
As principais companhias de tecnologia do mundo, do Google ao Alibaba na China, estão competindo para construir o primeiro computador quântico, uma máquina que será de longe a mais poderosa entre as que existem atualmente.
Esse dispositivo pode quebrar a criptografia que protege a informação digital, colocando tudo em risco, desde os bilhões de dólares gastos em e-commerce até segredos nacionais armazenados em bancos de dados do governo.
Uma resposta para o problema? Uma criptografia que dependa dos mesmos conceitos do mundo da física. Assim como alguns cientistas têm trabalhado no desenvolvimento de computadores quânticos, outros trabalham em técnicas de segurança quântica que poderiam frustrar as tentativas de quebra de código dessas máquinas do futuro.
É uma corrida com implicações na segurança nacional. Enquanto a construção de computadores quânticos ainda é terra de ninguém, a China tem uma clara vantagem no que diz respeito à criptografia quântica. O governo chinês tornou prioridade a pesquisa quântica, como tem feito com outras tecnologias de ponta, como a inteligência artificial.
“A China tem uma estratégia deliberada para desenvolver esse tipo de tecnologia”, disse Duncan Earl, ex-pesquisador do Oak Ridge National Laboratory e que agora é presidente e chefe de tecnologia da Qubitekk, empresa que está explorando esse novo cenário da criptografia quântica. “Se pensarmos que podemos esperar cinco ou dez anos para chegar a essa tecnologia, vai ser tarde demais.”
A computação quântica é baseada na mecânica quântica, a ciência que explica o estranho comportamento observado em partículas extremamente pequenas da matéria.
O que é um computador quântico
Nos computadores tradicionais, transistores armazenam “bits” de informações, e cada bit é 1 ou 0. Essas são as partes fundamentais de dados que comandam o que o computador deve fazer.
Quando alguns tipos de matéria são extremamente pequenos ou extremamente frios, comportam-se de forma diferente. Essa diferença permite que um bit quântico, ou um qubit, armazene certa combinação de 1 e 0. Dois qubits podem conter quatro valores ao mesmo tempo. À medida que o número de qubits cresce, o computador quântico se torna exponencialmente mais poderoso.
Como a computação quântica, a criptografia quântica depende do comportamento não intuitivo de objetos muito pequenos. Os códigos que mantêm os dados secretos são enviados por fótons, a menor partícula de luz. Com o equipamento certo, é fácil dizer se eles sofreram alterações. Se realizada corretamente, a técnica pode ser infalível.
Criptografia quântica chinesa
Não há nenhuma garantia da viabilidade de construção de uma rede de criptografia quântica para longas distâncias. Mas, se isso acontecer, a ânsia da China por experimentar e investir recursos governamentais, acadêmicos e comerciais no esforço pode gerar um ótimo retorno.
O país investiu dezenas de milhões de dólares na construção de redes que podem transmitir dados com o uso de criptografia quântica. No ano passado, um satélite chinês chamado Micius, em homenagem a um antigo filósofo, conseguiu realizar uma videochamada entre Pequim e Viena usando criptografia quântica. Uma rede de comunicação quântica entre Pequim e Xangai também foi colocada em operação no ano passado, após quatro anos de planejamento e construção.
Por enquanto, a criptografia quântica só funciona a uma distância limitada. A ligação via satélite entre Pequim e Viena esticou esse limite para 7.451 quilômetros. No chão, usando redes de fibra ótica, o alcance é de 241 quilômetros.
Entre os investimentos da China em criptografia quântica, o satélite Micius foi o que recebeu a maior atenção. A Universidade de Ciência e Tecnologia da China, financiada pelo governo, que ajudou a lançar o Micius, liderou a construção da rede em terra, que abrange 1.931 quilômetros – talvez uma pequena amostra de suas aspirações para uma melhoria drástica.
Infraestrutura
Os governos das províncias de Anhui e de Shandong, por onde a rede de fibra ótica passa, investiram juntos U$ 80 milhões no projeto. Como todos os principais projetos de infraestrutura na China, eles tiveram grande apoio do governo chinês.
Essa rede principal está sendo estendida para outras cidades e regiões.
O objetivo é que até 2030 haja uma rede construída pela China para compartilhar códigos quanticamente criptografados em todo o mundo.
