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Banco Central

Esqueça Selic de um dígito: “kit reeleição” de Lula limita queda dos juros

Gastos do "kit reeleição" de Lula criam um piso para a Selic e acorrentam o crescimento do setor produtivo em 2026.
Gastos do "kit reeleição" de Lula criam um piso para a Selic e acorrentam o crescimento do setor produtivo em 2026. (Foto: André Borges/EFE)

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Esqueça juros de um dígito. A Selic não deve cair abaixo de 12,25% em 2026, segundo projeções do mercado financeiro divulgadas na segunda-feira (8) – patamar muito acima do que o setor produtivo almeja. O culpado é o "kit reeleição" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): um pacote de mais de R$ 250 bilhões em medidas fiscais que força o Banco Central a manter juros altos para conter a inflação gerada pelo aumento do gasto público.

A conta é simples: mais gasto público em ano eleitoral significa mais inflação. E mais inflação obriga o BC a manter os juros em patamares elevados. A taxa básica está hoje em 15% ao ano, ou 9,74% em termos reais (já descontada a inflação), a segunda maior taxa real do mundo e atrás apenas da Turquia, segundo a consultoria financeira MoneYou.

Nada deve mudar na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que será encerrada nesta quarta (10). A taxa básica de juros deve encerrar o ano em 15%.

O motivo é a inflação de serviços, que continua pressionada (rodando a quase 6% ao ano) devido a um mercado de trabalho apertado. Além disso, as expectativas de inflação para 2025 e 2026 seguem acima da meta do BC.

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Cortes de juros devem começar no primeiro trimestre

Apesar desse cenário desafiador, as principais casas de análise concordam: o Banco Central deve iniciar os cortes de juros no primeiro trimestre de 2026, entre janeiro e março.

A reunião desta semana ocorre em um contexto de atividade econômica mais fraca, o que fortalece o argumento para o fim do ciclo de aperto. A queda na taxa de juros ao longo de 2026, entretanto, não deve ser significativa.

Descontrole fiscal mantém juros em patamar elevado

Por que o juro não cai mais? A resposta está na falta de responsabilidade fiscal. A XP alerta que a "política fiscal expansionista representa um risco para 2026".

A economia brasileira opera próxima ao limite de sua capacidade, com desemprego baixo. A taxa em outubro foi de 5,4%, a menor da série histórica do IBGE, iniciada em 2012. Nesse cenário, uma política fiscal que estimule ainda mais a demanda interna tende a gerar inflação em vez de crescimento sustentável.

Uma reaceleração do crescimento doméstico, impulsionada artificialmente por gastos públicos, restringiria a extensão do ciclo de cortes da Selic. O mecanismo é simples: ao injetar recursos na economia para estimular o consumo em ano eleitoral, o governo pressiona a demanda. Como a oferta de produtos e serviços não consegue acompanhar esse ritmo artificial, a inflação sobe, e o Banco Central é obrigado a manter os juros em patamares mais elevados.

A Genial Investimentos destaca que a projeção de crescimento para 2026 reflete a "expectativa de que a política fiscal seja mais estimulativa em ano eleitoral". É o clássico "voo de galinha" – crescimento de curto prazo impulsionado por gasto público, que cobra seu preço logo em seguida em forma de juros altos e endividamento.

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“Kit reeleição” cria cenário insustentável para a queda da Selic

Esse piso elevado para os juros tem causa clara: o pacote fiscal do governo. Um dos principais trunfos que Lula usará na tentativa de reeleição é o projeto que ampliou para R$ 5 mil a faixa mensal isenta de Imposto de Renda, com a contrapartida de aumentar a taxação dos mais ricos.

A estratégia é popular no curto prazo, mas força a criação de novos impostos sobre o capital para compensar a perda de arrecadação. Outras despesas do governo também forçarão aumentos de arrecadação – um deles tende a ser por meio de aumento de alíquotas do Imposto de Importação, previsa para 2026.

A análise técnica adverte: o custo da manobra eleitoral pode levar a economia a uma desaceleração abrupta a partir de 2027. Outro cenário, feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), indica que as mudanças nos cálculos do arcabouço fiscal deram ao governo um "respiro" de dois anos.

Mesmo com esse respiro, a política expansionista entra em rota de colisão com a política monetária: o governo acelera o gasto, e o BC é forçado a manter juros altos para conter a inflação.

