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Fernando Haddad, ministro da Fazenda: “Só estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos pagando R$ 600 bilhões de renúncia”.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda: “Só estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos pagando R$ 600 bilhões de renúncia”.| Foto: Washington Costa/MF

Em mais uma iniciativa para elevar a arrecadação e buscar a meta de equilíbrio fiscal, o governo federal quer fazer um pente-fino em todos os benefícios fiscais que reduzem as receitas da União com impostos. Para isso, propôs – em projeto de lei em regime de urgência – obrigar que empresas declarem à Receita Federal todas as desonerações ou isenções tributárias de que usufruem e comprovem cumprir os requisitos para ter direito ao incentivo.

A medida faz parte de um pacote que institui uma série de programas de conformidade tributária e aduaneira. A intenção, conforme a justificativa da proposta, é aumentar a transparência em relação às renúncias de receitas, melhorar a gestão e o controle dos benefícios e o desempenho das políticas buscadas com os incentivos. O governo quer, além disso, reduzir gradualmente o montante global referente aos benefícios fiscais.

“No ano passado, enfrentamos os grandes [incentivos], os bilhões [de reais não arrecadados]. Agora, nós temos que controlar os de centenas e os de dezenas de milhões. É uma loucura o número desses benefícios”, explicou o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, em entrevista coletiva no mês passado.

Desde o início de sua gestão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem criticado a quantidade de gastos tributários da União. “Nós temos muitos setores que estão demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidas ao longo das décadas e que não foram revistas por nenhum controle de resultado. Muitas caducaram do ponto de vista de eficiência e precisam ser revogadas”, disse o ministro em março do ano passado.

No mês seguinte, ele adiantou que preparava, com a Advocacia-Geral da União (AGU), a divulgação de uma lista “CNPJ por CNPJ” das empresas hoje beneficiadas por renúncias e subsídios. “Só estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos pagando R$ 600 bilhões de renúncia. É simples assim”, disse, ao jornal “O Estado de S.Paulo”.

Segundo a Receita, há em vigor mais de 200 incentivos fiscais federais, sobre os quais há um controle deficiente. O governo estima que este ano a União deve abrir mão de R$ 523 bilhões em razão de benefícios fiscais. O montante é equivalente à cerca de 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) ou 20,6% da projeção de arrecadação federal (R$ 2,54 trilhões).

Para efeito de comparação, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano 2000 estimava o total de benefícios em R$ 18 bilhões (valor nominal), o que representava aproximadamente 1,7% do PIB e 12,2% da arrecadação federal, projetada em R$ 148 bilhões.

“Temos 4,5% do PIB [Produto Interno Bruto] de benefícios fiscais, mas quem tem esses benefícios? Estamos dando um passo óbvio, que é enxergar quem usufrui os benefícios fiscais no Brasil. Faz mais sentido, antes de cortar o benefício, excluir quem está lá indevidamente”, disse Barreirinhas.

De acordo com o secretário, a Receita não tem controle sobre todos os incentivos aprovados pelo Congresso ao longo das últimas décadas. “Há uma série de leis que conferem os benefícios, mas há outras leis que impedem a fruição do benefício.”

A iniciativa está em linha com o que determina a Emenda Constitucional 109, promulgada em 2021 e que estabelece, em seu artigo 4.º, regras transitórias sobre redução de benefícios tributários. Segundo o texto, o montante dos incentivos até 2029 não poderá ultrapassar 2% do PIB.

Projeto premia bons pagadores e cria lista de devedores contumazes

A abertura da “caixa-preta” dos benefícios fiscais faz parte do Projeto de Lei (PL) 15/2024, enviado à Câmara dos Deputados no início de fevereiro. Em outras duas frentes, o PL cria estímulos para bons pagadores e um cadastro de devedores contumazes.

Conforme o texto, um programa, chamado Sintonia, vai oferecer descontos na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para empresas com selo de bom pagador. A redução será de 1% a cada ano, podendo chegar a 3% após três anos.

Outro programa, batizado de Confia, é voltado a empresas de grande porte, com faturamento anual de pelo menos R$ 2 bilhões, que poderão aderir voluntariamente. Os participantes terão de cumprir parâmetros de governança fiscal e cooperarem com o Fisco. Em troca, receberão um “selo de conformidade” e poderão regularizar os débitos em até 120 dias sem multa ou com multa reduzida.

Um terceiro programa de incentivo é o Operador Econômico Autorizado (OEA), que já existe e agora será incluído em lei. O OEA é destinado a recompensar quem cumpre as obrigações alfandegárias. As empresas que fizerem parte do programa receberão o Selo OEA, que dá direito a prioridade na liberação de mercadorias e diferimento (adiamento) no pagamento dos tributos aduaneiros.

“É como se fosse uma consultoria que o Estado brasileiro está dando para contribuintes de boa-fé. O contribuinte, por outro lado, vai ter a confiança de abrir o coração para a Receita”, comparou Barreirinhas na coletiva de apresentação do projeto.

O último eixo do programa prevê o endurecimento das regras contra os devedores contumazes, categoria que inclui cerca de mil empresas, em um universo de 20 milhões de pessoas jurídicas, que devem à Receita Federal sistematicamente.

“Temos contribuintes, infelizmente, que o cerne do negócio deles é não recolher tributo. É isso que dá dinheiro a ele; não é o produto que ele produz, não é o bem que ele vende. Estamos falando de 0,005% dos contribuintes que serão atingidos por essa legislação do devedor contumaz”, disse o secretário.

Na justificativa da proposta, o governo ressalta que o devedor contumaz “não se confunde com o inadimplente recorrente, muito menos com o contribuinte de boa-fé” e que, “portanto, seu comportamento não pode ser comparado com ao da maioria dos contribuintes”.

Conforme o texto, haverá três critérios para uma empresa entrar no Cadastro Fiscal de Devedores Contumazes (CFDC):

  • débito acima de R$ 15 milhões e valor maior que o próprio patrimônio;
  • débito em dívida ativa acima de R$ 15 milhões por mais de um ano;
  • débito de mais de R$ 15 milhões e CNPJ baixada ou inapta nos últimos cinco anos.

A partir da inclusão no cadastro, o contribuinte terá um prazo para regularizar sua situação. Caso não consiga comprovar que a dívida não venha de estratégia fiscal, o contribuinte não terá a punição extinta, mesmo após quitar os tributos. Se comprovado crime contra a ordem tributária, o devedor contumaz responderá na esfera criminal, com dolo.

“Se o cara vai na sua casa e te assalta, não pode falar ‘desculpe, está aqui de volta o dinheiro’, e o crime será extinto. O devedor contumaz também não vai poder fazer isso”, comparou o secretário.

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