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Em 4 de junho de 1989, milhares de estudantes se reuniram na Praça Tiananmen – também conhecida como Praça da Paz Celestial –, em Pequim, cobrando a adoção de políticas de abertura democrática. | STUART FRANKLINSTUART FRANKLIN
Em 4 de junho de 1989, milhares de estudantes se reuniram na Praça Tiananmen – também conhecida como Praça da Paz Celestial –, em Pequim, cobrando a adoção de políticas de abertura democrática.| Foto: STUART FRANKLINSTUART FRANKLIN

Em 2018, duas das mais famosas mobilizações estudantis do século 20 completam aniversários redondos: em maio, recorda-se o cinquentenário das mobilizações ocorridas na França em 68. Em junho, será a vez do centenário da reforma universitária de Córdoba, na Argentina, que definiu as bases sobre as quais grande parte do ensino superior latino-americano seria organizado. 

Em qualquer época, jovens e estudantes têm estado entre os setores sociais mais ativos em manifestações por mudanças – seja no próprio setor educacional ou mesmo com demandas mais amplas, que afetam os rumos políticos e sociais de seus países. 

Gazeta do Povo recorda algumas das principais mobilizações estudantis dos últimos cem anos. 

Reforma Universitária de Córdoba (1918) 

Meio século antes das mobilizações de maio de 68, estudantes argentinos já haviam demonstrado o poder de uma grande manifestação universitária. Em Córdoba, segunda maior cidade do país, organizações estudantis aproveitaram a onda de ativismo ocasionada pelo governo de Hipólito Yrigoyen, o primeiro presidente eleito democraticamente na Argentina, para cobrar maior democracia também no ambiente acadêmico.

A data simbólica do movimento é o 15 de junho, quando estudantes ocuparam a universidade para impedir a posse do novo reitor, escolhido sem participação discente. Os cordobeses pediam autonomia universitária para definição de currículos e uso de verbas, além de uma maior relação da instituição com a comunidade, através de atividades de extensão.

Outras demandas conquistadas foram a gratuidade do ensino nas instituições públicas, a realização de concursos para a seleção de docentes (até então, eles eram costumeiramente contratados por indicação) e a participação dos próprios estudantes nos processos eleitorais internos. 

Em pouco tempo, os princípios adotados em Córdoba seriam incluídos nos estatutos locais e, mais tarde, garantidos por lei. O sucesso dos estudantes inspirou movimentos similares no restante do país e se mostrou profundamente influente em toda a América Latina – as mobilizações futuras nas nações vizinhas cobrariam (e, em muitos casos, conseguiriam) condições semelhantes àquelas obtidas na Universidade Nacional de Córdoba em 1918.

Estudantes içam a bandeira da federação estudantil em cima da reitoria da Universidade de Córdoba em 1918. Archivo General de la Nación.

Levante Húngaro (1956) 

Em outubro de 1956, com a Hungria vivendo uma prolongada crise econômica, estudantes da Universidade de Tecnologia e Economia de Budapeste organizaram o primeiro grande protesto contra o governo socialista, cobrando o fim da ingerência soviética sobre o país e a realização de eleições livres. 

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Exército Vermelho havia permanecido em solo húngaro, controlando com mão de ferro a transição do país rumo à implementação de um regime-satélite de Moscou. A polícia secreta da ditadura húngara, conhecida como ÁVH, reprimiu duramente os manifestantes, e após a primeira morte de um estudante os protestos ganharam as ruas do país inteiro.  

Conforme a revolta crescia, grupos contrários ao regime organizaram milícias para enfrentar as tropas soviéticas e os membros da ÁVH. O governo foi derrubado em 24 de outubro, com o cerco ao Parlamento e a fuga de membros proeminentes do Partido Comunista para a Rússia.

Mas a vitória dos revoltosos durou pouco tempo: em 4 de novembro de 1956, regimentos reforçados do Exército Vermelho invadiram a Hungria e esmagaram o levante em uma semana, reinstituindo um governo-fantoche a mando soviético. 

A revolta iniciada pelos estudantes acabaria derrotada de forma sangrenta, e aqueles que se juntaram a ela sofreram duras consequências: mais de 200 mil pessoas buscaram asilo político no exterior, outros 22 mil acabaram presos e cerca de 200 foram executados, incluindo Imre Nagy, nomeado primeiro-ministro pelos revoltosos e acusado de traição pelos novos governantes instalados pelo Kremlin. 

