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Lula e o ministro do trabalho, Luiz Marinho: projeto costurado por governo, centrais sindicais e confederações patronais cria nova contribuição a ser descontada do salário dos trabalhadores, sindicalizados ou não.
Lula e o ministro do trabalho, Luiz Marinho: projeto costurado por governo, centrais sindicais e confederações patronais cria nova contribuição a ser descontada do salário dos trabalhadores, sindicalizados ou não.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por meio de portarias, projetos de lei e, especialmente, da colaboração do Poder Judiciário, aos poucos, a agenda sindical do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai avançando. O afago aos antigos "companheiros" de jornada vem sendo observado desde o início do atual mandato, seja por meio de indicações para cargos no governo ou pelo atendimento às demandas das entidades.

Neste sentido, a mais recente iniciativa foi a portaria 3665, assinada na última terça-feira (14) pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que altera a regra para o expediente no setor de comércio nos dias de feriado.

Anteriormente, a regra estabelecida no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) concedia autorização permanente de funcionamento aos domingos e feriados para o comércio em geral, desde que respeitada a jornada estabelecida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Agora, os funcionários do segmento só poderão trabalhar nos feriados com autorização pela Convenção Coletiva de Trabalho. Na prática, a medida dá mais poder aos sindicatos, responsáveis pelas negociações das diversas categorias.

"Trata-se de um movimento do governo para valorizar o instrumento de negociação sindical", afirma a advogada Mariana Siqueira, do escritório Madrona Fialho, membro da Comissão de Trabalho da OAB.

Defensora das negociações coletivas, ela ressalta que a portaria incorpora o objetivo de trazer uma grande parcela empresas para a base dos sindicatos.

"A maioria das grandes empresas já possui acordos e convenções coletivas que possibilitam o trabalho aos feriados. Mas grande parte dos pequenos e médios empreendedores não são sindicalizados. É uma forma de trazer essas empresas e seus empregados para a tutela das entidades", avalia.

Portaria atropela discussão e gera críticas de agentes públicos e privados

Na avaliação da advogada, a revogação vai na contramão do espírito de negociação direta entre patrões e empregados, além de ter sido feita sem discussão com os setores envolvidos. Desde a publicação, a portaria recebeu uma série de críticas de agentes públicos e privados.

Senadores da oposição manifestaram sua contrariedade nas redes sociais. Rogério Marinho (PL-RN) disse que a mudança na regra é um “ataque” contra a economia, “prejudica trabalhadores e empregadores” e é mais uma medida do governo Lula “a favor do velho e carcomido peleguismo sindical”.

Ciro Nogueira (PP-PI) escreveu no X (antigo Twitter) que o governo do PT "decidiu na calada do fim do ano aumentar os custos de 5,7 milhões de empresas do setor do comércio com uma canetada que passa a exigir autorização de sindicatos – para empoderar sindicalistas – no caso do trabalho aos finais de semana". Os senadores pretendem propor alternativas para reverter os efeitos da portaria.

Entre agentes privados, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) criticaram a iniciativa por meio de nota. Para a Abras, trata-se de "um cerco à manutenção e criação de empregos, o maior desafio do século na geração de renda e valor para a sociedade brasileira".

A CNC, principal representante do setor terciário do país, salientou que a medida desconsidera que atividades do comércio "constituem essenciais e de notório interesse público" e que a portaria "contribui para gerar um clima de insegurança jurídica num momento em que o país "necessita urgentemente de retomar a pujança na sua economia".

Do lado sindical, a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) celebrou a medida, que, segundo nota, foi resultado de uma articulação das entidades sindicais e confederações, que defenderam, junto ao ministro Luiz Marinho, a necessidade de “reparar um erro histórico” que, de acordo com a confederação, “começou no governo de Michel Temer, quando foi desrespeitada a legislação que garantia o direito dos trabalhadores do comércio de negociar as condições de trabalho em feriados”.

Sindicalismo é berço do PT e cobrou espaço no governo

Movimento fundador do PT, o sindicalismo foi um grande apoiador da eleição de Lula e tem cobrado a fatura desde então. O mandatário, por sua vez, nunca se esqueceu de suas origens nem dos antigos aliados.

Para o primeiro escalão, nomeou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), para levar adiante a ideia de revogar a Reforma Trabalhista do governo Temer, que extinguiu o Imposto Sindical obrigatório e desidratou os cofres das entidades.

De braço dado com as centrais sindicais, o ministro passou o ano inteiro discutindo as novas formas de financiamento das entidades. Para isso, ele contou com a ajuda do Supremo Tribunal Federal, que liberou, em setembro deste ano, a cobrança de contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados, estabelecendo que a taxa poderá ser cobrada “desde que assegurado o direito de oposição”.

O entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, no julgamento na Corte foi seguido por nove ministros, numa mudança de jurisprudência da Corte, que até então considerava inconstitucional o desconto no salário de quem não fosse sindicalizado.

Centrais de trabalhadores e patronais desenham nova contribuição

Paralelamente à decisão do STF, um grupo criado pelo Ministério do Trabalho costura, desde abril, com centrais sindicais e confederações patronais, um projeto de lei (PL) que cria uma nova contribuição a ser descontada direto dos salários dos trabalhadores.

