A situação de algumas escolas estaduais de Goiás chegara ao limite em 1999. Havia alta reprovação de alunos, indisciplina, sucateamento de equipamentos, escassez de materiais pedagógicos. Até mesmo o tráfico de drogas atuava no entorno das instituições. Para resolver o problema, a Secretaria de Educação chamou a polícia – literalmente. Em uma medida polêmica, cedeu a administração de escolas públicas à Polícia Militar (PM). Quase 20 anos depois, os colégios que tanto davam dor de cabeça hoje figuram entre os melhores de Goiás.
O mesmo tipo de transformação foi verificado no estado do Amazonas. E na Bahia, no Rio Grande do Sul e em outros estados onde a gestão de escolas foi repassada à PM e ao Exército. Atualmente, os colégios militares são ilhas de excelência em meio à decadência da educação pública brasileira. No último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2015, enquanto a média geral das notas obtidas pelas escolas do país foi de 5,5 pontos, as militares alcançaram notas acima de 6 e 7. Em Goiás, das dez instituições com as melhores médias gerais no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2016, sete são geridas pela PM.
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Mas o diferencial das escolas militarizadas vai além das boas notas. A disciplina rígida, traço inerente à rotina dos quartéis, dá o tom do comportamento a ser seguido pelos alunos. A farda, por exemplo, é de uso obrigatório. Os estudantes também devem cantar hinos pela manhã e formar pelotões. Eles prestam continência e referem-se aos superiores como “senhor” e “senhora”. Quando o sinal bate, nada de sair correndo: as turmas precisam limpar a sala de aula ao fim de cada dia. Beijos amorosos, rixas entre alunos e cabelos pintados não são tolerados. Os estudantes que se destacam ganham condecorações. Quem não se adapta à cartilha é transferido. A linha dura e os valores morais e cívicos são apreciados, sobretudo, pelos pais dos alunos.
“Os estudantes aprendem através da prática de princípios que estão caindo no esquecimento, como o respeito ao próximo, a hierarquia e a prática da cidadania”, diz a arquiteta Ketlen Corrêa, 40 anos. Ela é mãe de dois jovens formados no Colégio Tiradentes, de Porto Alegre. A escola de ensino médio é administrada pela PM gaúcha. “É uma pena que as demais escolas estaduais não tenham a mesma administração”, reflete.
O jeitão aparentemente carrancudo dos colégios militares não é gratuito. Aqui, a disciplina está a serviço dos resultados. “É um modelo valorizado pela comunidade não porque a rigidez seja a nossa atividade-fim, mas sim instrumento que potencializa o ensino”, explica Anésio Barbosa da Cruz Júnior, comandante de Ensino da Polícia Militar de Goiás. A performance das instituições comprova a validade do conceito. E tem muita gente interessada em estudar à moda da caserna.
A entrada nos colégios é feita via concurso ou sorteio – varia conforme a lei de cada estado. Segundo o comandante, uma média de cinco jovens concorrem a cada nova vaga sorteada nas escolas dirigidas pela PM goiana. Em instituições mais tradicionais, a disputa chega a dez candidatos por vaga. O estado tem 46 unidades de ensino fundamental e médio administradas pela polícia. Juntas, elas atendem cerca de 53 mil estudantes. É a maior rede desse tipo no Brasil.
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Ao todo, estima-se que o país tenha 100 escolas coordenadas por órgãos policiais. Além desses casos, há ainda a experiência das 13 unidades do Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), criadas pelo Exército em diversos estados. A prioridade das matrículas nessas instituições vai para os filhos de integrantes das Forças Armadas.
Fogo cruzado
O tema da militarização tem sido pivô de debates acalorados em todo o país. E a controvérsia, claro, respinga nas escolas de ensino ligadas a esses órgãos. As opiniões quanto ao modelo de ensino são divididas. O argumento de quem o defende é a qualidade da educação.
“Você pega as escolas militarizadas de Goiás e Amazonas. Percentualmente falando, são as que mais aprovam nas universidades. Têm disciplina. Devemos levar esse método para outras instituições”, sugeriu o deputado federal e presidenciável Jair Bolsonaro (PSL-RJ), durante um evento recente em Boa Vista (RR).
Os críticos ao sistema, por outro lado, enxergam o paradigma militar como um desvirtuamento de competências pedagógicas. “A educação é trabalho dos educadores. Eles são capazes de encontrar boas soluções para os problemas vivenciados, desde que tenham o suporte adequado”, afirma a psicóloga Virginia Maria Pereira de Melo, docente da Universidade Estadual de Goiás (UFG).
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Segundo ela, o bom desempenho das unidades militares está ligado à estrutura das escolas. Isso inclui investimentos maiores, pessoal qualificado e engajamento dos pais, além de um corpo discente sem alunos da classe vulnerável. A professora também contesta a política de recursos adotada pela Secretaria da Educação de Goiás no caso da militarização. “Houve escolas que pleitearam melhorias durante anos e não foram atendidas, mas receberam reformas para serem transferidas ao controle militar. Se havia esse recurso, por que não foi usado antes?”, indaga.
A socióloga Miriam Abramovay, doutora em Educação e pesquisadora da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), ressalta uma chaga histórica ligada ao tema. “Não deveria haver qualquer tipo de militarização em um país traumatizado por uma ditadura militar”, reflete.
Os representantes das Forças Armadas, por sua vez, consideram esse argumento persecutório. “As pessoas que falam isso desconhecem a rotina das nossas escolas”, rebate o comandante Anésio da Cruz Júnior, da PM de Goiás. Para ele, apesar de a ditadura ter sido superada há quase três décadas, o militarismo ainda sofre preconceito. “Ensinamos os conteúdos tal como são apresentados nas escolas convencionais, não fazemos militância nem recrutamento”, garante.
Em breve, Goiás ganhará outras 39 unidades administradas pela PM – as gestões já foram aprovadas pelo governo. A rede também deve crescer em Santa Catarina. O estado planeja a implementação de três instituições nas cidades de Blumenau, Joinville e Laguna ainda este ano. O mesmo acontece no Paraná, onde a Polícia Militar e a Secretaria de Educação estudam a instalação de colégios nos municípios de Pato Branco, Cornélio Procópio, Maringá e Cascavel.
“A expectativa é de conseguirmos efetivar essas escolas para, no futuro, pensarmos na expansão de novas unidades de acordo com a necessidade de cada região”, diz o coronel Mauro Celso Monteiro, diretor de Ensino e Pesquisa da PM paranaense.
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