A trajetória da dívida é alarmante. Ela saltou de 71,7% do PIB em dezembro de 2022 para 78,6% em outubro de 2025. Para o futuro, as projeções do Instituto Fiscal Independente (IFI) indicam que a dívida chegará a 82,4% do PIB no fim de 2026, enquanto o boletim Focus do Banco Central aponta expectativa do mercado de até 84%.

Outro problema está na rigidez dos gastos obrigatórios. Segundo a Lei Orçamentária Anual de 2025, eles correspondem a 92,2% do total das despesas primárias neste ano. Na avaliação do UBS, o pacote mínimo de medidas fiscais precisa incluir a quebra da ligação automática entre despesas com educação e saúde e a arrecadação. Esses gastos, que têm valores mínimos garantidos pela Constituição, precisam ser revistos.

O governo tem adiado a solução, como na flexibilização dos precatórios, uma manobra que corrói a confiança dos investidores. Diante desse cenário crítico, o próximo governo não terá margem para ajustes graduais, avalia Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil da UBS Wealth Management. É necessário um pacote mínimo de mudanças estruturais que interrompa a trajetória que condena a dívida pública ao colapso.

Selic alta e crédito caro sufocam setor produtivo

Enquanto Brasília articula a expansão de gastos, a economia real está em desaceleração. Os dados do PIB do terceiro trimestre de 2025 mostram uma estagnação, com crescimento de apenas 0,1% em relação ao trimestre anterior. Considerando um período de 12 meses, a taxa de expansão da atividade, de 2,7%, é a menor desde o segundo trimestre de 2021. O consumo das famílias desacelerou, e a indústria opera com ociosidade.

O setor produtivo tem sido vocal em suas críticas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) alertam que a indústria opera com uma "âncora amarrada no pé" — travada pelos juros altos, que encarecem o crédito e inviabilizam a expansão da capacidade produtiva e a inovação.

  • Indústria e Varejo: O PIB industrial cresceu 0,8% no terceiro trimestre, mas a indústria de transformação, mais sensível aos juros e ao crédito, sofre com a demanda interna fraca e a competição com importados.
  • Consumo das Famílias: O motor do consumo está engasgando. O crescimento foi de apenas 0,1% no trimestre, refletindo o alto endividamento das famílias e o custo proibitivo do crédito.
  • Crédito: A inadimplência, especialmente no agronegócio, tem levado bancos a fechar a torneira. O crédito está mais caro e seletivo. Empresas são forçadas a buscar alternativas mais complexas, como FIDCs (fundos de recebíveis), para manter o capital de giro.

O cenário é de expulsão do investimento privado. O governo gasta demais, absorve a liquidez disponível e mantém os juros altos. O setor privado fica de fora. As medidas do chamado "kit reeleição" podem garantir obras e transferências de renda pontuais, mas sufocam o empreendedorismo, que precisa de crédito acessível para prosperar.

Gastos públicos em excesso podem tirar eficácia da Selic

A grande ameaça para 2026 não é apenas a manutenção dos juros altos. É o risco de que a política fiscal fique tão descontrolada que a política monetária perca sua eficácia. É o fenômeno da dominância fiscal.

A XP adverte: sem reformas que reduzam o ritmo de crescimento das despesas públicas, "a elevação da dívida pública pode reacender o debate sobre dominância fiscal". Nesse cenário, aumentar juros para conter a inflação se torna inútil, ou até contraproducente. O motivo: eleva o custo da dívida pública a níveis insustentáveis, gerando mais desconfiança e mais inflação.

Para que a Selic pudesse convergir para o nível neutro de 5,5% reais, seria necessário um choque de credibilidade fiscal. Mas a agenda política de 2026 aponta para o contrário. O Brasil caminha com uma máquina pública mais pesada, gastando mais do que deveria e com dificuldades políticas para aprovar as mudanças estruturais necessárias.

Rafael Perez, economista da Suno Research, lembra que no terceiro trimestre, o consumo do governo cresceu 1,3%, acima do consumo das famílias, impulsionado por uma "maior expansão dos gastos", especificamente com Previdência e funcionalismo, que já consomem quase 75% do orçamento.

