Rio de Janeiro Quem tem blog sabe: certos comentários são como um tiro no coração, tamanha a falta de civilidade de alguns visitantes. Os sem-educação são tantos que os mais virulentos já ganharam o epíteto de "trolls" (algo como "ogros"). O assunto ganhou as manchetes online recentemente, quando a especialista em inteligência artificial Kathy Sierra recebeu comentários ameaçando-a de morte por asfixia e de violências sexuais. "Não quero pertencer a uma cultura a blogosfera onde esse tipo de coisa é considerada aceitável", escreveu Kathy, indignada, em seu blog.
O post levou o editor Tim O'Reilly a propor um código de conduta para blogueiros e visitantes, que logo ganhou um site "wiki", abrindo ainda mais o debate. Os tópicos iniciais (no quadro ao lado) mostraram-se polêmicos e suscitaram reações variadas. Para a advogada e webdesigner Andréa Augusto, dona do blog Literatus, trata-se de mais uma amarra. "Sou contra qualquer coisa que comece com 'conduta', 'código' e afins na internet", afirma Andréa. "Aqui fora já precisamos seguir muitas regras de conduta. Mas dentro da internet minha esperança é que a liberdade, sobretudo de expressão, seja bem usada, segundo a consciência de cada um."
Paulo Couto, responsável pelo site FórumPCs, acha a iniciativa louvável, lembrando que os conflitos acontecem também em comunidades online. "Um código de conduta é sem dúvida uma boa idéia para moralizar a participação", pondera. "Porém notei que na maioria dessas discussões sobre o código há interesses muito específicos que parecem restringir a liberdade de opinião, ou pelo menos fornecer ferramentas para que a opinião seja contida a limites 'aceitáveis' que são absolutamente subjetivos."
Para ele, um código de conduta online deve ser amplo o suficiente para não restringir a liberdade de expressão e "ao mesmo tempo restrito o suficiente para coibir crimes como difamação, denúncias sem fundamento ou exposição de dados sigilosos de terceiros".
Edney Souza, editor do blog InterNey, fez um longo post sobre o assunto. Para Edney, "um dos principais problemas do código é querer tomar as rédeas da Justiça em alguns pontos. (...) No próprio wiki há um código alternativo muito mais coerente que o de O'Reilly: Seja cortês. Dê informação precisa, com o intuito de ajudar. Discorde, sempre, respeitosamente. Use o local apropriado para o seu post. Admita a possibilidade de falha e respeite diferentes pontos de vista. Se errar, responsabilize-se por suas ações."
"O recrudescimento de certas manifestações em caixas de comentários pode ter a ver com o crescimento em proporção geométrica dos blogs e com a superexposição que o fator 'opinião' encontra neste cenário", diz Nelson Moraes, editor do blog "Ao Mirante, Nelson". "Tanto que, hoje, agentes passivos de blogs (leitores e comentadores) tentam virar o jogo para se tornar ativos, seja antagonizando as opiniões expressas nos blogs, seja fustigando ou mesmo ameaçando nominalmente os blogueiros."
Moraes acha que o bom senso e a própria lei seriam os caminhos naturais para resolver a questão. Já o advogado Ronaldo Lemos, coordenador do Creative Commons no Brasil, diz que a iniciativa é importante por ser voluntária e lembra que a falta de regras e de espírito de comunidade pode destruir iniciativas na rede. "Veja a Usenet, uma das primeiras iniciativas colaborativas da rede", diz Ronaldo. "Graças às inúmeras guerras de e-mail, spams e outras condutas abusivas, ela decaiu até perder toda a sua importância."
Segundo Lemos, estabelecer um código objetivo pode ser uma forma de evitar que condutas abusivas ponham em risco toda a importância dos blogs. "Até porque uma tendência muito clara dos tribunais (especialmente no Brasil) é de responsabilizar os blogueiros por comentários feitos pelos usuários do site. E, por outro lado, um blogueiro que retira comentários dos usuários injustificadamente acaba sendo acusado de censura."
O código, diz, seria o fiel da balança, com regras objetivas guiando os blogueiros. " Sendo uma sugestão de política para ser implementada pelo próprio dono do blog, não é censura", arremata André Kischinevsky, diretor do Instituto de Formação Internet. "É um debate válido para discernir o que é ou não aceitável."



