Desde o início da pandemia, publicamos apenas um pequeno artigo sobre cientometria, explicando a posição da USP em rankings internacionais de impacto. Resolvemos tratar novamente de um tema abordado em fevereiro deste ano. Trata-se da hipótese de o Brasil poder chegar ao último lugar do mundo em 2023 com relação ao impacto científico relativo, considerando países que indexam pelo menos 3000 publicações por ano na principal base científica mundial. Esse estudo foi amplamente noticiado em fevereiro deste ano pela Gazeta do Povo.
Que previsão é essa? Seria exagero? Essa hipótese foi lançada após analisarmos o indicador Rank Score de impacto entre 2005 e 2018 a partir de dados extraídos da plataforma SCImago Journal & Country Rank (SJR). Desse modo, foi possível vislumbrar o que poderia ocorrer no futuro próximo se as condições permanecerem como estão.
Primeiramente, é necessário conhecer a metodologia. Estabelecemos um ranking de países com base em citações por publicação (CPP). Calculamos a nota (score) de cada país a partir desse ranking, atribuindo 0 ao país que se encontra em último lugar e 10 para o país que se encontra em primeiro. Esse score é imprescindível para estabelecer comparações ano a ano, tendo em vista a tendência mundial de aumento de publicações científicas. Por exemplo, 48 países publicaram pelo menos 3 mil artigos científicos em 2005. Em 2017, mesmo diante dessa quantidade mínima de publicações anuais, a amostra passou a ter 70 países. Quanto ao impacto científico em 2005, o Brasil ficou em 29º lugar no ranking CPP para a quantidade mínima de 3000 publicações, mas passou para o 58º lugar em 2017. Melhoramos ou pioramos em 2017 com relação a 2005? Podemos responder a essa pergunta aplicando a fórmula do Rank Score.
Em 2005, ficamos com score 3,96 (29º lugar entre 48 países). Em 2017, o score foi de 1,71. Logo, caímos no ranking de impacto. Para ter acesso à metodologia detalhada, no entanto, sugerimos que o leitor consulte nosso artigo que será publicado em uma revista científica da Suíça em breve (1).
O resultado de 2018 — baseado em valores divulgados em junho de 2019 pela plataforma SJR — foi 1,37 (63º lugar entre 73 países), mas arredondamos para 1,4. Esse resultado foi informado ao Presidente Bolsonaro por um de nós em novembro de 2019, conforme publicação do jornal O Livre. O gráfico a seguir (Figura 1) apresenta o comportamento preocupante do Brasil em impacto (Rank score) durante 13 anos.
Os índices cientométricos de 2018 e 2019 são instáveis, uma vez que os resultados podem ser alterados significativamente nos anos subsequentes. Isso ocorre porque não houve tempo suficiente para a geração de citações. De qualquer forma, a plataforma SJR divulgou os novos índices de impacto em junho de 2020, mas houve poucas alterações dos valores apresentados na Figura 1.
Devemos frisar que a posição dos países pode mudar ano a ano, pois as citações de artigos antigos alteram índices recentes. Entretanto, quando uma produção científica não apresenta relevância internacional, é pouco provável que esses índices sejam substancialmente alterados no futuro. Isso explica nossa preocupação em medir a tendência de longo prazo em perspectiva comparada, o que não se confunde com o fator de impacto das revistas com base na janela de 2 anos anteriores. De qualquer forma, como as pequenas diferenças dos índices recentes são esperadas, é importante saber se o desempenho brasileiro de 2019 foi substancialmente diferente dos anos anteriores.
