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Vitória de Trump evidencia aumento do sentimento antiglobalização

Retórica vitoriosa do republicano na eleição americana desnuda os anseios de parte da população mundial que se sente marginalizada pela livre circulação de produtos e pessoas

Ilustração: Osvalter Urbinati |
Ilustração: Osvalter Urbinati (Foto: )

Foi emblemático. Ainda em abril, o então candidato republicano Donald Trump subiu em um palanque nos arredores da fábrica da Ford em Michigan. Ao seu estilo, bradou sobre o lado “ruim” da imigração e os malefícios do livre-comércio. Ameaçou a montadora, que acabava de anunciar uma fábrica no México – taxaria em 35% os carros produzidos para lá da fronteira.

Foi uma tacada certeira rumo à cadeira mais confortável da Casa Branca. E mais um punhal cravado no peito da globalização. A fatia mais considerável do êxito de Trump se deve justamente ao discurso populista que encantou aqueles que se sentem marginalizados pela circulação de bens e pessoas entre os países. Eleitores de estados desindustrializados, como Michigan e Ohio, algo que o Huffington Post chamou de “Brexit do meio-oeste”, formaram sua sólida base eleitoral.

Confira pontos cruciais para a “onda antiglobalização”

A comparação é pertinente, já que a saída do Reino Unido da União Europeia (o Brexit), define Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da USP, mostrou a força que o movimento antiglobalização está tomando. “Esse indicativo incentiva parceiros políticos em outros lugares. Quem sabe França, Japão e China não começam a adotar posturas semelhantes”, projeta Lehmann.

Tão logo saiu o resultado, o ex-líder da Frente Nacional da França Jean-Marie Le Pen postou no Twitter: “Hoje os Estados Unidos, amanhã a França”. Sua filha, Marine Le Pen, de posições claramente protecionistas, desponta na França como grande nome para as eleições presidenciais de 2017. Na Alemanha, a oposição a Angela Merkel também se fortalece.

“É interessante notar, aliás, que o processo de recuo da globalização já vinha ocorrendo, como vem alertando a Organização Mundial do Comércio (OMC). Nos anos 1990, o comércio global crescia pelo menos um ponto porcentual acima do PIB mundial. Foi uma fase de liberdade de movimento de capitais, da consolidação da União Europeia (UE) e do fim de barreiras comerciais. Hoje, o comércio já cresce igual ao PIB. Na China, cuja ascensão se deu por meio de exportações, o comércio está perdendo parte da importância, e a economia está se voltando para o mercado interno”, disse o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni à Agência O Globo. “A discussão é o esgotamento e até a reversão da globalização”, disse.

Bode expiatório

Culpar a globalização tem sido a saída mais fácil para arrebanhar os descontentes. “É um discurso sob medida para essa classe que está contestando o establishment. O contrato social do governo com o povo foi quebrado. O cara pensa ‘está todo mundo dando ordem, fazendo acordos, enriquecendo, mas cadê o emprego do cidadão americano?’”, diz Sérgio Itamar, professor de análise de riscos da Isae/FGV. Só que, levantar as barreiras comerciais, ele aponta, sempre foi muito mais benéfico do que maléfico.

Estudo da The Economist usando dados das Nações Unidas e órgãos privados mostra por exemplo que o crescimento econômico dos países em desenvolvimento – aqueles que receberam muitas das fábricas saídas dos países ricos – tirou milhões de pessoas da pobreza extrema entre os anos 1990 e 2000.

Da mesma forma, para os países abonados, a globalização barateou os processos de produção e garantiu a estas nações um poder de compra que enalteceu os brios consumistas. Ainda segundo a Economist, estudos feitos em 40 países apontam que o poder de compra dos moradores de países ricos cairia 28% se a globalização fosse revertida. Pior para a classe média-baixa, que teria perda de 63%. Não só isso, o mercado exportador é significativo e um bom empregador. Inclusive nos Estados Unidos.

Moderação

A globalização, porém, não ofereceu uma saída para algo bem mais pragmático. Números do Departamento de Trabalho dos EUA apontam que a indústria norte-americana emprega hoje 12,2 milhões de trabalhadores. É 37% menos que os 19,5 milhões de 1979, uma época em que a população do país era quase um terço mais enxuta. E não oferece a saída porque talvez esse não seja seu papel.

“A incompetência dos países em cuidar de sua política interna é que complica as coisas”, resume Sérgio Itamar. “A globalização leva a crescimento, tem efeito líquido positivo, mas não resolveu a desigualdade. Estamos falando de investimento em capital humano. Isso depende de políticas públicas, que variam de país para país”, acrescenta Langoni.

A globalização sai enfraquecida e, possivelmente, a troca entre os países não volte ao patamar da última década. Pactos como o Acordo Transpacífico (TPP) e Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta) dificilmente se sustentarão. O que não significa que ela vá morrer.

“A globalização é um caminho sem volta. Não vai acontecer uma virada. Os países não tem como viver sem ela. A questão é que os acordos serão mais bem mapeados. Haverá sim uma proteção dos produtos internos”, projeta Itamar. “Mas o que mais se tira disso tudo é que o povo mandou seu recado: ‘somos nós quem mandamos. E não estamos satisfeitos”, conclui.

A globalização leva a crescimento, tem efeito líquido positivo, mas não resolveu a desigualdade. Estamos falando de investimento em capital humano.

Carlos Langoni ex-presidente do Banco Central.

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