• Carregando...
Josias Teófilo, diretor do documentário O Jardim das Aflições, inspirado na obra de Olavo de Carvalho | Divulgação
Josias Teófilo, diretor do documentário O Jardim das Aflições, inspirado na obra de Olavo de Carvalho| Foto: Divulgação

A exibição do documentário “O Jardim das Aflições”, inspirado no livro homônimo do filósofo Olavo de Carvalho e dirigido pelo cineasta Josias Teófilo, terminou em confusão na noite de sexta-feira (27). Cercados por militantes de esquerda em um auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Teófilo e os demais que assistiam à exibição tiveram de ouvir palavras de ordem, como “recua, direita, recua!”, e provocações dos militantes, até que a situação saiu do controle e começou a pancadaria entre a militância e entusiastas do presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

“É como se eu estivesse no meio de uma coisa que não me pertence. Eu não fiz filme para ‘guerra cultural’ alguma”, afirmou Teófilo à Gazeta do Povo. Segundo o cineasta, a confusão começou pela ação de um infiltrado do Partido da Causa Operária (PCO).

Teófilo comentou o boicote que sofreu no Cine PE em maio deste ano, quando diversos cineastas retiraram seus filmes do festival, acusando a curadoria de “favorecer um discurso partidário alinhado à direita conservadora e grupos que compactuaram e financiaram o golpe ao estado democrático de direito”, mas destacou que, desta vez, o que houve na UFPE foi “histórico”. 

“O petismo é uma religião degradada e o petismo é a religião deles. Nós profanamos o templo do esquerdismo”, disse. “Pernambuco tem esse aspecto revolucionário, principalmente na cultura. Por exemplo, o modernismo começou aqui antes de 22”, destacou.

Teófilo também vê no ocorrido um prenúncio das eleições de 2018, que deve ser marcada pelo extremismo político. Mas o cineasta,  que critica a postura da direita na polêmica do Queermuseu e que prepara um filme sobre o politicamente correto no humor em conjunto com o humorista Danilo Gentili, garante que não existe cinema ideológico. “Não faço filmes conservadores, porque isso não existe”, afirmou Teófilo à Gazeta do Povo

Leia a íntegra da entrevista abaixo:

Gazeta do Povo: Você afirmou no Facebook que “Quem causa confusão não é o filme, mas gente que não tolera que o filme seja exibido”. Por que tem gente que não tolera a exibição do seu filme? 

Josias Teófilo: Porque ele trata de um filósofo [Olavo de Carvalho] que denunciou, há mais de 20 anos, que a esquerda tem se organizado criminosamente para se perpetuar no poder, para se favorecer na cultura, nas universidades, nos jornais. Ele furou a bolha da esquerda, que foi construída durante longos 40, 50, 60 anos. Não é à toa que eles odeiam o filme. Mas a obra em si não tem nada disso. O filme só trata de política citando um autor petista, o que é curioso, porque muita gente de esquerda gostou da interpretação que ele [Olavo de Carvalho] fez [de Raymundo Faoro], inclusive o Eduardo Escorel, que é o maior montador do cinema brasileiro. Tem uma visão interessante [no filme] até para quem é de esquerda. 

Agora, o resto do filme trata de questões filosóficas: o filme termina tratando da morte e da filosofia. Não tem nada de ofensivo, a pessoa pode ser de esquerda, marxista, leninista, qualquer coisa, e ela pode gostar.  E as pessoas têm gostado, quem vê o filme gosta. 

Essa não é a primeira vez que seu filme causa confusão. Você acha que o boicote que houve no Cine PE tem a ver com o que houve na UFPE?

Foram dois enfoques diferentes. No Cine PE foi uma coisa de elite. O pessoal que faz cinema geralmente tem um padrão cultural mais alto, fizeram manifesto, retiraram seus filmes [do festival], fizeram as coisas de sempre. O que aconteceu na UFPE foi coisa do “povão comunista”, digamos assim, dos militantes mesmo, e aí eles partem para a porrada. Cineasta não parte para a porrada, eles ficam falando, fazendo cara feia, tentando te ignorar. Na verdade, eles tentaram me ignorar durante todo o tempo que eu fiz esse filme, fingindo que eu e o filme não existiam, até o caos que foi o Cine PE. Agora, eu acho que esse dia na UFPE foi histórico. 

Por quê? 

Porque essas pessoas tratam a militância política como uma atividade religiosa. Mircea Eliade [intelectual romeno que estudou religiões comparadas] diz que não existe um homem completamente arreligioso, não existe ateísmo puro, ou seja, todo homem é repleto de comportamentos religiosos e mitológicos, que se manifestam de uma forma ou de outra: ou se manifestam através da religião, ou através da caricatura religiosa. O petismo é uma religião degradada e o petismo é a religião deles. Nós profanamos o templo do esquerdismo, que era o CFCH [Centro de Filosofia e Ciências Humanas]. Por isso tudo aconteceu. 

Tirando essa escala cósmica, você também afirmou no Facebook que “2018 começou sexta passada”. Por quê? 

Porque já estão ali os atores da eleição de 2018 se confrontando. E eu acho que vai ter confronto: o pessoal que defende o Bolsonaro, o pessoal que defende o Lula, os comunistas, as coisas estão ficando extremadas. O debate não é nem entre petistas e pessedebista, isso já foi em 2014. Na prática, vai ser PSOL – a esquerda com purpurina – e os comunistas, de um lado, e Bolsonaro e a direita de outro. 