Os resultados das publicações de 2018 mudaram pouco com a divulgação dos novos dados cientométricos pelo portal SJR em junho de 2020. Antes da divulgação do ranking de 2020, estávamos em 63º lugar entre 73 países. Agora, estamos em 62º lugar entre 74 países no ranking de 2019. A quantidade total de países foi alterada porque deve ter havido atraso nas publicações de 2018 que só foram consideradas no ano subsequente. Nesse caso, o país foi Gana (do oeste africano), que apareceu com 3004 publicações no portal SJR para o ano de 2018. O Rank Score do Brasil passou de 1,37 para 1,35. Nesse sentido, o Rank Score de 2018 alterou-se muito pouco. No resultado das publicações de 2019, subimos para 62º lugar entre 74 países. O Rank Score ficou em 1,62, indicando uma pequena melhora em relação a 2018 (de 1,35 para 1,62). Esse valor se sustentará quando sair o resultado de 2019 em junho de 2021? O que acontecerá com o impacto dos artigos científicos de 2020? Não podemos afirmar nada sobre isso. O que podemos dizer é que a tendência de o Brasil bater no fundo do poço mudou muito pouco. Dependendo da maneira pela qual a simulação é feita, chegaremos ao Rank Score zero em 2023 ou 2024 (Figura 2):
É importante deixar claro que não significa que o Brasil terá impacto científico zero. Trata-se da possibilidade real de cairmos para o último lugar em impacto relativo na produção científica agregada, conforme metodologia aqui descrita. Evidentemente, o Brasil dispõe de excelentes pesquisadores, mas o país não pode depender de ilhas de competência. Vejamos outra forma de compreender o problema.
Se considerarmos como 100% o país que ficou em 1º colocado no ranking CPP de 2019, Singapura (CPP = 1,25, vide Figura 3), o Brasil (CPP = 0,54) apresentou apenas 43,2% do impacto de Singapura em 2019. Esse é o valor que chamamos de Impacto Equivalente (1). No caso do Brasil, esse valor manteve-se em torno de 40 a 45% na última década, enquanto vários países nos ultrapassaram em Impacto Equivalente. Por esse motivo, a tendência do Brasil é de queda em Rank Score. O último lugar do ranking CPP de 2019, Indonésia (CPP = 0,24; Figura 3), apresenta somente 19,2% do impacto de Singapura. De fato, a Indonésia tem apresentado uma tendência de acentuada queda nos últimos anos. Alcançou 28% do impacto do 1º lugar em 2016, quase dez pontos percentuais a mais do que em 2019. Assim sendo, o Brasil não deve ficar atrás da Indonésia nos próximos anos, o que impedirá nossa vergonha.
O que fazer?
O que o Brasil deveria fazer para evitar a contínua queda em impacto científico? Não é simples, mas o primeiro passo seria uma mudança significativa dos incentivos voltados para as políticas públicas de Pesquisa e Pós-Graduação. A CAPES (Fundação Pública vinculada ao MEC) tem feito sua parte, iniciando mudanças na medida do possível. Contudo, a grande imprensa e muitas instituições de pesquisa só divulgam números que colocam o Brasil como uma grande potência da ciência. É bem verdade que o Brasil publica muitos artigos anualmente. Somos a 14º nação do mundo em quantidade, com mais de 84 mil publicações (em 2019) indexadas à base Scopus. Muitos dirão que estamos nos aproximando da média mundial de impacto em algumas áreas do conhecimento, mas esse será assunto para o próximo artigo.
Na verdade, nada substancial mudou desde o governo Dilma nas políticas de CT&I do Brasil, em especial aquelas originadas no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC). É necessário haver mudanças urgentes na articulação entre agências de fomento e instituições de pesquisa com a devida integração do sistema pesquisa e desenvolvimento (P&D), incentivando de maneira adequada e constante as pesquisas de alto impacto. Ciência é insumo para inovação, e não podemos ficar à deriva diante do tsunami tecnológico do século XXI. Temos convicção que o povo brasileiro — incluindo o presidente Bolsonaro — espera muito mais de sua ciência!
PS: O Brasil está atrás de Portugal, Chile e Argentina em impacto há mais de 15 anos. No ranking de 2019 as posições desses países são: 33º lugar (CPP = 0,83), 36º lugar (CPP = 0,79) e 46º lugar (CPP = 0,68), respectivamente.Agradecimentos: Somos gratos pelas valiosas contribuições de Rodrigo de Lamare (Prof. de Engenharia de Comunicações, PUC-RJ) e Paulo José Péret de Sant´Ana (Coordenador de Políticas de CT&I da associação Docentes pela Liberdade).
(1) Almeira, R.M.V.R., Borges, L.F.F., Moreira, D.C., Hermes-Lima, M. New metrics for cross-country comparison of scientific impact. Frontiers in Research Metrics and Analytics (aceito para publicação em setembro de 2020).
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