Protestos sentados de Greensboro (1960) 

No início de 1960, um grupo de estudantes de Greensboro, na Carolina do Norte, decidiu organizar uma série de protestos contra a segregação racial em sua cidade. Inspirados pelas manifestações não-violentas de Martin Luther King em prol dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, eles queriam o fim de setores destinados apenas a brancos em espaços públicos e privados. 

Seu protesto começou no restaurante de uma loja de departamentos local e seguia um roteiro simples: os jovens faziam o pedido e, uma vez tendo o serviço negado em função da cor da sua pele, permaneciam sentados até o fim do expediente – ou até serem atendidos. 

O movimento nasceu nos corredores da Universidade Técnica e de Agricultura do Estado da Carolina do Norte e, pelos quatro meses seguintes, os quatro estudantes pioneiros repetiram o procedimento todos os dias, atraindo atenção nacional e sendo imitados em outras partes do país. Mais de treze estados americanos onde prevaleciam as chamadas “leis Jim Crow” de segregação racial, registraram suas próprias versões dos “sit-ins”, os protestos sentados. 

Com frequência, a presença de negros em lugares marcados apenas para brancos era alvo de reações violentas por parte de empregados e de grupos de supremacistas brancos. Ainda assim, a insistência do movimento nascido em Greensboro aumentou a proeminência da luta pelos direitos civis e, com o tempo, contribuiu de forma decisiva para encerrar a segregação racial legal no sul dos EUA.  

Fim da segregação no ensino do Alabama (1963) 

Em 1954, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a segregação racial em escolas e universidades públicas era inconstitucional. Apesar disso, a Universidade do Alabama, com apoio do governo estadual, manteve sua tradicional política de admitir apenas o ingresso de estudantes brancos. 

Como a matrícula dependia de uma aprovação prévia da instituição, a universidade passou quase uma década negando todas as requisições enviadas por possíveis alunos negros, sob os mais diversos pretextos. A única exceção, uma jovem chamada Autherine Lucy, conseguiu estudar por menos de um mês em fevereiro de 1956, antes de ser expulsa pela reitoria sob a alegação de que seu processo judicial para conseguir a matrícula havia sujado o nome da universidade.  

Foi apenas em 1963 que os primeiros estudantes negros conseguiram o apoio da Casa Branca para finalmente cursar a faculdade. Mesmo assim, o governador do Alabama, o segregacionista George Wallace, se esforçou para evitar a efetivação do direito: no dia em que James Hood e Vivian Malone foram fazer sua matrícula, o governador parou na porta do auditório da universidade, rodeado de policiais, para bloquear a entrada de ambos.

Wallace só se retirou do local após o presidente John Kennedy editar uma Ordem Executiva federalizando a Guarda Nacional do Alabama – procedimento que tira das mãos do governador o controle sobre as forças militares locais. 

A medida permitiu que Hood e Malone conseguissem realizar sua matrícula, e nos meses seguintes a Guarda Nacional voltaria a ser utilizada para garantir a segurança de outros novos estudantes negros em instituições que tradicionalmente só aceitavam brancos.  

George Wallace parou na porta do auditório da universidade, rodeado de policiais. Warren K. Leffler, U.S. News & World Report Magazine.

Protestos universitários pelo mundo (1968) 

1968 foi muito além do maio francês, ainda hoje seu expoente mais famoso. Em vários continentes, antes ou depois, estudantes se mobilizaram por causas diferentes – às vezes claras, em outras nem tanto. Conforme um protesto ganhava destaque, outros seguiam sua inspiração em outra parte do mundo. 

Na França, as manifestações giraram em torno de uma retórica anticapitalista e contrária à influência norte-americana no país: mais uma vez, a violência policial ajudou a inflar a mobilização, que paralisou a França após a invasão da Sorbonne, em Paris, pelas autoridades.

Inspirados pela coalizão entre socialistas e comunistas que queriam disputar as eleições, a ideia de muitos manifestantes era levar à queda do presidente Charles de Gaulle – que, após ter sua popularidade construída no Pós-Guerra finalmente balançada, acabaria efetivamente renunciando em 1969. 

Outros países também viram grandes mobilizações estudantis em 68, muitas vezes encerradas de forma violenta. Na Polônia, milhares de jovens foram às ruas pedindo a abertura do regime socialista e o fim da censura, mas foram reprimidos e derrotados. 

