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O Colégio Estadual Dezenove de Dezembro, instituição centenária de Curitiba, cessou o atendimento em junho de 2017, quando tinha apenas 18 alunos no 9.º ano do Ensino Fundamental (EF) II. O prédio então passou a abrigar exclusivamente a Escola Municipal Batel | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
O Colégio Estadual Dezenove de Dezembro, instituição centenária de Curitiba, cessou o atendimento em junho de 2017, quando tinha apenas 18 alunos no 9.º ano do Ensino Fundamental (EF) II. O prédio então passou a abrigar exclusivamente a Escola Municipal Batel| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Qualquer proposta que acarrete no fechamento de uma escola soa absurdo em um país como o Brasil. Mas há casos em que o fim das atividades pode ter um “final feliz”, pelo menos no que diz respeito aos recursos públicos. O Colégio Estadual Dezenove de Dezembro, instituição centenária de Curitiba, se enquadra aí: a instituição cessou o atendimento em junho de 2017, quando tinha apenas 18 alunos no 9.º ano do Ensino Fundamental (EF) II. O prédio então passou a abrigar exclusivamente a Escola Municipal Batel – que já operava em dualidade administrativa no mesmo endereço desde 2012 – onde hoje são atendidos cerca de 400 estudantes do EF I. 

O antigo Grupo Dezenove de Dezembro é um dos protagonistas da história escolar do Paraná. Além de carregar no nome a data que marca a emancipação política do estado, foi um dos primeiros de Curitiba, inaugurado em 1911, na então Rua Montevidéo – depois rebatizada de Rua Desembargador Motta. O prédio original foi demolido, e a edificação atual, construída por volta do fim dos anos 1960. 

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Essa não é uma situação única. Outro colégio centenário do Paraná também foi municipalizado recentemente: o Professor Brandão, na Avenida João Gualberto, no Juvevê. Outras instituições seguiram o mesmo caminho, devido à queda da demanda pelo EF II – ofertado pelo estado – e aumento da demanda pelo EF I – de responsabilidade do município. O Decreto Estadual n.º 8478, de dezembro de 2017, elenca um total de 19 imóveis escolares doados à prefeitura de Curitiba. 

Tanto o Professor Brandão quanto o Dezenove de Dezembro passaram a abrigar um Centro de Desenvolvimento Profissional (CDP), que oferece cursos para professores e técnicos da rede municipal. Segundo o superintendente executivo da Secretaria da Educação de Curitiba, Oséias Santos de Oliveira, há agora quatro CDPs na cidade, dentro de uma proposta de descentralização da formação. 

“Anteriormente, havia um único espaço alugado, com custo de R$ 1,3 milhão ao ano. E todos os professores da cidade inteira tinham que convergir para esse espaço”, destaca ele. Ele se refere a um prédio locado que funcionava no Centro, ao lado da Reitoria da UFPR. 

Sobre o Dezenove de Dezembro pesa o simbolismo do nome, que passa a existir apenas na memória, e também um aproveitamento ainda melhor do espaço público: além da Escola Municipal Batel e do CDP batizado de Elizete Lucia Moreira Matos, funciona ali o polo de Curitiba da Universidade Aberta do Brasil (UAB). É nesse local que professores e comunidade em geral fazem a parte presencial e provas dos cursos de graduação e pós-graduação a distância ofertados pelo governo federal. No fim de agosto, no dia 21, uma visita de técnicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação, deu aval para o funcionamento do polo no endereço, que antes também funcionava em prédio alugado. 

“A escola ganhou outra visibilidade. Virou um polo importante de formação de professores e comunidade até de outras cidades. A localização privilegiada, de fácil acesso, perto do centro, facilita a mobilidade das pessoas”, afirma a superintendente de gestão educacional da secretaria, Elisângela Mantagute. 

Além disso, os equipamentos são compartilhados, explicam os gestores: no período diurno, o auditório para 200 pessoas e os laboratórios de informática são utilizados no EF de 1.º ao 5.º ano e nas reuniões de pais e professores e alguns cursos de formação; no período noturno e aos sábados, pelos participantes dos cursos do CDP ou da UAB. “É uma otimização dos espaços públicos. Saímos do aluguel e fomos para um espaço que cumpre a tarefa da UAB, porque não seria indicado construir um espaço que ficasse ocioso muito tempo”, acrescenta ela. 

Também foram feitas outras melhorias que, segundo Oliveira, só foram possíveis com a doação do imóvel para o município. Ele cita como exemplo a adequação dos banheiros – para crianças e para adultos –, melhoria nos espaços de prática esportiva e instalação de um elevador para acesso ao segundo andar, que até então era feito só por escadaria. 

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Transição 

Em junho de 2017, quando foi decretado o fim das atividades do Dezenove de Dezembro, os 18 alunos ainda matriculados lá foram direcionados para o Instituto de Educação Erasmo Piloto (IEP), localizado a 1,2 km de distância, para terminar o ano letivo. Neste ano, já foram incorporados como alunos da nova instituição. “Havia no Dezenove toda uma estrutura do estado para atender esses alunos. Diretoria, secretaria, merenda escolar. Não fazia mais sentido manter tudo isso para poucos alunos”, diz Oliveira. 

Segundo a professora aposentada Eliana Denise Klein, última diretora do Dezenove de Dezembro, a redução das atividades foi ocorrendo de forma gradual, até a interrupção gradativa – o que talvez explique como uma instituição centenária fechou as portas em 2017 sem ter causado comoção entre professores, pais e a sociedade como um todo. 

“Foi um processo bem lento e doloroso, na verdade. A dualidade administrativa começou em 2012, mas o processo é bem anterior. Conforme mudava o governo municipal e estadual as coisas avançavam ou se adiantavam. Mas no começo foi um choque violento”, relata. 

