Novamente sob críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de ministros, o Banco Central define nesta quarta-feira (3) a taxa básica de juros, que serve de referência para o custo dos empréstimos a empresas e consumidores. O consenso dos analistas de mercado é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai ignorar a pressão do governo e manter a Selic no patamar atual, de 13,75% ao ano. E, a julgar por declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, o início de uma queda na taxa ainda não parece próximo.
No feriado do Dia do Trabalho, em evento com centrais sindicais, Lula voltou a criticar os juros, que considera culpados pelo desemprego – a taxa de desocupação subiu para 8,8% no trimestre móvel encerrado em março. “A gente não pode viver mais em um país onde a taxa de juros não controla a inflação, ela controla, na verdade, o desemprego nesse país porque ela é responsável por uma parte da situação que nós vivemos hoje”, disse.
Campos Neto, porém, sinaliza que os atuais níveis e expectativas de inflação não permitem um afrouxamento da política monetária. “A inflação do curto prazo tem caído, mas muito lentamente. Os núcleos continuam altos”, disse Campos Neto em audiência realizada no dia 25 de abril na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
As expectativas do mercado para a inflação futura, sempre destacadas pelo BC em seus comunicados, pioraram desde a última reunião do comitê, em 21 e 22 de março. De lá, para cá, a mediana das projeções para o IPCA de 2023 passou de 5,95% para 6,05%. As apostas para 2024 e 2025, às quais o BC presta ainda mais atenção, avançaram de 4,11% para 4,18% e de 3,9% para 4%, respectivamente.
Dois dias depois da audiência na CAE, o presidente do BC falou ao plenário do Senado ao lado dos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento. Na ocasião, Campos Neto afirmou que o BC faz um trabalho técnico e que "busca cumprir seu mandato na estabilidade financeira sempre com o menor custo possível para a sociedade".
"Temos um horizonte de atuação técnica que, por muitas vezes, difere do ciclo político, mas que entendemos – e por isso foi dada autonomia – que ele maximiza o ganho para a sociedade no longo prazo", disse.
Tebet, em resposta, afirmou que o BC não pode se basear apenas em questões técnicas e precisa “ter foco nas políticas públicas e no crescimento do Brasil”. “O Banco Central não pode considerar que as suas ações são apenas técnicas. São técnicas, mas também são decisões que interferem na política, especialmente os seus comunicados e suas atas”, apontou a ministra.
Haddad, por sua vez, disse que a economia brasileira vai continuar desacelerando por conta da política monetária a ponto de impactar diretamente na arrecadação de impostos. Na visão do ministro, as decisões do BC precisam caminhar junto com a política fiscal do governo.
Além de falar da inflação, o presidente do BC citou as concessões de crédito, que têm desacelerado lentamente, de forma a impedir uma queda mais rápida dos índices de preços. Os dados de março mostraram uma alta de 0,7% nos empréstimos em relação ao mês anterior, depois de dois meses de queda. “A desaceleração de crédito no Brasil é bem inferior à do mundo desenvolvido e de grande parte do mundo emergente”, disse Campos Neto.
A política fiscal também preocupa a autoridade monetária, mesmo com a apresentação, no fim de março, de um novo conjunto de regras para os gastos públicos.
Embora elogiando o esforço da equipe econômica, Campos Neto disse que a melhora da percepção sobre as contas públicas é um processo ainda em andamento. “Quando a gente olha as curvas futuras [dos juros], elas começam a mostrar uma inversão. Começaram a melhorar. Com algumas medidas que o governo tem tomado, têm seguido essa trajetória de melhora.”
Analistas preveem que Copom vai manter Selic em 13,75%
A aposta de manutenção dos juros em 13,75% na reunião que termina nesta quarta é praticamente unânime no mercado. "Novamente, o comitê deve reforçar a sinalização da postura vigilante de política monetária e de perseverança no processo de desinflação até a convergência às metas no horizonte relevante", diz o Itaú, em relatório.
A Genial Investimentos argumenta que, embora a prévia da inflação de abril tenha vindo abaixo das expectativas, os núcleos vieram com aceleração acentuada, o que preocupa o mercado.
Outro fato que torna mais difícil uma redução próxima nos juros são os últimos dados do mercado de crédito, que demonstraram aceleração nas concessões. “Com isso, renovam-se as expectativas de manutenção da taxa básica no Brasil”, diz o head de research da Genial, Eduardo Nishio.
A XP Investimentos aponta que os dados publicados desde a última reunião do Copom não sugerem mudanças significativas no cenário da inflação. Os indicadores de atividade econômica apontam para desaceleração suave da demanda agregada e um mercado de trabalho resiliente. A expectativa da corretora é de que o ciclo de cortes da Selic se inicia em agosto, com uma redução de 0,25 ponto porcentual.
A Suno Research também aposta em manutenção do juro na reunião desta quarta. Mas, para a casa de análise, o cenário econômico está melhor em relação a meses atrás.
“A inflação vem cedendo, mesmo em ritmo lento; o cenário internacional está menos deteriorado; a concessão de crédito e a atividade econômica vêm desacelerando; as expectativas de inflação para horizontes mais longos estão mais estáveis. E a regra fiscal foi apresentada”, diz o economista-chefe, Gustavo Sung.
Ele avalia que se abriu uma janela de oportunidades para que o Copom comece uma discussão inicial sobre cortes na taxa de juro. “Até poderia diminuir o tom duro do comunicado”, diz.
Estados Unidos também definem taxa de juros nesta quarta
Horas antes da decisão do Copom, o Fed (o BC americano) também define sua taxa básica de juros. A decisão por lá deve ter influência menor na brasileira.
“A expectativa é de que a autoridade monetária [dos EUA] irá encerrar o ciclo de alta de juros, levando a taxa para 5% a 5,25% ao ano. E em setembro deste ano, já se iniciaria o corte nos juros”, prevê Sung, da Suno Research.
O economista avalia que o mercado está bastante otimista, com a inflação norte-americana se desacelerando. Nos 12 meses encerrados em março, ela fechou em 5%, segundo o Bureau of Labour Statistics (BLS). Mas ainda há sinais de alerta no ar, como alimentos, energia e serviços.
Segundo ele, os recentes episódios no sistema financeiro – com os problemas do SVB e no Signature – parecem controlados. Mas, como ainda há um processo de arrefecimento dos preços e das incertezas financeiras, o Fed deve evitar qualquer tipo de movimento brusco.
Outro fator que leva a essa perspectiva é a resiliência da economia americana, aponta o economista-chefe do banco suíço Julius Baer, David Kohl.
O diretor de pesquisa da administradora americana de fundos Janus Henderson, Matt Peron, destaca que o número do PIB nos EUA – a economia cresceu 1,1% no primeiro trimestre – revelou um cenário econômico complexo, com forte demanda e inflação.
Com isso, os EUA ainda não estariam fora do perigo na luta contra a inflação mais baixa. “Com a inflação persistente e menores ganhos, os mercados podem enfrentar alguns meses desafiadores pela frente”, diz.
A economista Cláudia Rodrigues, do C6 Bank, também prevê alta de 0,25 ponto percentual no juro americano. “Este aumento seria necessário para conduzir a desaceleração da inflação em um contexto de demanda ainda forte”, diz. Ela não prevê cortes nos juros até meados de 2024, mas diz que o início pode ser antecipado caso haja um aperto de crédito decorrente do colapso de alguns bancos regionais.
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