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Construção de ponte sobre o Rio Araguaia, na divisa entre Tocantins e Pará: país investe menos que o necessário em infraestrutura.
Construção de ponte sobre o Rio Araguaia, na divisa entre Tocantins e Pará: país investe menos que o necessário em infraestrutura.| Foto: Ricardo Botelho/MInfra

Um dos principais obstáculos ao crescimento da economia brasileira é a redução do investimento em infraestrutura. Cálculo feito pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) aponta que houve uma queda real (já descontada a inflação) de 21,1% nos desembolsos nessa área entre 2014 e 2022. A queda foi puxada pelo investimento público, que despencou 61%.

A expectativa da entidade empresarial é de que R$ 163 bilhões tenham sido aplicados em infraestrutura em 2022, 10% mais do que no ano anterior (R$ 148,2 bilhões). Mas esses recursos não são suficientes para atender às necessidades do país, estimadas pela Abdib em R$ 374,1 bilhões ao ano.

O maior hiato entre os investimentos necessários e os realizados está no segmento de transportes e logística, que recebeu R$ 30,1 bilhões em investimentos em 2022, diante de uma necessidade de R$ 196,2 bilhões.

Infraestrutura e crescimento econômico têm relação direta

Segundo a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (Ceri/FGV), Joisa Dutra, há uma relação direta entre crescimento econômico e investimento em infraestrutura. E tanto o setor público quanto o privado vêm enfrentando restrições na alocação dos recursos.

A dificuldade do Estado em destinar recursos à infraestrutura está associada ao engessamento do orçamento. “O investimento privado não é suficiente para atender à infraestrutura. Também são necessários recursos públicos”, diz a especialista.

O economista sênior da gestora de patrimônio Julius Baer Family Office (JBFO), Gabriel Fongaro, aponta que, para o Brasil poder crescer a um ritmo mais forte e sustentado, é preciso deixar a “casa arrumada”, o que passa por uma política econômica previsível.

A Abdib complementa que, do lado público, há a necessidade de uma série de avanços, entre eles:

  • revisão da política de teto de gastos como âncora fiscal;
  • realização das reformas administrativa e tributária;
  • redução e até mesmo eliminação de renúncias fiscais;
  • estabelecimento de um teto para despesas correntes e piso para investimentos e inovação; e
  • securitização da dívida pública refinanciada.

Outros problemas relacionados à esfera pública, segundo Dutra, do Ceri/FGV, são a falta de uma regulação clara e articulada com os demais segmentos da economia e de mecanismos capazes de atrair financiamentos para a infraestrutura.

Resolver problema fiscal é necessário, mas não suficiente

Para Piter Carvalho, head de mesa da Valor Investimentos, em um cenário de taxas elevadas de juros é difícil impulsionar o investimento e o crescimento. O panorama é agravado pela falta de reformas, como a tributária e a administrativa, e a solução para os problemas fiscais.

A questão fiscal precisa ser resolvida para não resultar em aumento da dívida pública, ampliação de riscos e rebaixamento da nota de crédito, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. O custo da dívida está sendo pressionado pelos altos juros, que atualmente estão em 13,75%. “É algo sobre o que o novo governo terá de se debruçar com afinco”, diz o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.

O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), Venilton Tadini, aponta que uma das razões do baixo crescimento da economia brasileira é a cada vez mais limitada capacidade de investimento público. Nos anos 1970, chegou a ser de 4% do PIB; no ano passado foi de 0,22%, segundo ele.

Este cenário é um reflexo da falta de um ajuste fiscal, apontam especialistas. “O fiscal é um problema. Falta dinheiro para emissão de passaportes, para o programa Farmácia Popular, para as universidades....”, enumera Piter Carvalho, da Valor Investimentos.

A mudança na estrutura fiscal brasileira precisa ser ampla, defende o presidente da entidade empresarial. Segundo ele, é preciso ter mais responsabilidade fiscal, pois gasta-se mal e não se investe em aspectos dinâmicos da economia.

Tadini também defende uma mudança na estrutura de gastos do orçamento brasileiro, em que mais de 90% das despesas são obrigatórias. “A atual estrutura é incompatível com uma boa gestão orçamentária”, diz. O caminho, de acordo com o dirigente, passa pelas reformas tributária e administrativa. “Também é preciso atacar o complexo de renuncias fiscais”, acrescenta.

Ainda que necessário, o ajuste fiscal não é suficiente, diz Fongaro, da JBFO: “Essas mudanças vão sinalizar que a dívida pública é pagável. Mas é preciso ir além, como dar mais qualificação ao trabalhador e ter um estoque de capital suficiente”.