No Brasil, manifestações contra a ditadura tiveram grande adesão estudantil, e ficaram marcadas pela morte de um deles, Edson Luís, no final de março – seu assassinato fez as mobilizações populares explodirem no país, e o regime militar endureceu seu controle em resposta, aprovando o AI-5 no fim de 1968. 

No México, uma série de insatisfações associadas ao gasto público para sediar os Jogos Olímpicos ocasionaram grandes protestos contra o governo, muitos deles liderados por estudantes, e culminaram com o Massacre de Tlatelolco a dez dias do início das Olimpíadas, com o governo buscando encerrar a turbulência antes da chegada dos visitantes estrangeiros: mais de 1,3 mil estudantes foram presos e cerca de 300 acabaram mortos (o número oficial é desconhecido) em uma praça da Cidade do México. 

Greves estudantis contra a Guerra do Vietnã (1970) 

Com a Guerra do Vietnã já custando centenas de vidas de jovens americanos, em abril de 1970 o presidente Richard Nixon anunciou a expansão do conflito para o vizinho Camboja. A promessa de agravamento da mortandade levou a uma série de protestos estudantis nos Estados Unidos – na época, o país ainda empregava o alistamento obrigatório caso as vagas nas Forças Armadas não pudessem ser preenchidas por voluntários. 

A indignação dos jovens se agravou após a repressão aos protestos na Universidade Estadual de Kent, em Ohio, quando quatro estudantes foram mortos pela Guarda Nacional: o que se seguiu foram as mais longas greves estudantis já registradas no país, com universidades de 16 estados testemunhando paralisações de uma semana. 

O movimento histórico se encerrou com resultados ambíguos, já que em muitos casos os estudantes encontraram oposição de importantes setores da população que ainda apoiavam Nixon.

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No longo prazo, essa e outras mobilizações estudantis ajudaram a ressaltar o descontentamento com os rumos da guerra, que ainda duraria outros cinco anos e terminaria de forma desfavorável aos interesses da Casa Branca, deixando mais de 58 mil soldados americanos mortos no processo.

O alistamento obrigatório, instituído na época da Segunda Guerra Mundial, chegaria ao fim em 1973. 

Massacre de Soweto (1976) 

Em 16 de junho de 1976, estudantes secundaristas de Soweto, nos subúrbios de Johanesburgo, tomaram as ruas para um protesto simbólico: em pleno Apartheid, os jovens negros haviam se revoltado contra a nova disposição do governo, que pararia de dar aulas no idioma nativo deles e só ensinaria em africâner – língua derivada do holandês e falada pelos colonizadores brancos. O plano dos mais de 10 mil estudantes e pais era marchar até o Estádio Orlando, onde ocorreria uma manifestação contra o governo e as políticas que marginalizavam a população negra. 

No meio do caminho, porém, a polícia abriu fogo contra a multidão, matando 23 pessoas. Entre as vítimas estava Hector Pieterson, um estudante negro de 12 anos cuja imagem sendo carregado sem vida nos braços de um colega mais velho se tornou um símbolo da repressão do Apartheid. 

Nos anos seguintes, o massacre de Soweto se tornou bandeira para outras manifestações estudantis ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, organizações universitárias contra o Apartheid começaram a ser formadas, pressionando as autoridades para interromper os investimentos na África do Sul enquanto a política de segregação persistisse. O regime, no entanto, ainda resistiria por quase duas décadas após Soweto, sendo encerrado apenas em 1994. 

Protestos na Praça da Paz Celestial (1989) 

Com os países do Bloco Socialista vivendo sua crise terminal na Europa, o sentimento de mudança chegou também à China. Em 4 de junho de 1989, milhares de estudantes se reuniram na Praça Tiananmen – também conhecida como Praça da Paz Celestial –, em Pequim, cobrando a adoção de políticas de abertura democrática. 

A cena mais conhecida dos protestos foi a de um homem solitário, em pé na rua, parando uma fileira de tanques que se dirigiam à praça para reprimir os manifestantes. Apesar da imagem famosa, porém, a repressão foi violenta e os tanques efetivamente atacaram a multidão. Um número oficial de vítimas jamais foi divulgado, mas algumas estimativas chegam a falar em 10 mil mortos. 

O episódio não conquistou a sonhada modernização política da China, que ainda mantém a estratégia já delineada na época: caminhar por uma relativa abertura econômica enquanto sustenta o controle centralizado do Partido Comunista – o “socialismo de mercado” idealizado pelo líder Deng Xiaoping, que comandou o país entre 1978 e 1990. 