Não se trata da mesma contribuição permitida pelo STF e nem, segundo o governo, uma reedição do Imposto Sindical extinto, que era compulsório, pago uma vez por ano, e com valor correspondente a um dia de trabalho.

"É uma contribuição muitíssimo mais ampla que a assistencial, aprovada pelo Supremo, que também está na CLT", afirma Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum das Centrais, que integra o grupo de trabalho.

Ela será vinculada à realização de acordos de reajuste salarial entre patrões e empregados. O principal impasse foi a divisão dos recursos entre as entidades, mas a previsão é que o anteprojeto seja enviado ao Congresso ainda neste ano.

Luiz Marinho chegou a manifestar descontentamento com o julgamento do Supremo, alegando que as contribuições seriam confundidas. De fato, não é tarefa simples justificar tantos descontos no salário do trabalhador.

Grupo de trabalho tem vício de origem e não mudará estrutura sindical

O grupo de trabalho criado pelo governo deveria também, em tese, atualizar a estrutura sindical, considerada arcaica e corporativista por especialistas no tema. "Temos um sistema inspirado no modelo fascista italiano, onde o Estado busca controlar as relações de trabalho", afirma Antônio Galvão Peres, professor do Insper.

Para ele, o problema central do financiamento das entidades, já conhecido, é a falta de liberdade do trabalhador para escolher o sindicato que o representa. A unicidade sindical, prevista na Constituição, permite a existência de apenas um sindicato por categoria de trabalho, o que faz dos trabalhadores um mercado cativo.

O grupo do governo, acredita Galvão, tem um vício de origem, já que é formado apenas por entidades sindicais e patronais já estabelecidas.

"Para reformar a atual estrutura, deveriam estar incluídos estudiosos, acadêmicos e pesquisadores das relações de trabalho", afirma. Um grupo composto exclusivamente pelas partes beneficiadas não vai modificar uma estrutura para se privar de poder", constata o professor.

Outros sindicalistas foram designados para estatais e órgão públicos

Já no primeiro mês de governo, Lula e o PT atuaram fortemente pela nomeação de sindicalistas no recriado "Conselhão", o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável. Aos poucos, o presidente foi acomodando outros nomes.

Para o comando do Serviço Social da Indústria (Sesi), Lula indicou Vagner Freitas, ex-presidente da CUT, que ganhou destaque nas manifestações contra o impeachment de Dilma Rousseff, quando defendeu “ir para as ruas entrincheirados, com arma na mão" para defender o mandato da petista.

Freitas é dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, berço histórico de fundadores e dirigentes do PT, como os ex-ministros Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, todos envolvidos em investigações como a Operação Lava Jato.

Também oriundos do Sindicato dos Bancários vieram dois novos presidentes de fundos de pensão. O maior deles, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, passou a ser chefiado por João Luiz Fukunaga, indicado pela presidente do banco, Tarciana Medeiros.

Para o fundo de pensão dos Correios, o Postalis, Lula nomeou Camilo Fernandes dos Santos, ainda presidente honorário do Sindicato dos Bancários. Ambos os fundos de pensão foram investigados pela Operação Greenfield por suspeitas de fraudes bilionárias.

Para as diretorias da Petrobras, que pagam salário médio de R$ 50 mil, Jean Paul Prates designou integrantes de entidades sindicais do setor. Entre eles, José Maria Rangel, integrante da Federação Única dos Petroleiros (FUP), filiada à CUT. À frente da diretoria de obras sociais da petroleira, ele comanda um orçamento de R$ 450 milhões.

Além da dedicação aos companheiros, o governo Lula investiu no relacionamento com as centrais sindicais, especialmente a CUT, a mais antiga e profundamente identificada com o PT, atendendo a pautas como o reajuste da tabela do Imposto de Renda e o aumento do salário mínimo acima da inflação, que devem aumentar o déficit primário, já estimado acima da regra do novo arcabouço fiscal do governo.

Sindicatos da Educação também tiveram demandas atendidas

O atendimento a demandas sindicais chegou também às entidades ligadas à Educação, as quais vem pedindo, há tempos, a revogação do novo ensino médio. Recentemente, o governo Lula, por meio do Ministério da Educação, cedeu às pressões e apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei com alterações do modelo que vão na direção contrária às políticas internacionais de educação.

Apresentado pelo ministro da Educação, Camilo Santana, o projeto retoma a distribuição e carga horária de matérias de formação básica que existiam antes da reforma, que deu possibilidade de o aluno optar pela educação técnica ou por aprofundar em áreas específicas do conhecimento.

A ideia era melhorar a qualidade das disciplinas, evitar a evasão dos alunos com conteúdos direcionados à sua área de interesse e, ao mesmo tempo, facilitar a oferta da educação técnica. Para os sindicatos, esse modelo prejudica professores, já que a oferta de disciplinas dependeria mais da escolha dos alunos.

Com o retorno ao chamado “currículo enciclopédico”, todas as disciplinas com poucas horas cada uma, os professores também serão menos exigidos em formação e desempenho, sem a necessidade de envolvimento em projetos interdisciplinares.

Na avaliação da especialista em educação e presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, a interrupção da reforma do ensino médio, em abril, abriu espaço para os interesses corporativistas. “Foi correto o freio de arrumação, mas eu acho que algumas falhas precisam ser corrigidas pelo Congresso. A principal é que eles se renderam parcialmente às pressões dos sindicatos”, disse à Gazeta do Povo .

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