Alguns especialistas em segurança questionam a eficácia da criptografia quântica. Por ser tão nova, não foi colocada à prova em qualquer teste rigoroso que pudesse garantir um selo de aprovação dos mais céticos do ramo.
Mas Lu Chao-Yang, professor de física da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, disse que a rede quântica de Pequim-Xangai significou um avanço significativo.
Com as comunicações enviadas por meios tradicionais, curiosos podem interceptar o fluxo de dados em qualquer ponto ao longo de uma rede de fibra ótica. Um governo pode interromper essa rede em qualquer lugar. A criptografia quântica reduziu para algumas dezenas o número de pontos vulneráveis na extensão de 1.931 quilômetros da rede Pequim-Xangai, disse Lu.
“Admitimos que é uma solução intermediária. Não é a solução final. Mas já é uma grande melhora em matéria de segurança.”
Visão dos EUA
Nos Estados Unidos, o governo e a indústria enxergam a criptografia quântica quase como um experimento científico. Em vez disso, os pesquisadores se concentraram em usar a matemática comum para construir novas formas de criptografia que seriam compatíveis com um computador quântico. Assim, essa tecnologia não exigiria nova infraestrutura.
Mas agora, estimulados pela intensa atividade da China e com os recentes avanços na pesquisa quântica, alguns cientistas nos Estados Unidos estão tentando alcançar o desenvolvimento chinês.
A Qubitekk, uma startup do sul da Califórnia, está trabalhando para proteger as redes de energia no Tennessee usando essa tecnologia. Outra startup, a Quantum XChange, está construindo uma rede de criptografia quântica no nordeste dos EUA, na esperança de que sirva futuramente aos bancos de Wall Street e a outros negócios. Pesquisadores da Stony Brook University, em Long Island, também desenvolvem um terceiro empreendimento na área.
Pequenas startups como a Qubitekk não chegarão nem perto dos milhões de dólares em infraestrutura já investidos pela China na área da criptografia quântica. Mas muitos especialistas acreditam que o trabalho mais importante se realizará em laboratórios de pesquisa. O departamento de energia já está financiando uma rede de testes em Chicago que pode eclipsar os sistemas implantados na China.
Os laboratórios nacionais de Los Alamos e Oak Ridge estão trabalhando com a Qubitekk para proteger as redes de energia com tecnologia quântica. Por sua vez, a Quantum XChange está levando equipamentos para o antigo espaço da Western Union, que agora serve como um hub de internet para parte da Baixa Manhattan.
A empresa Quantum XChange também está construindo uma ligação de criptografia quântica entre Manhattan e Newark, no estado de New Jersey, com planos de conectar grandes bancos que operam nas duas cidades. Eventualmente, almeja estender essa rede por toda a Costa Leste.
Pesquisas acadêmicas
Em lugares como a Universidade de Chicago, os pesquisadores esperam dar um passo além a partir da exploração dos chamados repetidores quânticos – dispositivos que poderiam estender o alcance da criptografia quântica.
“Ainda não chegamos lá. Mas estou confiante de que isso vai acontecer dentro de dois anos”, disse David Awschalom, professor da Universidade de Chicago, que supervisiona grande parte da pesquisa quântica na instituição.
As técnicas de comunicação quântica requerem novos hardwares. Isso inclui vastas redes de linhas de fibra ótica – e talvez até de satélites –, assim como dispositivos específicos capazes de detectar fótons individuais de luz.
A Qubitekk não conseguiu obter os detectores de luz especiais de que precisava para realizar o trabalho nas redes de criptografia quântica. A startup originalmente comprou detectores de um pequeno fabricante em Nova Jersey, a Princeton Lightwave. Mas, em abril, esse solitário fabricante americano transferiu a fabricação dos detectores para uma empresa chinesa, a RMY. Assim, a linha de fornecimento da Qubitekk secou.
A RMY prometeu fabricar o hardware para a Qubitekk, mas disse recentemente que, devido a problemas de produção, detectores adicionais não estarão disponíveis até março.
Pequenas empresas europeias estão vendendo detectores semelhantes. Além disso, laboratórios em todo o mundo estão investindo no desenvolvimento de um tipo mais avançado de hardware. Mas, por enquanto, especialmente nos Estados Unidos, o fornecimento é escasso.



