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Concord High School em New Hampshire: provas escritas serão coisa do passado | Reprodução/ Facebook
Concord High School em New Hampshire: provas escritas serão coisa do passado| Foto: Reprodução/ Facebook

Do lado de fora da escola Concord High School, um caminhão de entrega derrubou um produto químico. A missão dos estudantes: investigar as propriedades da substância derrubada e desenvolver um plano detalhado para limpar com segurança.

Adolescentes usando óculos de segurança se abaixam, recolhendo amostras do líquido transparente com pipetas. O vazamento simulado foi “contido” em um aquário. Mas os estudantes participam do jogo, primeiro desenvolvendo algumas “questões de teste” com os seus parceiros: Qual a acidez? Como se compara com as propriedades de cada substância no caminhão? 

Eles terão quatro aulas ao longo de vários dias para reunir e registrar dados com parceiros específicos e para escrever, individualmente, os seus planos. 

Cada vez mais, é assim que as avaliações são feitas em New Hampshire. É uma atividade, muito parecida com o trabalho que os alunos fazem nas aulas, mas muito mais extensa. Eles podem consultar as suas anotações. O que eles não podem fazer é criar palpites. 

"Fazer eles se levantarem e mostrarem [os seus conhecimentos] é um meio muito mais esclarecedor do que dar questões de múltipla escolha ou discursivas, onde eles meio que repetem o que falamos para eles”, diz a professora de química de Concord, Lyn Vinskus. 

New Hampshire está na linha de frente de um movimento que está sendo observado por escolas de todo o país. 

Por mais de uma década, escolas no chamado Estado do Granito tem feito a transição para uma educação baseada em competências, na qual é requerido que os estudantes demonstrem um domínio de habilidades essenciais, em vez de simplesmente passar um certo tempo nas aulas e receber uma nota mínima para aprovação. O foco está nos tipos de habilidades – análise, reflexão, criatividade e pensamento estratégico – que os alunos de hoje precisarão para se saírem bem em um mundo imprevisível. 

Mas novos métodos de ensino exigem novos tipos de avaliação. Então o estado decidiu colocar os professores no comando. 

Os testes padronizados pelos quais as escolas são responsabilizadas por mais de uma década, de acordo com a lei federal de educação conhecida como Nenhuma Criança Deixada para Trás (NCLB – No Child Left Behind), contribuiu muito para expor as lacunas de equidade. Mas muitos educadores os viam como muito fixados em competências básicas em matemática e leitura. 

Mais recentemente, coalizões de estados têm desenvolvido testes relacionados aos padrões comuns estaduais para mensurar melhor uma série de habilidades relevantes. New Hampshire usa um dos sistemas de teste padronizados, conhecido como Smarter Balanced. Mas eles queriam ir além. 

“Não tem como utilizar a educação baseada em competências como um sistema externo que atribui responsabilidade de cima para baixo”, diz Paul Leather, vice-comissário de educação de New Hampshire. “Nós estamos construindo um sistema em que as avaliações estão de volta nas mãos dos educadores e dos estudantes”, prossegue.

Essa abordagem que parte dos professores tem grande potencial, já que“são as pessoas na base que implementam mudanças e que vão determinar se elas bem-sucedidas”, diz Thomas Toch, diretor da FutureEd, organização dedicada a produzir conhecimento da Escola de Políticas Públicas McCourt da Universidade Georgetown, em Washington. Mas funcionários da educação estaduais e federais ainda precisam ter capacidade para verificar esses esforços locais por meio de “avaliações claras e rigorosas”, diz. 

Essa é a combinação que New Hampshire espera conseguir por meio de um sistema que está lançando, conhecido como PACE (Performance Assessment of Competency Education, ou Educação por Competências Baseada em Avaliação de Desempenho). Concord é um dos nove distritos escolares (incluindo uma escola pública independente, que não é administrada por distritos) a implementar o PACE até o momento, com outros 11 distritos na fila, uma lista que cresce a cada ano. 

Um sistema de que Einstein teria gostado 

Enquanto os alunos de química se reúnem ao redor de um carrinho com materiais – que contém de tiras para medir pH a bicarbonato de sódio – as parceiras Mackenzie Lyons e Yianna Buterbaugh, ambas do segundo ano, conversam sobre o que elas aprenderam nas últimas aulas de laboratório que poderá ajudá-las a analisar a substância. 

