
Ser executivo dos níveis de direção e presidência não está nada fácil no Brasil: um em cada cinco não recebeu pagamento de bônus em 2016, segundo pesquisa da consultoria Korn Ferry - Hay Group. A culpa, em grande parte, é da crise, que comprometeu a entrega de resultados das empresas. Na linha de frente, o alto escalão também “pagou o pato”.
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Participação nos lucros também foi afetada pela crise
Marcado pela crise internacional, o ano de 2008 havia sido o último em que o presidente da AB InBev não embolsou o benefício. Neste mês, a companhia belga-brasileira anunciou que seu presidente-executivo, Carlos Brito, vai ficar de “mãos abanando”. O motivo é uma redução no lucro anual superior a US$ 7 bilhões, de US$ 8,3 bilhões em 2015 contra US$ 1,2 bilhão em 2016.
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O corte não é exclusividade da AB InBev. Levantamento da consultoria Mercer mostra que, em 2014, os presidentes das empresas receberam o equivalente a 6,5 vezes os seus salários em remunerações de curto prazo. O número caiu para 5,4, em 2015, e 4,6, em 2016. “Quanto mais alto na organização, mais o bônus está atrelado ao resultado geral”, afirma Rogério Bergamos, coordenador da área responsável pela pesquisa da Mercer.
A tendência é verificada também para vice-presidentes e diretores. Nesse nível corporativo, as companhias tinham como objetivo uma compensação equivalente a 4,2 salários, em média, segundo a Mercer. Mas ao final do ano pagaram “apenas” 2,9 salários em bônus. Para presidentes, a meta geral era de 7 salários.
Enquanto profissionais de níveis sênior e pleno têm a maior parte da remuneração atrelada ao desempenho individual, no corpo executivo acontece o contrário, explica Bergamos. Para ele, em períodos de crise, é natural que a remuneração da diretoria caia. “Quem paga o pato é o executivo”, esclarece.
Políticas inalteradas
É de se imaginar que, em momentos de turbulência econômica, as empresas revejam seu método de remuneração variável, certo? Errado. A Mercer pesquisou 478 empresas. “Apenas em algumas percebemos revisão. Isso reforça que a redução do bônus aconteceu pela crise”, explica o coordenador. Ele constata que, mais do que pressão de acionistas ou de conselhos, existe uma política de remuneração inalterada.
De acordo com Bergamos, reduções de bônus não são novidade. Em 2008, quando estourou a “bolha imobiliária” nos Estados Unidos, várias empresas cortaram os bônus. “O que vimos de lá para cá foram mudanças nos formatos dos incentivos, com políticas atreladas ao longo prazo”, recorda. Essa tendência é observada no modelo nacional de benefícios a executivos.
Ao receberem ações da companhia, ao invés de “dinheiro vivo”, os diretores podem ter maior comprometimento nos resultados futuros. “Muitos executivos manipulavam os resultados de curto prazo para receberem bônus milionários”, diz Bergamo.
No Brasil, a quantidade de executivos que recebeu bônus acima de R$ 1 milhão caiu pela metade no ano passado, estima a Korn Ferry. Neste sentido, Silva faz um alerta para quem espera colher frutos futuros: “Resultados ruins de um ano podem deteriorar o bônus de longo prazo”.
Multinacionais pagam mais bônus
Apenas 24% dos diretores receberam bônus acima das expectativas em 2016, redução de 12 pontos percentuais comparado a 2012, conforme o levantamento da Korn Ferry.
Apesar dos baixos resultados, as multinacionais foram as que mais “seguraram o rojão”. Apenas 6% não pagaram bônus no ano passado, segundo a pesquisa. Entre as brasileiras, são 23%. Segundo Carlos Silva, diretor de análises da Korn Ferry, dois fatores podem estar ligados a essa diferença.
“O primeiro é que as empresas internacionais não dependem exclusivamente do mercado brasileiro, e isso pode ter impulsionado o bônus dos executivos locais. Outro fator que pode ter impactado é as multinacionais terem vislumbrado um cenário mais conservador ao estabelecerem as metas”, esclarece.
O porcentual total de executivos sem bônus em 2016 é o dobro do período entre 2008 e 2015.
Participação nos lucros também foi afetada pela crise
Não são apenas executivos que andam“pagando o pato” por resultados abaixo do esperado nas empresas. Após registrar prejuízo de R$ 372 milhões, a Brasil Foods S.A. (a BRF) anunciou que, além de não pagar ao“alto escalão” da empresa o valor total aprovado pelos acionistas para 2016, não haverá Participação nos Lucros e Resultados (PLR) em 2017.
CEO da BRF, Pedro Faria gravou um vídeo aos funcionários, divulgado no dia 7 de março no qual diz: “O PLR não é uma obrigação da companhia. Ele simplesmente simboliza que estamos juntos nesta jornada, e que quando somos capazes de produzir resultados diferentes, eles merecem ser divididos com todos. Estamos em um cenário difícil por uma situação que não controlamos. Tivemos pressão forte em nossas matérias-primas”, reportou no vídeo.
Não convenceu
Entidades representantes dos trabalhadores da empresa, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA Afins), tentam reverter a decisão. “No Brasil é fato que os sindicatos têm influência forte. Nos últimos dois anos, muitos conseguiram aumentos de quase 10% por conta da inflação. Por outro lado, muita gente foi demitida”, destaca Rogério Bergamos, consultor sênior da Mercer Consultoria de Talentos.
Procuradas pela redação da Gazeta do Povo, tanto a BRF quanto a Ambev (braço local da InBev) informaram que não iriam se pronunciar.