Ela destaca a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, que determinou a responsabilidade de cada nível administrativo na educação, mas diz que o maior impacto foi causado pela adoção da ferramenta de georreferenciamento para as matrículas, a qual já é aplicada pelo menos desde 2006, segundo as instruções normativas da Secretaria Estadual da Educação (Seed). Com isso, muitos alunos que iam até a instituição foram remanejados para outras mais próximas de suas residências.

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“Por estarmos na região central, já não havia tanta procura, e além disso há outras escolas estaduais nas proximidades, que também perderam estudantes para a periferia”, lamenta. 

Uma reestruturação na Educação de Jovens e Adultos (EJA), em 2006, também reduziu o número de alunos do Dezenove. Na prática, as atividades foram drasticamente reduzidas em 2011, ano do centenário, quando o Dezenove de Dezembro recebeu o comunicado de que não poderia mais ofertar turmas do 6.º ao 9.º ano no período vespertino. Pais e professores se mobilizaram para tentar impedir mudanças, mas sem sucesso. Muitos alunos mudaram de escola nessa ocasião. Depois disso, o colégio foi impedido de ofertar novas turmas de 6.º ano em qualquer horário; depois, de 7.º, e foi assim que ele chegou em 2017 com apenas uma pequena turma no 9.º ano. 

Eliana, que se aposentou na mesma época em que as atividades foram encerradas, reconhece que o Dezenove tinha um espaço “semi-ocioso” que precisava ser melhor aproveitado. “Foi dolorido, mas foi feita uma escolha. Do ponto de vista da gestão pública, foi uma boa solução. Ainda mais porque o importante é atender aos alunos que precisam de escola”, avalia. 

Museu guarda memória escolar 

Mesmo que uma escola deixe de existir, sua memória e acervo podem e devem ser preservados. A preservação desse patrimônio ganhou status de projeto governamental em 2013, com um decreto criando o Museu da Escola Paranaense. Com a cessão das atividades do Colégio Estadual Dezenove de Dezembro, em 2017, materiais como fotografias e alguns documentos foram direcionados para esse museu, ele próprio instalado no antigo prédio do Grupo Escolar Cruz Machado (1906-1927), no Batel. Depois disso, virou repartição pública e, durante as últimas décadas, delegacia. 

O museu está em obras atualmente, e quem quiser revisitar ambientes escolares e conhecer um pouco dessa história precisa esperar até 2019. Mas é por uma boa causa: “O espaço nunca havia sido restaurado, então estamos fazendo algumas melhorias. Não é uma reforma tão grande, mas vai melhorar as instalações”, diz o coordenador da instituição, Cláudio Ogliari. Após a tragédia do Museu Nacional no Rio de Janeiro, esse é o tipo de notícia que cidadãos conscientes da importância da cultura querem ouvir. 

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Do Dezenove de Dezembro, o museu tem a bandeira original, bem como troféus, máquinas, balanças e peças do laboratório, além de uma antiga sineta que batia no horário de início e fim das aulas. Há também registros fotográficos, como o da fanfarra – algumas imagens foram doadas pelo jornalista Cid Destefani, que até sua morte, em setembro de 2015, publicava a coluna “Nostalgia” na Gazeta do Povo. “As crianças ficam fascinadas em ver como era uma sala de aula de antigamente, e tentam se imaginar no passado. Veem objetos como mimeógrafos e tentam fazer uma relação com as máquinas modernas usadas hoje”, relata Ogliari. 

Segundo Ogliari, uma das tarefas do museu é orientar as escolas ativas a criarem centros de memória em cada estabelecimento. “Não precisa ter um espaço específico, se não houver possibilidade, mas manter a guarda permanente e documentada dos seus bens materiais e imateriais. Qual é o aniversário da escola, uma data comemorativa, o patrono ou patrona da escola, quem foi. As crianças precisam entender a história da instituição de ensino, possíveis mudanças de nome. Isso gera um sentimento de pertencimento”, explica. 

Ele cita ainda como exemplo um antigo costume de se criar galerias de fotos com ex-diretores. “Mas quem foram, o que fizeram pela instituição? É preciso conhecer um pouco mais. Normalmente os alunos só gravam na memória quem foram os professores, pela proximidade, mas o conhecimento amplia essa memória afetiva”, ensina.

A documentação escolar do Dezenove de Dezembro, com livros e histórico escolar de cada aluno, ficou sob a guarda do Colégio Estadual Tiradentes e do Instituto de Educação Erasmo Piloto. 

Grupo “desburocratiza” decisões 

A municipalização do Colégio Estadual Dezenove de Dezembro foi sendo desenhada ao longo de anos pelas secretarias da Educação de Curitiba e do Paraná. Técnicos reunidos no chamado Grupo de Trabalho Curitiba é que fizeram os acertos finais para a concretização da mudança. Segundo Elisângela Mantagute, da secretaria municipal, são feitas reuniões mensais “olho no olho” que agilizam a execução de ações. “São pessoas que apresentam determinado problema ou dificuldade a pessoas que podem resolver. Isso fortalece a perspectiva de atendimento ao cidadão nas demandas que ele tem e desburocratiza nosso trabalho”. 

Pelas mudanças recentes na legislação de educação, que acarretaram prerrogativas específicas para cada nível administrativo, o que mais se viu foi a municipalização de estruturas. Mas também há casos em que a prefeitura “ajuda” o estado, cedendo salas de aula em suas escolas, como no Dona Pompília, no Tatuquara. “Lá houve uma diminuição de alunos do 1.º ao 5.º ano do Fundamental e por isso pudemos ceder um bloco inteiro para o estado usar, cuidando da limpeza, conservação etc”, explica Elisângela. Também há instituições municipais que cedem salas de aula para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno.

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