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Política fiscal do futuro governo Lula ainda é um mistério.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ainda que esteja distante de traçar um caminho de estabilidade para as contas públicas e acalmar o mercado financeiro, a equipe do futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta em uma mescla de investimentos públicos e privados para compor a nova política econômica do país.

A proposta, cujas arestas fundamentais ainda precisam ser afinadas, já está colocada na mesa de negociações da equipe de transição e tem sido usada diretamente por Lula como moeda de troca em busca de apoio à aprovação da PEC para furar o teto de gastos, chamada pelos aliados de PEC da Transição.

Protocolada no Senado na segunda-feira (28), a proposta de emenda à Constituição 32/2022 conseguiu as assinaturas necessárias no dia seguinte e deve ser colocada em votação na próxima semana, segundo o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O objetivo é liberar um total estimado em R$ 198 bilhões da regra do teto de gastos, principal âncora fiscal do país.

Para que seja promulgada e passe a valer já para 2023, a PEC precisa ser aprovada por três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação, no Senado e na Câmara. Na busca de votos, o presidente eleito promete fazer uso de ao menos R$ 23 bilhões – dos R$ 198 bilhões pretendidos – para investimentos que foram apontados por sua equipe como emergenciais. Neles, constam obras na área de infraestrutura, como duplicação de rodovias, que seriam realizadas por meio de parcerias público-privadas (PPPs).

“Cuidamos da largada para dar estabilidade no campo social, evitar o caos, permitir o funcionamento dos serviços públicos e ainda gerar alguma capacidade de investimentos emergenciais, como obras inacabadas, recuperação de rodovias, obras de habitação, inclusive em andamento”, disse à Gazeta do Povo o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), responsável pelo Orçamento de 2023 na equipe de transição.

Segundo ele, a proposta é que parte dos recursos excluídos do teto de gastos por meio da PEC seja usada especificamente para integrar PPPs, “com investimento público direto, fazendo crescer a economia”.

Na prática, injetar dinheiro nos cofres privados por meio da contratação de obras é a estratégia do novo governo para acalmar o mercado, assim como alavancar o pagamento do Auxílio Brasil – que voltará a se chamar Bolsa Família – no valor de R$ 600, prometido durante a campanha eleitoral. O programa social ficaria com os outros R$ 175 bilhões liberados pela PEC.

Por enquanto, contudo, a ideia tem ajudado a inflar – e não reduzir – os receios do mercado. O principal problema, na análise de especialistas, está na insegurança gerada pelo futuro governo ao anunciar o fim do teto de gastos sem trazer transparência aos pilares que vão compor a nova política fiscal.

Para Wellington Dias, as críticas serão superadas com modelos econômicos aos moldes do que Lula usou no segundo mandato, entre 2007 e 2010. Aquele período foi marcado pela adoção de uma política desenvolvimentista, de expansão dos gastos públicos, a cargo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que deixou em segundo plano as políticas de austeridade fiscal implantadas pelo antecessor, Antonio Palocci.

"Sei que muitos questionam por ampliar investimentos, esquecendo que os investimentos foram cada vez mais sustentados com a realização de superávit e queda das despesas. E deu certo a estratégia de atração de mais investimentos privados, gerando PIB com média de crescimento anual na casa de 4%", afirmou Dias.

Maior preocupação do mercado financeiro, as balizas do novo arcabouço das contas públicas seguem indefinidas, conforme admite a própria presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Cotado para a Fazenda, Fernando Haddad citou reforma tributária como prioridade

Nesse contexto, voltou aos holofotes a discussão de uma reforma tributária, recentemente citada como prioridade por Fernando Haddad (PT), cotado para assumir a Fazenda no futuro governo. Em conversa com banqueiros na última sexta-feira (25), ele evitou falar de política fiscal.

O ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, chegou a enviar para o Congresso duas fases de sua reforma "fatiada", a fusão de PIS e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e uma ampla mudança nas regras do Imposto de Renda. As propostas ganharam as manchetes, mas não avançaram no Congresso.

Para José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, ainda que o texto venha a ser modificado, será necessário que Lula coloque a reforma tributária em discussão – e, sobretudo, votação – tão logo assuma a Presidência. O tema é delicado ao novo governo, já que mexe também em promessas de campanha do petista.

Para tranquilizar o mercado, diz o economista, Lula e sua equipe terão de mostrar onde serão gerados os recursos que pretendem gastar. Neste sentido, Gonçalves acredita que o novo governo vai precisar apoiar mudanças nos impostos indiretos, assim como deixar para depois a proposta de tributar juros e dividendos – que esteve entre as bandeiras de campanha de Lula e também fez parte da reforma do IR de Paulo Guedes, defensor dessa taxação.

Mudanças na tabela do IR e a taxação de grandes fortunas, defendidas por Lula mas consideradas mais delicadas no Congresso, também devem ficar apenas para o segundo ano de mandato, avalia o economista.

