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Ricardo Vélez Rodriguez, na Universidade Positivo, em Londrina, nesta segunda-feira (26) | Fábio Calsavara /Especial para a Gazeta do Povo
Ricardo Vélez Rodriguez, na Universidade Positivo, em Londrina, nesta segunda-feira (26)| Foto: Fábio Calsavara /Especial para a Gazeta do Povo

Ao aceitar falar rapidamente com a Gazeta do Povo antes de participar de uma reunião na Universidade Positivo, em Londrina (PR), nesta segunda-feira (26), Ricardo Vélez Rodriguez vai logo avisando: detalhes sobre o seu projeto de trabalho, “somente quando tomar posse do Ministério da Educação”, cargo para o qual foi confirmado na semana passada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro.

O futuro ministro afirmou que essas propostas, segundo ele, “estão sendo analisadas pelo grupo de transição”, portanto sujeitas a alterações. Mas ele e Bolsonaro é que darão a palavra final. Se poderia dar algumas dicas sobre o que propõe, é categórico: “Leiam o que escrevi”.

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Até lá, portanto, teremos que nos contentar com o que revelou sobre suas ideias gerais, em seu blog e na imprensa. Ideias que tornou públicas quando, no dia 7 deste mês, Olavo de Carvalho, mentor ideológico de Bolsonaro, cometeu a indiscrição de anunciar que havia indicado o amigo para a Educação. Parêntese: Vélez Rodriguez, que se mudou para o Brasil em 1979, é filósofo de formação, graduado pela prestigiada Pontifícia Universidade Javeriana de Bogotá, onde nasceu, tendo atingido todos os graus acadêmicos, entre eles o doutorado em Filosofia pela Universidade Gama Filho e o pós-doutorado pelo Centro de Pesquisas Políticas Raymond Aron, de Paris. Olavo de Carvalho é um autodidata. Fecha parêntese.

Após a confirmação feita por Bolsonaro, suas manifestações à imprensa aumentaram. Em entrevistas, afirmou que o texto do Escola sem Partido deve ser aprovado pelo Congresso Nacional com um texto mais moderado. Criticou o custo alto das universidades públicas brasileiras, mas nega a intenção de privatizar essas instituições. Quer meritocracia no ensino público e adotar o ensino a distância na educação básica, mas de maneira complementar, “o professor é insubstituível”. Defende a aproximação do setor produtivo com as instituições de ensino em troca de desonerações fiscais.

Origem do pensamento

Todas essas ideias estão em sintonia com o respeito que Vélez Rodríguez tem à Escola Nova, cujos princípios promete pautar sua atuação no comando do ministério, e seu culto a Anísio Teixeira, que personifica em território nacional essa corrente pedagógica. Teixeira foi inspetor-geral de ensino na Bahia, estado em que nasceu, secretário de Educação do Rio de Janeiro, onde reformou o ensino do nível fundamental ao universitário, fundador da Universidade do Distrito Federal e consultor da Unesco para educação.

A Escola Nova nasceu na Europa, a partir das ideias do suíço Adolphe Ferrière, contagiou os Estados Unidos e chegou ao Brasil em 1882 por intermediário de Rui Barbosa. Essa corrente educacional exerceu grande influência nas mudanças promovidas no ensino na década de 1920, marcada por transformações sociais, políticas e econômicas.

Ensino público, livre e aberto como forma de enfrentar as desigualdades sociais formam o eixo central da Escola Nova, que preconiza a autonomia moral do educando por meio da reflexão e não pela repetição.

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Esses fundamentos foram destroçados pelo Estado Novo, como é conhecido o regime ditatorial de Getúlio Vargas que vigorou de 1937 a 1945, em que os interesses do Estado se impuseram aos do cidadão.

Getúlio utilizou a educação como meio de propaganda política e consolidação do seu regime ditatorial. Gustavo Capanema, o ministro da área, defendia que a educação era um dos “instrumentos do Estado e deveria ser regida pelo sistema de diretrizes morais, políticas e econômicas que formam a base ideológica da Nação e que, por isto, estão sob a guarda, o controle ou a defesa do Estado”.