Mackenzie enche os pequenos recipientes de uma bandeja de plástico com amônia, ácido clorídrico e outros ingredientes possíveis, e Yianna pega um medidor de condutibilidade. Elas submergem o medidor e então conferem os dados em tabelas manuscritas, a cor e a luminosidade da luz no medidor, repetindo a cada amostra. 

Einstein – emoldurado, com a mão no queixo – olha para baixo do topo de um armário. Esse gênio que nunca foi amigo da aprendizagem comum provavelmente ficaria impressionado com o que não está acontecendo na sala de aula de Vinskus. 

“Nenhum aluno me perguntou ainda ‘Quanto isso vale na minha nota?’”, diz Vinskus. “Nenhum deles vai deixar a atividade em branco ou dizer ‘Eu não sei’”, incluindo um menino que resmungou quando entrou na sala, e que faz exatamente a mesma coisa em avaliações tradicionais. Crianças com todos os níveis de habilidade estão “se envolvendo com a ciência”, ela diz, “e isso é uma vitória”. 

Mackenzie diz que ela muitas vezes fica “estressada” quando pensa em provas. Mas com uma avaliação de desempenho, “eu só penso como se fosse uma atividade normal de aula”. Ela também gosta de completar a avaliação ao longo de vários dias. “Se nós temos uma dúvida, podemos ir para casa e pesquisar e então voltar na sexta-feira com uma solução.” 

Procurar informações não é colar porque não é a sua memória de fatos básicos que está sendo avaliada. 

“O conhecimento está nas nossas mãos... Mas nós queremos ver que os nossos alunos realmente conseguem reunir isso, pensar criticamente, aplicar o seu conhecimento a situações do mundo real”, diz Donna Palley, superintendente assistente de Concord. 

Mackenzie está considerando uma carreira na ciência e ela gosta de como essa abordagem exige mais dela: “Você tem que ter mais pensamento analítico e ser mais capaz de resolver problemas.” Sua parceira, Yianna, não enxerga a química no seu futuro, mas diz que os cenários de situações reais “deixam um pouco mais interessante e mais fácil de racionar”. 

O 'ensino perfeito para a avaliação' 

Educadores citam diversas vantagens nas avaliações baseadas em desempenho, entre elas: 

• Elas podem ser feitas ao longo do ano letivo quando elas se encaixam naturalmente no currículo, em vez de serem feitas apenas durante um período de avaliações padronizadas. 

• Elas podem ser aplicadas em uma variedade de disciplinas, incluindo ciências e estudos sociais. 

• A pontuação se torna parte das notas dos alunos, deixando eles mais envolvidos do que ficariam em uma avaliação padronizada. 

• Em vez de esperar os resultados saírem, os professores podem observar rapidamente o que cada aluno precisa melhorar. 

“É o modo perfeito de ‘ensino para a avaliação’ porque representa exatamente o que você quer que os alunos sejam capazes de fazer”, diz Palley. 

Uma vez por ano, para cada disciplina avaliada, alunos de todos os distritos do PACE também fazem “tarefas comuns” como a da escola Concord High, que são desenvolvidas previamente por um time de professores. 

Muitos professores dizem que o desenvolvimento profissional resultante é o melhor que eles já tiveram, porque eles evoluem nas suas habilidades de guiar os estudantes na direção dos objetivos. “Poder trabalhar com professores de outros distritos é muito legal, e escutar o que eles estão fazendo ou como estão resolvendo um problema”, diz Vinskus. 

Em Rochester, New Hampshire, outro distrito do PACE, Melissa Cunliffe recentemente fez um inventário dos conhecimentos dos seus alunos sobre força e movimento os fazendo seguir instruções de um vídeo do YouTube para construir um carro com copos, canudos e elásticos. 

A turma mista de terceiro e quarto ano da escola Maple Street Magnet School se envolveu na atividade quando descobriu que os carros não estavam funcionando, diz Cunliffe. “Todo mundo estava lançando as suas próprias ideias para resolver esse problema... Eles estavam fazendo colaborações reais e questionando o design, querendo escrever para as pessoas que criaram o vídeo.” 

Em seguida, os alunos escreveram trabalhos dissertativos, explicando o que funcionou e o que não funcionou. Ela avaliou esses trabalhos, mas também fez anotações durante a tarefa sobre o processo de raciocínio dos alunos e as suas discussões. “Não é só ‘Aqui está a sua prova’”, ela diz. 

