O projeto que aumenta a tributação de fundos fechados no Brasil e aplicações no exterior via "offshores" vai render menos dinheiro do que o governo esperava. Nas negociações para buscar a aprovação do texto no Congresso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve de aceitar algumas reduções de alíquotas.
Existia a expectativa de que o novo texto fosse votado ainda nesta terça-feira (17). Mas o presidente em exercício da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), decidiu adiar a votação para a próxima terça-feira (24), após o retorno do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
A principal alteração feita pelo relator da proposta, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), em relação ao projeto original do governo foi a redução na alíquota de tributação dos ganhos acumulados com essas aplicações até este ano.
Tanto nos fundos fechados quanto nas offshores, a tributação sobre o estoque de rendimentos foi reduzida de 10% para 6% pelo relator. Esse era o principal impasse entre congressistas e governo.
Com as mudanças, o governo tende a arrecadar menos do que gostaria com a nova tributação. Há quem veja risco até mesmo de queda nas receitas – nesse caso, não por causa das alterações feitas pelo Congresso, e sim pelo próprio espírito do projeto, que teria o potencial de afugentar investidores.
O aumento da tributação sobre essas duas modalidades de investimento compõe um pacote conhecido informalmente como "taxação dos super-ricos", por mirar aplicações acessíveis a pessoas de alta renda. A ideia do governo é arrecadar mais e assim tentar zerar o déficit primário em 2024, conforme estabelece o arcabouço fiscal.
O Projeto de Lei (PL) 4.173/23, que trata das offshores, estava parado na Câmara desde que foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no fim de agosto. No início de outubro, Lira designou o relator para fazer as alterações negociadas com o governo.
O deputado Pedro Paulo incluiu no texto final o conteúdo da medida provisória (MP) 1.184/23, que institui a tributação sobre os rendimentos de fundos fechados.
O relator cogitou incluir em seu texto novas regras para a tributação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), um tipo de remuneração que algumas empresas distribuem aos acionistas. Depois, no entanto, decidiu deixar o assunto de fora do texto final.
Com isso, a questão do JCP deve ser tratada mais adiante, na reforma tributária sobre a renda, assim como a tributação de lucros e dividendos.
Na semana passada, ao falar sobre o projeto, Pedro Paulo manifestou preocupação com as consequências da nova tributação.
“Como é que vai ser o movimento dos ativos, desses R$ 700 bilhões que são o estoque de investimentos nos fundos exclusivos? Um erro de calibragem e você pode ter um movimento que gera arrecadação no primeiro momento, mas mexe bastante no mercado de capitais", afirmou. "Com uma alíquota excessiva, você inviabiliza os fundos exclusivos e eles vão para outros ativos de longo prazo que têm algum tipo de incentivo tributário.”
Nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP) aponta para risco de queda na arrecadação – o oposto do pretendido pelo governo. Segundo a instituição, a taxação pode fazer com que contribuintes mais ricos deixem o país.
Segundo estimativa do CLP, se 3% dos 1% mais ricos do país tomassem essa decisão, haveria uma perda de arrecadação de R$ 4 bilhões por ano. Se 5% dos mais ricos saírem do Brasil, a perda chegaria a R$ 6,75 bilhões.
Votação teve idas e vindas e foi novamente adiada
A votação estava prevista para a semana do dia 4 de outubro, mas esbarrou na obstrução promovida pelos partidos de oposição, em protesto contra a suposta interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) em pautas do Congresso.
A votação foi então remarcada para o dia 24, após a volta de Arthur Lira ao país. Nesse meio-tempo, no entanto, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negociaram uma antecipação para esta terça com Marcos Pereira, presidente em exercício da Câmara.
Porém, a oposição não acreditava que a pauta fosse adiante sem a presença de Arthur Lira. E, de fato, em reunião nesta terça, lideranças partidárias lembraram do acordo para votar o projeto somente no dia 24. Com isso, Pereira acabou cedendo e remarcando a votação.
"Não pode haver risco de não aprovar”, disse o relator na última sexta-feira (13) à CNN. A votação tende a ser um teste para medir o comprometimento da base aliada com o governo após o ingresso de representantes do Centrão no comando de ministérios.
O que são fundos offshore e o que muda com o projeto
Os fundos "offshore" são as aplicações financeiras no exterior feitas por intermédio de empresas. Normalmente, os gestores moram no Brasil e as empresas têm sede em países com condições tributárias favoráveis.
Embora contem com cestas de ativos de vários países, tais aplicações são diferentes dos fundos internacionais, oferecidos pelos grandes bancos ou gestoras de investimentos renomadas, com acesso a mercados mais desenvolvidos.
Hoje o dinheiro investido no exterior é tributado somente no resgate ou no envio ao Brasil. Mas muitos investidores lançam mão de alternativas para evitar a taxação. Uma delas é aplicar o lucro em uma empresa em que o investidor tenha participação acionária no Brasil. Assim, ele pode resgatar o dinheiro na forma de dividendos, livre de impostos.
Na tentativa de evitar os dribles à tributação, o governo elaborou uma regra – mantida pelo relator na Câmara – estabelecendo que os rendimentos no exterior estarão sujeitos, a partir de 2024, a uma única tabela. O imposto será cobrado uma vez por ano sobre o lucro da aplicação, mesmo que não haja qualquer resgate.
Os rendimentos de até R$ 6 mil serão isentos. Entre R$ 6 mil e R$ 50 mil, a tributação será de 15%. Para lucros superiores a R$ 50 mil, será aplicada a alíquota máxima de 22,5%, a mesma utilizada para aplicações de curto prazo no país.
O relator, porém, tirou do cálculo de tributação das empresas no exterior os ganhos com a variação cambial, que constava da proposta original do governo.