“O ministério transformou-se no organismo central de controle e fiscalização da educação, em tudo equivalente a um cartório nacional”, protestou Anísio Teixeira. O educador submergiu durante a ditadura de Vargas para reaparecer após a democratização como secretário de Educação de Octávio Mangabeira, governador da Bahia, e diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep).

Vélez Rodriguez desenvolveu uma carreira acadêmica sólida, iniciada em 1968 na Pontifícia Universidade Católica Bolivariana de Medellín como professor de Literatura, Teoria Literária e Filosofia, e escreveu cerca de 30 livros sobre filosofia e pensamento político brasileiro do século 19 ao 21. Foi professor da Universidade Estadual de Londrina, Gama Filho, Federal do Rio de Janeiro, Federal de Juiz de Fora, etc. – e está na iminência de fechar sua banca na Universidade Positivo de Londrina, onde voltou a morar há cinco anos.

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Numa de suas manifestações após ser indicado para o comando do Ministério da Educação, afirmou: “Enxergo, para o MEC, uma tarefa essencial: recolocar o sistema de ensino básico e fundamental a serviço das pessoas e não como opção burocrática sobranceira aos interesses dos cidadãos, para perpetuar uma casta que se enquistou no poder e que pretendia fazer, das Instituições Republicanas, instrumentos para a sua hegemonia política”. Traduzindo para o vernáculo: a escola tem de ensinar e não ser instrumento de poder.

Segundo ele, é preciso “refundar” o sistema de ensino, tarefa que exige “enquadrar o MEC no contexto da valorização da educação para a vida e a cidadania a partir dos municípios, que é onde os cidadãos realmente vivem”.

O princípio vai ao encontro de uma frase de Bolsonaro, que Vélez Rodriguez utiliza como diretriz básica de seu futuro trabalho: “Mais Brasil, menos Brasília”. Isto é, a descentralização do ensino de acordo com as características sociais, econômicas e culturais dos municípios e regiões – ou suas idiossincrasias, como ele define - em contraponto às regras frias e uniformes do governo federal.

“Aplicaremos o princípio aristotélico de educar de baixo para cima e não de cima para baixo”. Ou: “Vamos resgatar a proximidade do cidadão com o sistema educacional”.

Na Colômbia

A trajetória de Vélez Rodríguez foi moldada pela turbulência política e social de seu país, pelo fim do regime militar brasileiro e o processo de redemocratização, iniciado com a posse de José Sarney, em 1985, como presidente.

Ele tinha cinco anos quando eclodiu o “Bogotazo”, rebelião popular provocada pelo assassinato, em 1948, do candidato liberal à presidência Jorge Eliécer Gaitán, assassinato que marcou o início do período conhecido como “A violência”, pano de fundo do romance “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Márquez. Dessa convulsão surgiram os movimentos guerrilheiros de esquerda, dos quais as FARC foram os mais ativos e longevos – assinaram somente há dois anos o acordo de paz com o governo . E, para tumultuar ainda mais o ambiente, surgiram na década de 1970, para conflagrar o país na seguinte, os cartéis de narcotraficantes.

Em 1978, Vélez Rodriguez decidiu trocar a Colômbia pelo Brasil – mudança que se efetivaria em janeiro do ano seguinte – depois que 18 colegas da Universidade Bolivariana de Medellín foram assassinados pelos traficantes. “Inclusive um amigo, de quem gostava muito”.

Os governos Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso inspiraram tomadas de posição críticas dele em artigos para publicações especializadas e veículos da grande imprensa, entre eles O Estado de S. Paulo, para o qual escrevia com mais regularidade. Mas nenhum governo recebeu críticas tão veementes como os de Lula e Dilma, que resumiu num de seus livros, “A grande mentira: Lula e o patrimonialismo petista” (Vide Editorial, 2015).

Vélez Rodriguez interpreta assim a ação dos governos petistas no âmbito educacional: os brasileiros se tornaram “reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista, travestida de ‘revolução cultural gramsciana’, com toda a coorte de invenções deletérias em matéria pedagógica como a educação de gênero, a dialética do ‘nós contra eles’ e uma reescrita da história em função dos interesses dos denominados ‘intelectuais orgânicos’, destinada a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo.” Esse legado petista, portanto, se depender dele, afirma, deve ser erradicado.

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