Sara Cantrell, outra professora de Maple Street, diz que as avaliações baseadas em desempenho – e as mudanças relacionadas no ensino – ajudam os estudantes em todos os níveis. Aqueles que se saem bem em uma área continuam a ter trabalhos mais desafiadores. Para os alunos com desempenho abaixo da média, as notas das avaliações não são mais “uma declaração geral sobre eles”, ela diz. 

Se certificando de que as notas das avaliações são úteis 

New Hampshire tem usado o PACE para fins de responsabilização federal desde 2015, quando recebeu uma permissão única do Departamento de Educação dos EUA. 

Nos distritos do PACE, os alunos tem que fazer testes padronizados apenas uma vez no primeiro ciclo do ensino fundamental, uma vez no segundo ciclo e uma vez no ensino médio, enquanto a maior parte dos alunos do país tem que fazê-los uma vez ao ano da 3ª à 8ª série e uma vez no ensino médio. 

Mas, conforme mais estados adotam novos planos de acordo com a lei Every Student Succeeds Act, que substitui o NCLB, eles ganham mais flexibilidade de como medem sucesso. Do Colorado ao Kentucky, uma série de estados está começando a incorporar nos seus sistemas avaliações baseadas em desempenho. 

Essas “alternativas” não são novidade. Nos anos 1990, antes do começo do NCLB, alguns estados usavam avaliações de desempenho ou portfólios de trabalhos dos alunos. “Muito disso já foi tentado antes, e os problemas são profundos”, diz Daniel Koretz, especialista em avaliações pela Escola de Pós-Graudação em Educação de Harvard. Um dos maiores desafios: entender como as notas nas avaliações se comparam de um distrito a outro. 

Os educadores dizem que ainda não tiveram muita resistência pública ao PACE, apesar de alguns grupos expressarem preocupação com a nova forma de avaliação. 

Muitos passos são definidos para se certificar de que os professores não estão inflando as notas. Primeiro, os professores de determinada escola e distrito criam um consenso de como avaliar o trabalho dos alunos em cada disciplina. No verão, funcionários estaduais reúnem os professores para alinhar o sistema de notas em todos os distritos do PACE. Por fim, o estado compara as notas dos alunos do PACE nos testes Smarter Balanced com aqueles que não fazem parte do PACE. 

Resultados de pesquisas preliminares “sugerem que os alunos do PACE recebem uma oportunidade equitativa de aprender e são beneficiados com o sistema de avaliação”, observa a doutoranda da Universidade de New Hampshire Carla Evans. A sua análise das notas em matemática dos estudantes de 8ª série no teste Smarter Balanced constatou que no segundo ano do projeto piloto os alunos do PACE superaram, em média, aqueles que não fazem parte de distritos do PACE. Para estudantes com deficiência, a diferença é ainda maior. 

Deixando os professores na liderança 

Para a visão da avaliação por desempenho crescer no estado, diversos elementos teriam que ser alinhados, diz Scott Marion, diretor executivo do Centro de Avaliações em Dover, New Hampshire, que oferece assistência técnica para o PACE. 

Mais alguns anos de financiamento inicial – que tem sido feito em grande parte pela verba de fundações, até o momento – será exigido, assim como uma liderança contínua a nível estadual, diz Marion. Mas o “Santo Graal” que eles ainda estão procurando é um sistema de tecnologia para integrar dados e permitir um compartilhamento mais eficiente dos trabalhos dos alunos para serem avaliados por pessoas em distritos distantes. 

Cantrell, na escola Maple Street, diz que uma mudança gradual para a avaliação por desempenho é essencial, pois “é uma mentalidade diferente, e alguns professores tem mais dificuldade com isso do que outros”. 

A escola dela recebeu dezenas de educadores de todo o estado em abril deste ano. Em grupos pequenos conduzidos por alunos, eles entraram nas salas de aula como parte de um “estúdio de inovação” mantido pela ONG New Hampshire Learning Initiative (NHLI). 

“Nossos professores são quem está liderando esse trabalho”, diz o diretor executivo da NHLI, Jonathan Vander Els, ex-diretor de uma escola em um distrito do PACE. O estado está “reconhecendo e apoiando a visão dos profissionais que estão nas nossas salas de aula”, afirma, acrescentando que em muitos outros lugares “isso está em falta”.


Tradução: Andressa Muniz

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