
O ponto de ônibus mais próximo da casa da agricultora Miraíta Mattos, que mora na zona rural de Doutor Ulysses, na divisa do Paraná com São Paulo, fica a quatro quilômetros da pequena casa de madeira onde vivem ela e o filho mais novo. Lá naqueles rincões do Vale do Ribeira, aonde só se chega à custa de algumas léguas de sobe-e-desce pelos morros da região, o ônibus que leva à cidade passa apenas às quintas-feiras. Fazer o trajeto de ida e volta custa R$ 16 aos moradores. É muito para alguém que vê a cor do dinheiro uma vez ao ano, como via Miraíta.
A agricultora, assim como outros tantos da região, planta apenas para sobreviver. "Só quando sobra um pouquinho é que a gente vende, mas isso é uma vez ao ano", conta. Os que não vivem como ela investem no cultivo do poncã. Durante três meses ao ano, esses agricultores podem receber até R$ 50 por dia pela colheita, mas nos outros nove meses a renda é praticamente nula. É difícil sobrar dinheiro, mesmo para pequenos gastos. Ou era ao menos para grupos que encontraram no artesanato uma alternativa à penúria da roça.
Miraíta Mattos faz parte de um desses grupos. Há dois anos, a agricultora cutucou as amigas para vender artigos de bambu. Em 2006, ela e outras quatro mulheres produziram algumas dezenas de peneiras e cestos e foram à sua primeira feira, por incentivo do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). "Foi coisa mais linda o que vendemos", relembra Miraíta. Surgiu ali o grupo Arte da Lagoa.
"No começo, era tudo malfeito, feio mesmo! Jogamos tudo aquilo fora!", exclama a fundadora do grupo, que recebeu a assessoria do Sebrae/PR e da ONG Aliança Empreendedora para desenvolver os novos produtos. Dos balaios grandes e desengonçados, o grupo chegou aos cestinhos de R$ 3 que servem como porta-moedas ou porta-jóias e que hoje são o carro-chefe das mulheres. Todo mês, o grupo consegue de R$ 100 a R$ 200 com as vendas. "Antes, era uma vez ao ano que víamos um trocadinho. Agora, é uma por mês, isso quando não é uma vez por semana", alegra-se Miraíta.
Fim da exclusão
Os trocados do artesanato garantem o fim da exclusão por que passa boa parte do agricultores do Vale do Ribeira, isolados em pequenas propriedades entre morros. "Parece que eles estão num mundo onde o capitalismo não chegou", conclui o assessor Guilherme Silveira, da Aliança Empreendedora. Esse isolamento é um fato que pesa contra a inclusão dos agricultores na sociedade.
A família de José Moura e Costa, por exemplo, não conseguiria comprar o computador que tem hoje se não fosse a renda do artesanato. O agricultor de 31 anos vive em uma área rural de Cerro Azul, também no Vale do Ribeira, e participa de um grupo que trabalha com produtos de bambu, criciúma e taboa o Tecendo Histórias. O projeto existe há quase quatro anos, e beneficia oito famílias.
As vendas rendem cerca de R$ 200 por mês, um lucro que segue para a poupança (ou para a gaveta) de cada um. Foi essa prática que garantiu o computador e uma geladeira à família de José. "A Maria é uma guardadeira de dinheiro", fala José sobre a esposa, Maria Nascimento Costa, que atribui a capacidade de poupar ao fato de a renda de R$ 4 mil da colheita do poncã só vir uma vez ao ano. "Tem que armazenar para o ano inteiro", diz ela.
Entre as outras famílias que integram o Tecendo Histórias, poupar também é uma prática, mas a renda do artesanato ajuda ainda em despesas básicas, como material escolar e comida. A agricultora Luzia Halpes, por exemplo, usa o dinheiro para comprar remédios e para as despesas com os seus quatro filhos, mas conseguiu poupar para começar a construir uma casa de alvenaria.
Para José, a diferença não está apenas na renda, mas também nas oportunidades que o grupo lhe proporcionou. "Se eu não estivesse aqui, dificilmente teria terminado minha oitava série, porque eu estaria só na roça", comenta ele. Todos os outros integrantes do grupo têm, no máximo, a quarta série do ensino fundamental. José também lembra que já conheceu outras cidades, como Curitiba e Brasília, e vai, no final do mês, ao Rio de Janeiro, participar de uma feira nacional de economia solidária. "Até curso de informática eu fiz, porque vinha o computador. Já pensou, chegar aqui e nem saber ligar? Ia ficar feio."