O governo também havia proposto que os investidores atualizassem para valores de mercado seus bens e direitos no exterior, pagando 10% de imposto sobre o ganho acumulado até o fim deste ano. Essa alíquota foi reduzida pelo relator para 6%.
Com a mudança, a arrecadação deve ser menor que a esperada pelo governo. Inicialmente, a Fazenda estimava arrecadar R$ 7,05 bilhões em 2024; R$ 6,75 bilhões em 2025; e R$ 7,13 bilhões em 2026.
Fundos exclusivos passam a ser tributados no sistema "come-cotas"
Fundos exclusivos são aqueles em que há um único cotista, geralmente membros de um mesmo grupo ou família. Geridos por profissionais renomados, são diferentes dos chamados fundos condominiais, disponíveis para qualquer investidor.
Como todos os fundos, podem ser compostos por ativos de diferentes classes, mas pertencem a uma única cotista, como num clube de investimento. Personalizados e caros, abarcam valores iniciais entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões.
Com o projeto, o governo está mirando os fundos exclusivos fechados, aqueles em que o investidor não pode solicitar o resgate da aplicação a qualquer momento. Para reaver os recursos, ele precisa vender as cotas que possui para outra pessoa, como nos fundos imobiliários e ETFs.
Hoje os fundos exclusivos fechados são tributados apenas no resgate dos recursos, na venda de cotas ou na amortização (quando a ação é usada para quitar alguma dívida ou débito com a corretora). A grande vantagem é a isenção do chamado "come-cotas". Esse benefício vai acabar caso o projeto seja aprovado pelo Congresso.
Se o PL passar, os fundos fechados serão tributados com o come-cotas, como já ocorre com os fundos convencionais. Esse mecanismo funciona como uma antecipação do Imposto de Renda. É cobrado automaticamente a cada seis meses, no último dia útil de maio e novembro, mesmo que não haja saque de recursos.
Para os fundos de curto prazo, composto por ativos com vencimento médio de até um ano, o projeto prevê alíquota de 20% sobre os rendimentos. Para prazos mais longos, com vencimento médio superior a um ano, a alíquota do come-cotas será de 15%.
A ideia do governo é equiparar as tributações dos diferentes fundos. Hoje, sem a incidência do come-cotas, o retorno para quem põe dinheiro num fundo fechado pode ser até 30% maior, segundo especialistas. Isso porque o valor que seria tributado periodicamente em outros investimentos continua rendendo.
Além de instituir o come-cotas, o governo pretendia cobrar um tributo sobre os ganhos acumulados nos fundos fechados até o fim de 2023. A alíquota sobre esse estoque seria de 10% ou 15%, a ser paga de forma parcelada – o governo havia proposto duas opções, com tributação maior sobre o parcelamento mais longo.
Também nesse caso, o relator baixou a alíquota para 6%. E permitiu que esse tributo seja pago em 24 prestações mensais a partir de 31 de maio de 2024, que era o parcelamento mais longo admitido pelo governo.
Tributação dos fundos exclusivos já estava no radar em governos anteriores
Não é a primeira vez que o governo federal tenta tributar os fundos exclusivos. Em 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) instituiu, por medida provisória, a cobrança a cada do IR sobre tais fundos. Mas o Congresso resistiu e a MP acabou perdendo a validade.
No governo de Jair Bolsonaro (PL), a proposta foi incluída no projeto de reforma tributária que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou ao Congresso em 2021. Novamente a tributação não avançou.
No projeto atual, apresentado pelo ministro Fernando Haddad, a projeção inicial de arrecadação era de R$ 3,21 bilhões para 2023; de R$ 13,28 bilhões para 2024; de R$ 3,51 bilhões para 2025; e de R$ 3,86 bilhões para 2026.
Mesmo sem a redução da alíquota sobre os ganhos acumulados, analistas de mercado já consideravam as projeções de receita do governo superestimadas. Eles apontam que os ganhos com a tributação retroativa vão ocorrer uma vez só, e avaliam que a arrecadação com a tributação semestral a partir de 2024 tende a ser pouco significativa.
Outras mudanças e exceções tributárias ainda estão em discussão
Com relação aos fundos exclusivos fechados, há ainda alguns pontos em discussão. Parlamentares querem garantir a isenção do come-cotas semestral em duas situações: a do investidor não residente no Brasil que investir num fundo de investimento no país; e em fundos que investirem mais de 95% de sua carteira em Fundo de Investimento Imobiliário (FII) e Fundo de Investimento no Agronegócio (Fiagro), que não pagam IR, e em Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
Os FIIs são compostos por investimentos do setor imobiliário, como hospitais, shoppings, prédios comerciais, ativos. Por meio desses papéis, o investidor se torna "dono" de partes dos imóveis. O Fiagro é um destinado a investidores que querem diversificar a carteira de FIIs no setor agropecuário. E o FIDC é formado investidores que aplicam no mínimo 50% da carteira em créditos que as empresas têm a receber, como aluguéis e duplicatas.
O texto final do PL ainda prevê a redução do número de cotistas para isenção de Imposto de Renda sobre os dividendos distribuídos pelos FIIs, que são acessíveis a pequenos investidores.
Atualmente, o benefício é garantido para carteiras com mais de 50 cotistas. A proposta original do governo elevava o número para 500 acionistas. O objetivo era impedir a isenção do IR para estruturas privadas destinadas a um público seleto, e conceder o benefício aos fundos maiores e mais populares. O relator propôs equilibrar o número em 300 cotistas. Também estabeleceu um prazo para que os fundos se adaptem à nova regra.
Após a publicação desta reportagem, a Câmara desmarcou a votação que estava prevista para esta terça-feira (17), transferindo-a para o dia 24. O texto já foi atualizado.
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