“O passo posterior à PEC, a ser considerado pelos participantes da política e do mercado, é a agenda para a concatenação da nova regra fiscal com a reforma tributária. A tendência é o governo apoiar a mudança nos impostos indiretos [que incidem sobre consumo, como PIS/Cofins e ICMS] e deixar renda e patrimônio para 2024. A nova regra fiscal será uma combinação da proposta do Tesouro com ajustes de alguns parâmetros de inspiração política”, prevê Gonçalves.

Falta de balizas para os gastos públicos piorou expectativas para os juros

As incertezas em torno da nova baliza que vai nortear os gastos públicos a partir de 2023 resultaram em uma intensa oscilação nas últimas semanas no mercado de juros futuros.

No novo cenário do mercado, o Banco Central pode demorar mais a cortar a taxa básica de juros (Selic), podendo fazer isso apenas em 2024, e pode até elevá-la no ano que vem, se entender que o risco fiscal ameaça o controle da inflação. Hoje a Selic está em 13,75% ao ano, o maior patamar desde o fim de 2016.

O ponto médio das expectativas de bancos e corretoras, porém, ainda aponta para uma redução na Selic no próximo ano, que faria a taxa encerrar 2023 em 11,5%, segundo o boletim Focus, do Banco Central. Esse patamar é um pouco maior que o esperado antes da apresentação da PEC fura-teto, de 11,25%.

Apesar do incômodo com a proposta do governo eleito, muitos especialistas em contas públicas concordam que é preciso mudar o regime de controle dos gastos públicos. O teto de gastos é considerado ultrapassado até mesmo por opositores do novo governo no Congresso.

O dispositivo foi driblado de alguma forma em pelo menos cinco ocasiões no governo Bolsonaro. Candidatos à Presidência prometeram revogar o teto ou no mínimo revisá-lo, e Paulo Guedes criticou o mecanismo às vésperas da eleição.

Criado no governo Michel Temer (MDB), com vigência de 2017 em diante, o teto de gastos é a principal âncora fiscal do país e, mesmo driblado e criticado, contribuiu para dar alguma credibilidade às contas públicas. A regra prevê que o gasto público federal não pode crescer acima da inflação por um período de 20 anos. O problema é que, com o aumento dos gastos obrigatórios, a solução dos governos para obedecer o teto foi cortar as despesas de livre manejo, em especial o investimento público, comprimido a níveis historicamente baixos.

“O formato que é utilizado hoje no Brasil, com o teto de gastos de forma absoluta, e não relativa, só existe aqui. Nenhum país, desenvolvido ou não, utiliza esse formato de âncora fiscal. Os países utilizam âncoras relativas e que variam ao longo do ano fiscal, com ajustes conforme a arrecadação, receita e despesas”, avalia Eduardo Fayet, especialista em Relações Institucionais e Governamentais e Gestão Pública da Fundação da Liberdade Econômica.

Quais as opções de política fiscal em debate na equipe de Lula

Ainda que a equipe de Lula afirme que não existe definição de como será feita a nova política de limitação de gastos públicos, na mesa há basicamente três formas de âncora fiscal em debate: a meta de superávit primário (quando o governo arrecada mais do que gasta); um limite de despesas com possibilidade de crescimento acima da inflação; e uma meta de endividamento público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

Este último modelo é usado em outros países, principalmente em desenvolvimento. No mês passado, técnicos do Tesouro Nacional apresentaram uma proposta de política fiscal baseada na dívida pública. A sistemática leva em conta não apenas o tamanho da dívida em relação ao PIB, mas também seu sentido (se está aumentando ou diminuindo). Nos cenários mais favoráveis, a proposta permite um aumento dos gastos além da inflação.

"Do ponto de vista estratégico, não especificamente uma metodologia em si, a melhor opção é aquela que correlacione o avanço do PIB com o nível de endividamento que o país admite ter ou que é interpretado positivamente pelo mercado”, afirma Fayet.

Aliados e opositores de Lula vão propor nova política fiscal no lugar do teto de gastos

A base de apoio de Lula e também parlamentares de oposição defendem que o Congresso precisa agir na direção de uma nova formatação para o teto de gastos. A medida vai avançar com as bênçãos do PP, partido que sustentou a política de Jair Bolsonaro (PL) mas que já se colocou à disposição de Lula. O apoio do PT à recondução de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara, na eleição que será em fevereiro, esboçou os contornos da nova aliança.

Antes mesmo de o segundo turno da eleição sacramentar a vitória de Lula nas urnas, o atual líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), já havia alertado que o modelo atual do teto de gastos seria revisto, independentemente de quem vencesse o pleito. “Não podemos fazer de conta que não estamos vendo”, afirmou.

O vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição, Geraldo Alckmin (PSB), já defendeu que a nova política fiscal envolva a evolução da dívida pública. Ele chegou a afirmar que a PEC da Transição teria a previsão de uma revisão do teto em 2023, mas a proposta que começou a tramitar não traz esse dispositivo.

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