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Ashley e Richard Perkin, fundadores da Gells, na residência deles em Southport, Connecticut, EUA. Eles fazem acessários e doam uma parte das vendas para causas locais. | GREGG VIGLIOTTI/NYT
Ashley e Richard Perkin, fundadores da Gells, na residência deles em Southport, Connecticut, EUA. Eles fazem acessários e doam uma parte das vendas para causas locais.| Foto: GREGG VIGLIOTTI/NYT

Uma barra de granola pode aplacar a fome, mas será que pode salvar uma vida? Dois atores americanos, Ryan Devlin e Todd Grinnell, pretendem descobrir. Em uma viagem humanitária à Libéria em 2007, eles visitaram uma clínica onde viram filas de macas com crianças sendo tratadas de desnutrição – uma condição prevenível, foram informados, se a clínica recebesse assistência alimentar.

Voltaram para casa decididos a fazer alguma coisa para ajudar. Em vez de criar uma organização sem fins lucrativos para arrecadar dinheiro para a clínica, chamaram outros dois amigos atores, Kristen Bell e Ravi Patel, e, em 2013, abriram a This Bar Saves Lives (Esta Barra Salva Vidas). A ideia está fundamentada na cada vez mais popular estratégia de empreendedorismo social “uma compra, uma doação”. Para cada pessoa que compra uma barra de cereais, a empresa doa um pacote de Plumpy’Nut – pasta à base de amendoim usada para o tratamento da desnutrição – a uma criança necessitada.

“A This Bar Saves Lives quer ajudar no combate à desnutrição – a venda de barras é o objetivo secundário. Não somos fabricantes de barras de cereais com uma missão social”, explicou Paul Yoo, presidente da empresa. Os chamados negócios sociais, em que a causa social é parte integrante da missão corporativa e do marketing de marca, existem há mais de uma década e incluem empreendimentos prestigiados, como a marca de óculos Warby Parker e a Toms, que começou vendendo sapatos, mas acabou se expandindo para roupas e acessórios.

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Porém o que era novidade virou necessidade de negócio para alguns empreendedores. “Hoje em dia, as pessoas esperam isso. Se você não tem algum tipo de missão social, é malvisto. No longo prazo, é uma questão de construir uma marca sustentável, e, se você focar apenas no retorno, não vai atingir isso”, afirmou Kevin Tighe II, fundador e presidente da Coastal Co., que vende roupas de surfe e doa parte de seu lucro para ajudar a financiar a limpeza de praias. Tighe, que cresceu no subúrbio de Maryland sonhando em poder surfar, queria diferenciar sua empresa da concorrência, por isso a ligou a uma causa relacionada ao surfe. Escolheu a Heal the Bay (Cure a Baía), que atua em praias nos arredores de Los Angeles. Entretanto, o aspecto beneficente foi escolhido como forma de posicionamento de negócio.

Há tempos a filantropia ocupa uma grande parte das organizações, com chefes executivos decidindo sobre o destino das doações ou sobre o tempo que seus empregados deveriam dispor como voluntários. Agora, no entanto, alguns empreendedores estão permitindo que os clientes controlem o montante doado por meio do quanto gastam.

“Minha pesquisa basicamente mostra que as empresas contribuem por dois motivos principais: é a coisa certa a fazer – corporações precisam retribuir para a sociedade; e acreditam que é a coisa mais inteligente a ser feita, considerando a opinião dos acionistas que observam o que elas estão fazendo”, expôs C. B. Bhattacharya, professor de marketing, titular da cadeira Zoffer de Sustentabilidade e Ética na Escola de Graduação Katz de Economia da Universidade de Pittsburgh.

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Mesmo assim, não existe um mapa para o sucesso, e a jornada pode ser cheia de obstáculos. Quando Richard e Ashley Perkin fundaram a fabricante de cintos Gells há quatro anos, pensaram que haviam encontrado uma maneira inteligente de relacionar vendas a causas em que acreditavam. O casal, que vive em Southport, Connecticut, selecionou cinco pequenas organizações beneficentes que queria ajudar. A estratégia era produzir cinco cores de cinto, cada uma ligada a uma organização que receberia cinco por cento das vendas. O único problema é que a maioria dos clientes comprava cinto azul-marinho, cor designada à Blue Ocean Society for Marine Conservation (Sociedade Oceano Azul para Conservação Marinha).

“A Blue Ocean Society estava recebendo uma fatia maior dos cinco por cento, e isso não nos pareceu certo. Além disso, virou uma dor de cabeça contábil quando começamos a vender em lojas”, lembrou Richard Perkin. O casal mudou o método de doação e decidiu dividir por igual o dinheiro destinado à caridade.

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Alguns empreendedores descobriram que nenhuma boa ação fica impune. “O que faz do ‘uma compra, uma doação’ incrível é você imaginar alguém recebendo o que acabou de adquirir, mas não é a maneira mais eficaz de altruísmo para uma organização”, pondera Jerry Davis, reitor associado da Escola de Administração Ross da Universidade de Michigan. Os beneficiários, por exemplo, podem não precisar ou querer aquilo que a empresa está lhes enviando. Após um desastre, o instinto comum é enviar suprimentos, quando, na verdade, o melhor seria enviar dinheiro para que estes fossem comprados perto da área atingida.

Há alguns anos, a Toms foi criticada pelo modelo “uma compra, uma doação” que praticava. Originalmente, para cada par de sapato comprado, a marca doava um para alguém do mundo subdesenvolvido. Os consumidores entraram na onda, revelando uma jogada de ouro de marketing, e a empresa de investimento privado Bain Capital resolveu investir. As críticas, no entanto, não tardaram a chegar: as pessoas pobres de países subdesenvolvidos realmente precisavam de sapatos ou lhes seria mais útil receber comida ou o bom e velho dinheiro? Será que esses sapatos gratuitos não estariam levando sapateiros locais à falência?

“Há integridade em fazer uma coisa que é certa e que os consumidores apoiem, embora possam ocorrer consequências inesperadas”, apontou N. Craig Smith, professor titular da disciplina de Ética e Responsabilidade Social no Insead, em Fontainebleau, na França.

A Toms mudou sua política e, agora, fabrica uma parte dos sapatos que doa aos países destinatários.

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