Nesse cenário, Fábio Murad, CEO da Specemoney Investimentos, alerta para um crescimento "anêmico e errático" caso não haja convergência entre as políticas fiscal e monetária.

Incertezas institucionais ampliam volatilidade

Fim das "setas" do BC e saída de diretores

O cenário fica mais complexo com mudanças no Banco Central. O presidente Gabriel Galípolo sinalizou no início de dezembro o fim das "setas" — a prática de indicar antecipadamente os próximos passos da política de juros. Segundo ele, a autarquia não tem obrigação de antecipar suas decisões. Isso dá liberdade ao BC para cortar juros em janeiro sem se contradizer, mas retira um importante instrumento de previsibilidade para o investidor.

A situação piora com a saída de diretores técnicos experientes. Diogo Guillem (Política Econômica) e Renato Dias de Brito Gomes (Organização do Sistema Financeiro), ambos indicados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), deixaram seus cargos, e ainda não há substitutos anunciados.

Em um momento decisivo para a política monetária, a perda de capital intelectual e a incerteza sobre a composição do Copom geram ruído desnecessário, sintetiza Thiago Berriel, estrategista-chefe da BTG Pactual Asset Management.

A gestora ressalta que a estrutura institucional do BC é sólida, mas a incerteza gerada pela falta de nomeações é negativa. O mercado opera baseado em confiança e previsibilidade. Por isso, o silêncio do governo sobre essas nomeações soa como alerta. Pode indicar interferência política ou a indicação de nomes menos comprometidos com o rigor técnico.

Sem as "setas" do BC, fica mais difícil para o empresário planejar investimentos. O risco exigido para investir no Brasil aumenta.

Cortes do Fed não compensam "lição de casa fiscal"

Diante desse cenário doméstico desafiador, resta ao mercado buscar alívio em fatores externos. O Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) mudou sua postura. Deve iniciar cortes de juros, impulsionado por dados mais fracos do mercado de trabalho nos EUA. Um Fed mais flexível retira pressão sobre o câmbio e abre espaço técnico para o BC brasileiro atuar.

Mas há ressalvas: analistas do BTG Pactual Asset Management alertam que a taxa final de juros nos EUA pode ser mais alta do que o mercado espera. Berriel alerta que a saúde da economia dos EUA não justifica uma postura tão flexível com os juros quanto o mercado espera. Segundo o estrategista, "o fundamento da economia americana não justifica uma revisão do ciclo de juros mais para baixo".

Outro fator que alimenta essa possibilidade é a postura errática do Federal Reserve. O banco central americano tem demonstrado uma "instabilidade de opiniões", mudando rapidamente de postura com base em poucos dados — uma abordagem excessivamente data dependent (dependente de dados) —, o que gera ruído.

Juros mais altos nos EUA limitariam o fluxo de capitais para emergentes. Além disso, em anos eleitorais, o câmbio no Brasil tende a ser mais volátil, reagindo a pesquisas e declarações políticas. Segundo Berriel, a "volatilidade do processo eleitoral" traz consigo o "risco de depreciação cambial". Ou seja, o dólar tende a subir (e o real a desvalorizar) conforme o mercado reage às incertezas sobre quem governará o país e qual será a política econômica adotada.

Portanto, contar apenas com a ajuda externa, sem fazer a "lição de casa fiscal", é uma estratégia de alto risco.

Investidor deve privilegiar proteção em ano de volatilidade

Para o investidor e o empresário, a mensagem é clara. 2026 será um ano de volatilidade e juros ainda restritivos. A narrativa de que a Selic vai "desabar" é incompatível com a realidade fiscal do governo. A aposta no pacote eleitoral impõe um piso elevado para a taxa Selic.

O capital, que deveria estar financiando novas fábricas, tecnologia e serviços, continuará sendo drenado para financiar a dívida de um Estado ineficiente.

O presidente eleito em 2026 herdará um dilema dramático: mais de 92% dos gastos engessados e a dívida pública próxima a 84% do PIB. No fim, o "kit reeleição" se revela menos um pacote de benefícios e mais uma armadilha fiscal.

Segundo Rafael Cervone, presidente do Ciesp, a esperança de juros baixos "não pode morrer". Mas ela depende de que o país "avance no equacionamento do déficit fiscal". Algo que, infelizmente, não parece estar no "kit" de prioridades para 2026.

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