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Reforma tributária
Reforma tributária, aprovada pela Câmara, também recebeu ressalvas do mercado| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A reforma tributária do consumo, aprovada em dois turnos na madrugada desta sexta (7), agradou ao mercado. Um dos principais termômetros foi o desempenho da bolsa e do câmbio. O Ibovespa, principal indicador da B3 – a bolsa brasileira – fechou em alta de 1,25% a 118.898 pontos e o real voltou a ser valorizar frente ao dólar depois de quatro pregões de queda, encerrando o dia a R$ 4,86 Os indicadores também foram influenciados pelo desempenho mais fraco dos dados de emprego nos Estados Unidos.

O consenso é de que não foi aprovada a melhor reforma tributária, mas sim a possível. O mercado aguarda os próximos passos. A avaliação é de que a aprovação da PEC foi o primeiro a ser dado. As próximas podem ser mais complexas, destacam economistas de corretoras e bancos.

Além da definição da alíquota padrão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que formam o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) “dual” – outras questões precisam ser resolvidas. É o caso da definição do conceito de operações com serviços; regimes diferenciados e favorecidos; distribuição de imposto; definição de créditos para cálculo de não cumulatividade: definições sobre o Conselho Federativo e distribuição dos fundos.

Simplificação de regras cria um regime mais eficiente que o atual

O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, avalia que o Brasil deixa de “passar vergonha” no mundo por ter um dos sistemas de impostos mais complexos. Segundo o Índice Global de Complexidade de Negócios (GBCI, na sigla em inglês), do TMF Group, o Brasil é o terceiro país mais difícil para se fazer negócios.

“O caos tributário afastava o investimento estrangeiro e doméstico e gerava um contencioso tributário bilionário”, diz. Mais de 5 milhões de processos tributários foram iniciados no ano passado, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Na esfera administrativa, somente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscaos (Carf) acumulava mais de R$ 1 trilhão em litígios, de acordo com o Ministério da Fazenda.

O economista Pedro Renault, do Itaú BBA, aponta que as novas regras, que ainda precisam passar em dois turnos pelo Senado, criam um regime tributário mais eficiente do que o atual.

“Vivemos em um emaranhado de regras. Gastam-se horas e horas em departamentos tributários e contábeis e não se vê resultado no PIB. A reforma tributária mais esperança”, complementa Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos.

Já analistas do Bradesco apontam que, apesar de novas concessões a alguns setores, os principais pontos da PEC 45 foram mantidos. “As mudanças propostas têm o potencial de simplificar o sistema tributário, reduzir sua cumulatividade e mitigar a guerra fiscal no âmbito subnacional”, apontam.

O economista-chefe do PicPay, Marco Caruso, destaca que são “dias históricos na economia”. A reforma tributária é um assunto que está em discussão há mais de 30 anos e sua tramitação ganhou força no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ele lembra que apesar do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ser o "pai político" da reforma tributária, Lula colocou o "pai intelectual", Bernard Appy, em sua equipe econômica como secretário extraordinário. E o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), manifestou apoio à maioria das medidas. “Será que estamos vendo serem criadas algumas pontes com racionalidade econômica”, questiona Caruso.

Criação de um caminho que favorece crescimento no longo prazo

Os especialistas avaliam que se alcançou um caminho mais razoável, que favorece o crescimento de longo prazo. Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço do Ministério do Planejamento, aponta que o PIB do país pode se expandir até 2,39% até 2032 com as mudanças tributárias.

Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos, diz que o principal trunfo visível neste momento é no lado macroeconômico. “Há uma tendência positiva no longo prazo, com a simplificação de um sistema tributário complexo.” A expectativa é de redução nos riscos fiscais e de aumento no potencial de crescimento do PIB.

A avaliação da corretora é de que os impactos são mais positivos para a indústria, que pode crescer até 25% acima do cenário sem reforma em 15 anos. Agricultura e serviços também seriam beneficiados.

Os efeitos, entretanto, só devem ser sentidos no longo prazo, uma vez que as mudanças devem ocorrer de forma gradual e os seus efeitos tendem a ser menores em um primeiro momento e crescer ao longo do tempo.

A XP também destaca que há também efeitos indiretos gerados pela reforma tributária. Com um crescimento potencial maior, a arrecadação tributária tende a crescer mais e a relação dívida pública a se reduzir, levando a uma queda no risco-país e na taxa de juro de longo prazo.

“Esses efeitos indiretos tendem a antecipar ganhos econômicos e afetar positivamente juros e atividade”, informa a corretora em relatório.

Preocupações no ar com a alíquota padrão

Mas há uma preocupação no ar. O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, aponta que a discussão sobre a reforma tributária se concentrou primordialmente em definir que setores devem ter a alíquota menor do que a padrão.

“Pouco tem se discutido sobre o valor da alíquota padrão. O problema é que este valor vai depender da quantidade de setores e produtos que terão alíquotas menores que a padrão”, ressalta.

Avaliações de especialistas indicam que a alíquota padrão deverá ficar entre 25% e 30%, bem próxima a da Hungria, que tem uma de 27%, a maior entre os 175 países que adotam o IVA. O país que pratica a menor alíquota é Andorra, com 4,5%.

Segundo Camargo, o nível elevado da alíquota padrão é o resultado de um nível de gasto público excessivamente elevado e do grande número de exceções e irá penalizar principalmente o setor de serviços que terá sua carga tributária substancialmente elevada.

“O arcabouço fiscal em discussão no Congresso agrava este problema ao propor aumentar o gasto do governo em 70% do aumento de receitas nos próximos anos. Um péssimo sinal para a competitividade e o crescimento da economia”.

Mudanças feitas na Câmara também despertam ressalvas

A Warren Rena avalia que os princípios da não cumulatividade e da tributação no destino, além da simplificação, são corretos e devem ser buscados. Mas os analistas Felipe Salto, Josué Pellegrini e Fernanda Castro fazem ressalvas:

“Entendemos que as exceções colocadas no texto, a transição mal calibrada, a governança do imposto (por meio do Conselho Federativo), a preservação dos incentivos do ICMS por meio de subsídios (com o Fundo de Compensação de Incentivos para o ICMS), dentre outras dificuldades que ficaram para tratamento por leis complementares, colocam um viés negativo sobre o resultado final”.

Eles também lembram que o Senado ainda poderá fazer modificações ou mudar o rumo das discussões e da apreciação do texto que sairá da Câmara.

Tiago Sbardelotto, economista da XP, aponta que nas negociações durante a tramitação do projeto na Câmara foram ampliados os bens e serviços que podem ter tributação reduzida ou alíquota zero, com destaque para a criação de uma cesta básica e instituída a possibilidade de crédito presumido para algumas atividades.

Segundo ele, a ampliação das exceções reduz o potencial da reforma porque:

  • Aumenta a complexidade do sistema, abrindo margem para a litigiosidade;
  • Reduz a transparência para o consumidor final,
  • Amplia a alíquota padrão e as distorções alocativas, já que a perda de arrecadação tem de ser compensada pelos demais setores da economia

Outra ressalva feita por Sbardelotto diz respeito à preservação de benefícios relacionados ao IPI e PIS/Cofins até o final de 2032 para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os benefícios foram criados por lei e tinham previsão de serem encerrados em 2025.

O economista alerta que a postergação dentro da proposta de reforma tributária é estranha ao texto e abre caminho para que outros benefícios sejam postergados. “Certamente reduz o potencial da reforma e pode minar os esforços para um sistema mais simples, justo e transparente”.

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