Também é preciso melhor a qualidade no investimento público, que é baixo, mal focalizado e afetado pela corrupção. “O Brasil está ancorado no patrimonialismo e no lobismo. Não desenvolveu políticas horizontais que sirvam a todos”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Sinais da política fiscal do novo governo não animam

Por ora, os sinais emitidos pelo novo governo sobre a política fiscal são desanimadores. O terceiro mandato de Lula começa com uma licença para gastar R$ 170 bilhões, a fim de cumprir promessas de campanha.

“Até agora, o que se fez foi aumentar as dúvidas em relação ao arcabouço fiscal e à trajetória da dívida pública”, diz o analista-chefe da Toro Investimentos, Lucas Carvalho.

A principal consequência de um relaxamento na política fiscal e o não desenvolvimento de um novo arcabouço vai ser a manutenção de uma política monetária mais apertada, com juros mais elevados. Alguns analistas já sinalizam para taxas próximas a 16% no ano que vem. Atualmente, elas estão em 13,75% ao ano.

“Somente com sinais de controle dos gastos públicos e de estabilização da dívida pública o empresário se sentirá mais propenso a investir mais e contratar”, diz o economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos.

Reforma tributária pode elevar produtividade

Reformas são um dos caminhos que podem favorecer um maior crescimento da economia brasileira, diz Vale. Para combater a complexa de impostos do país, aponta, é fundamental investir na reforma tributária, que grande potencial de agregar produtividade à economia brasileira.

"Atualmente, temos um sistema tributário extremamente complexo se comparado aos países desenvolvidos. E isso dificulta o investimento estrangeiro", diz o diretor de tax da Mazars, Luiz Carlos dos Santos.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, avalia que a reforma tributária está madura para acontecer. "Basta boa vontade. Os ganhos vêm da simplificação e da qualidade tributária, o que pode resultar em mais crescimento."

Dois projetos principais estão em tramitação no Congresso: as propostas de emenda constitucional (PECs) 45 e 110. Escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad disse que a reforma é uma de suas prioridades, e convidou um dos autores da PEC 45, Bernard Appy, para ser secretário especial do Ministério da Fazenda.

“É algo a que Lula precisa se dedicar no primeiro ano de governo. Ele precisa de resultados concretos para restaurar a confiança na economia e, assim, obter ganhos políticos”, destaca Sung, da Suno Research.

Além da complexidade, outro problema do sistema brasileiro é a concentração da carga de impostos sobre o consumo, que o torna extremamente regressivo. “Os mais pobres acabam pagando mais”, destaca a professora Tathiane Piscitelli, da FGV Direito SP.

Propostas para ampliar a tributação sobre a renda vêm ganhando força. É o caso da medida que prevê a tributação dos dividendos das pessoas físicas ou o estabelecimento de novas alíquotas para o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A taxação dos dividendos foi proposta pelo governo em sua reforma do IR, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados mas acabou engavetada pelo Senado.

Outras reformas necessárias

Outra reforma vital, na avaliação do economista-chefe da MB Associados, é a administrativa, para aprimorar as regras do serviço público. “É necessário assegurar mais eficiência e ampliar a meritocracia”, diz.

Para ele, há bons exemplos a serem seguidos no setor público. Ele cita os casos do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como ilhas de excelência: “São servidores de altíssima qualidade”.

No médio e longo prazo, Vale defende políticas pró-mercado, que tragam mais eficiência. “Basta seguir o que está sendo feito”, disse o então subsecretário de política macroeconômica do Ministério da Economia no governo Bolsonaro, Fausto Vieira.

O que dificulta o investimento privado

Os entraves, entretanto, não se restringem à esfera pública, aponta Dutra, do Ceri/FGV. O investimento privado é afetado por uma série de questões:

  • o custo de capital no Brasil é caro;
  • há uma percepção de risco muito elevada; e
  • outros países vêm apresentando condições melhores para a realização desses investimentos.

O custo do dinheiro vem aumentando desde março de 2021, quando se iniciou o ciclo de alta que levou a taxa básica (Selic) a 13,75% ao ano. A taxa média mensal do crédito não rotativo para as empresas passou de 0,81%, naquele mês, para 1,25%, em outubro, de acordo com o BC.

O cenário em 2023 não é dos mais favoráveis. Já há instituições financeiras trabalhando com a possibilidade de que não haja queda da Selic em 2023, como era esperado até pouco tempo atrás. Um dos fatores que contribuem para isso são as incertezas fiscais. “Fatores internos podem atrapalhar”, diz o analista de macroeconomia da hEDGE Point Global Markets, Alef Dias.

Outra questão que pode influenciar a taxa de juro brasileira é a dúvida se os Estados Unidos conseguem promover um corte em suas taxas, mesmo com a inflação por lá dando uma amenizada.

Este é o segundo texto da série de reportagens "País em marcha lenta", que busca mostrar quais os obstáculos ao crescimento econômico no país e o que fazer para acelerar essa expansão.

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