Sua renúncia ocorreu, em parte, à repercussão internacional negativa do massacre de 1989, mas suas ideias permaneceram intactas. Os fatos ocorridos na praça viraram um tabu entre os chineses, que se referem aos protestos como os “Incidentes de 4 de junho”, e serviram como um alerta de até onde o governo estava disposto a levar a repressão caso se sentisse ameaçado. Quase trinta anos depois, continuam a ser as últimas mobilizações massivas de oposição no país. 

Revolução de Veludo (1989) 

A queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, anunciou o fim do regime socialista na Alemanha Oriental e precipitou movimentos similares em outros países do outro lado da cortina de ferro. Subitamente, as décadas de ditadura de um partido único pareciam próximas do fim, e até a União Soviética deixaria de existir dois anos mais tarde. Mas em nenhum lugar da Europa os estudantes tiveram o mesmo protagonismo do que na Tchecoslováquia, onde meio milhão de pessoas lideradas pelos movimentos de jovens tomaram as ruas apenas oito dias depois dos fatos em Berlim.  

Pacífica até o fim, foi assim que a revolução ganhou a alcunha de “veludo” com que ficou mundialmente conhecida. Em pouco tempo, outros setores da sociedade tcheca se juntaram aos estudantes e, em 28 de novembro – apenas onze dias após a primeira manifestação –, o Partido Comunista da Tchecoslováquia anunciou que deixaria o poder, abrindo caminho para as primeiras eleições livres no país desde o final da Segunda Guerra.

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A Revolução de Veludo continua a ser considerada um dos movimentos mais bem-sucedidos iniciados por estudantes no mundo, e levaria não só à redefinição da política interna do país, mas a um redesenho das fronteiras: o fim do regime comunista seria seguido pela separação pacífica da República Tcheca e da Eslováquia, em 1993, conhecida como o “Divórcio de Veludo”.  

Protestos no Irã (1999) 

O que começou como um pequeno protesto em favor da liberdade de imprensa acabou se tornando, em resposta à violência do governo, a maior manifestação pública de oposição ao regime dos aiatolás desde a Revolução Iraniana, vinte anos mais cedo. 

Em julho de 1999, um grupo de estudantes da Universidade de Teerã se organizou para protestar contra o fechamento de um jornal crítico ao regime, que havia sido ordenado pela Suprema Corte do país. Naquela noite, como forma de punir os envolvidos na mobilização, grupos policiais e paramilitares invadiram o alojamento estudantil da universidade, prendendo mais de 100 estudantes e deixando pelo menos 20 feridos. 

A brutalidade da ação policial redundou em manifestações ainda maiores nos dias seguintes, o que levou o então presidente Mohammed Khatami e o aiatolá Ali Khamenei a criticar as forças de segurança. O próprio Khamenei, em um ato inédito, pediu que os policiais não agredissem os estudantes, mesmo se estes rasgassem ou ateassem fogo à sua imagem, atos que eram considerados crimes religiosos e políticos. 

Os protestos não obtiveram sucesso e muitos estudantes permaneceram presos por anos após as manifestações. Apesar disso, o julho de 99 iraniano abriu caminho para outras mobilizações massivas, antes inéditas, que ainda hoje têm grupos estudantis em sua base. 

O “estudantaço” no Chile (2006-2015) 

Desde a virada do século, os estudantes chilenos ganharam destaque internacional por seus protestos de grande abrangência. Tanto secundaristas como universitários tomaram as ruas em diferentes momentos, desde 2006, cobrando a revisão do sistema educacional herdado da ditadura de Augusto Pinochet.

Ao longo de quase uma década, o foco maior permaneceu sempre na educação propriamente dita: uma das principais bandeiras era a volta da gratuidade do ensino superior, encerrada pela ditadura no início dos anos 80. 

O movimento estudantil do Chile, por sua longa extensão, atravessou gerações de estudantes e produziu novas lideranças políticas que chegaram ao Congresso, como Camila Vallejo, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech, equivalente ao DCE da instituição) em 2011, que mais tarde se tornou deputada federal.

As mobilizações recobraram força em 2015, quando o governo de Michelle Bachelet deu sinais de que finalmente atenderia às demandas dos jovens – no início deste ano, o Chile aprovou uma lei pelo retorno da gratuidade.

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