonestos: Eles podem revendê-las ou aluga-las para criminosos.

- TRANSPORTE

Rodovias federais: A precariedade do controle torna essas rodovias rotas de contrabando de armas e munições.

Transporte das fábricas: O transporte das armas e munições a partir das fábricas, por lei, deve ser controlado pelo governo. Sem controle, pode haver "perdas" desses produtos pelo caminho, quando não há desvios de cargas inteiras.

2) DESVIOS INTERNACIONAIS

Exportadores ou corretores de fachada: Ao intermediar exportações, desviam para o mercado clandestino armas e munições que deveriam ser exportadas.

Exportações para países que podem reexportar esses produtos, inclusive para o crime organizado no Brasil (efeito "bumerangue").

Portos e aeroportos precariamente fiscalizados.

Costa e rios navegáveis mal-controlados: Exemplos são a navegação pelo Rio Amazonas e os navios que chegam com armas e munições contrabandeadas à Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e são descarregados por falsos pescadores antes de atracar.

Fronteiras: Os quase 16 mil quilômetros de fronteira terrestre brasileira são de difícil controle, situação que é agravada pelo pouco investimento na fiscalização e pela cumplicidade de policiais e funcionários alfandegários desonestos de ambos os lados da fronteira. As armas vêm principalmente do Paraguai (via Foz do Iguaçu e Guaíra, no PR, e Ponta Porã, no MS), mas também da Argentina (via São Borja, RS), do Uruguai (via Santana do Livramento, RS) e de países que fazem fronteira com as regiões Centro-Oeste e Norte do país.

* Fontes: Movimento Viva Rio, Movimento Viva Brasil e depoimentos à CPI do Tráfico de Armas.

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