
Poucos prazeres se esgotam tão rápido quanto a contemplação do salário bruto impresso no contracheque. Ao percorrer os olhos rumo ao fim da folha, o trabalhador formal vai acompanhando o desenrolar de uma conta pródiga em subtrações, que termina com a redução do valor inicial em uma média de 15%.
Os valores descontados mensalmente no holerite podem ser divididos em dois grupos: os obrigatórios, que incluem impostos e encargos previdenciários; e os benefícios, como os vales alimentação e transporte. O primeiro grupo que tem as maiores mordidas representa legalmente a contribuição do cidadão para a sociedade (impostos) e para seu futuro (previdência). Os benefícios cujos descontos costumam ter valores menores são a parte cabível ao trabalhador no custeio dos serviços necessários para realizar a sua jornada de trabalho (vale-transporte, alimentação).
Apesar dos descontos, o "registro em carteira" permanece como um dos maiores atrativos ao profissional. Foi, por exemplo, o que motivou Adriano Alves Elias, de 30 anos, a abandonar o trabalho free-lancer em organização e animação de eventos para assumir, há dois meses, uma vaga formal como office-boy. "Com os descontos do registro, acabo ganhando menos do que antes. Mas a segurança do emprego formal vale a pena. Já precisei ficar oito meses afastado do trabalho por motivos de saúde. Na época, estava registrado e ganhei auxílio-doença. Sem isso, ficaria difícil", estima.
O servente de pedreiro Diovani de Souza, 23 anos, conseguiu há poucos meses uma recolocação no mercado de trabalho formal. Também é um entusiasta da Previdência Social, que "um dia vai retornar" para ele, porém reclama da contribuição sindical. "Sou obrigado a pagar um valor mensal para o sindicato da categoria. Acho que deveria poder escolher se quero ou não pagar, já que tem ainda aquele valor anual obrigatório (ver quadro)".
Para os trabalhadores que ganham até R$ 1.499,15 e estão na faixa de isenção do Imposto de Renda, a contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) é, de fato, o encargo mais pesado. O desconto de 8% a 11%, conforme a renda, é usado para formar o fundo de aposentadoria ou durante afastamento por doença. "Mais que um desconto, o pagamento para a Previdência é uma garantia para o futuro. Na prática, percebemos que o trabalhador que não contribui vai ficando economicamente desamparado à medida em que o tempo vai passando. Portanto percebemos que existe de fato um retorno para o trabalhador, mesmo no caso de uma pequena contribuição sobre um salário mínimo", explica Divanzir Chiminacio, presidente da Federação dos Contabilistas do Paraná (Fecopar).
Os contribuintes que ganham acima de R$ 1.499,15 pagam todo o mês, além do INSS, a fatia do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). A mordida do leão arranca de 7,5% a 27,5% do salário bruto do funcionário. No primeiro exemplo mostrado pela reportagem (ver quadro), um gerente de banco que recebe salário e gratificação de função chega a pagar quase R$ 550 por mês em Imposto de Renda, um valor superior ao salário mínimo brasileiro (R$ 510).
Para Jacques Veloso, professor de Direito Tributário da Universidade Católica de Brasília, a forma como o governo administra os recursos recolhidos do cidadão provoca um sentimento de perda de dinheiro por parte dos trabalhadores. "O que recebemos em troca do nosso esforço fiscal é muito pouco se comparado à carga tributária. Além da mordida do governo, é preciso ainda gastar com serviços como saúde, educação e até segurança, que deveriam ser custeados com o dinheiro do imposto", salienta.