Você fala desse extremismo e, nas imagens, você estava lá tentando apaziguar os ânimos antes de a briga começar. Como um artista enxerga esse extremismo? 

Naquele momento, eu tentei de toda forma fazer com que eles não se batessem. Curiosamente, os esquerdosos me respeitaram. Eu até estava conseguindo apaziguar, mesmo com os esquerdosos provocando, dançando, mostrando a bunda. Mas teve uma coisa curiosa: estava de um lado o pessoal de direita e, do outro, o de esquerda e, de repente, surgiu um cara do meio dos nossos e emburacou na esquerda. Um colega meu conhece aquele cara e sabe que ele é militante do PCO, ele fez isso para causar o caos.

Mas quando eu não consegui apaziguar, eu fiquei muito mal, a coisa ficou assustadora, virou “Gangues de Nova York” [filme de Martim Scorcese]. Quando eu saí, apareceu o cara sangrando, daquela foto que todo mundo compartilhou, eu fiquei chocado, saímos fugidos, eu deixei até o carro para trás, peguei um táxi. Eu saí muito triste, acabado e no caminho cruzamos com uma ambulância e eu digo “pronto, morreu alguém”. Fiquei desesperado, tentei fumar um cigarro e não consegui. É como se eu tivesse no meio de uma coisa que não me pertence. Eu não fiz filme para “guerra cultural” alguma. 

Seu filme não é parte de uma guerra cultural? 

Não, nem pensar. Agora, é exatamente por não ser parte de uma guerra cultural que o filme tem substância para ser usado por outras pessoas no sentido de uma guerra cultural. Mas eu sei que esse filme tem um potencial revolucionário e esse potencial está no fato de que o filme é absolutamente original no contexto do cinema brasileiro: é o primeiro documentário filosófico da história do cinema brasileiro, como disse o Lúcio Aguiar. O filme é tão denso, tem um conteúdo tão forte, que ao seu redor começa a criar um furacão. 

Você não é o primeiro pernambucano atacado na própria terra. Lembro o Gilberto Freyre, por exemplo. Estamos diante de um fenômeno antigo no Brasil ou há algo novo nisso? 

Pernambuco é um lugar revolucionário. Gilberto Freyre diz isso. Estou até com o livro aqui [Recife, sim! Recife, não!], vou ler para você. “Toda crise política no Brasil tem tido no Recife um ponto de repercussão aguda. Toda revolução na vida cultural do Brasil – literária, artística, cinetífica, educacional – tem tido no Recife a mesma espécie de repercussão e algumas vezes mais do que isto: tem partido do Recife. Irradiado do Recife”. 

Pernambuco tem esse aspecto revolucionário, principalmente na cultura. Por exemplo, o modernismo começou aqui antes de 22. Nós tivemos o proto-modernismo, antes da Semana da 22 e, mesmo na Semana de 22, os únicos que prestam são os pernambucanos e os cariocas. Os paulistas todos [eram] uns idiotas. Às vezes a gente é meio bairrista, mas Recife, veja bem, é uma cidade pisciana. Peixes tem uma tendência para a fantasia, para a religiosidade, e o Recife é uma cidade pontuada por torres de igrejas e as igrejas são muito importantes aqui. 

É uma cidade muito religiosa, mas não existe a irreligiosidade completa, como eu disse, então a pessoa se apega à caricatura da religião. Então, Recife tem esses dois lados: o conservadorismo mais profundo – sabe que Ariano Suassuna virou católico por influência de Gilberto Freyre? – e, por outro lado, a religiosidade degradada, que é o petismo. 

No mesmo dia da confusão na UFPE, divulgou-se na internet que, na noite de quarta-feira (25), militantes de direita invadiram um evento, na UERJ, sobre os 100 anos da Revolução Russa. Isso tudo é parte de um mesmo fenômeno, talvez dessa religiosidade degradada a que você se refere? 

Nesse caso eu não sei os detalhes para afirmar. Mas é evidente que eu não concordo com essa atitude. Tem muita coisa do nosso lado, da direita, que está ruim. Por exemplo, na Queermuseu, o enfoque que a direita deu foi muito errado. A questão não é se tem pedofilia ou não, a questão é que inexistia uma adequação etária ali, o problema é esse, não que tenha pedofilia ali. Se fosse assim, vamos proibir Lolita [livro de Vlaidmir Nabokov]? Até porque se algo está em uma obra de arte, não se está fazendo necessariamente apologia ali. 

Parte da esquerda que te ataca - e que este ano atacou o filme Vazante, da Daniela Thomas; que exigiu o encerramento, em 2015, de uma peça do Itaú Cultural, supostamente pelo conteúdo racista; que impediu a Yoane Sanchez de falar, em 2013 - é a mesma que reclama do boicote ao Queermuseu e das críticas conservadoras ao MAM. Estamos presos num sketch do Monty Python? 

[Risos]. É isso mesmo. Eles têm um programa revolucionário que seguem à risca, o que sai fora desse programa eles querem mesmo é que se acabe. Eles não estão preocupados com liberdade de expressão. 

Falando em liberdade de expressão, como está seu projeto “Os Limites do Humor” com o Danilo Gentili? 

Eu vou abrir em breve o crowdfunding. Vai ser um documentário sobre o politicamente correto no humor. O Danilo Gentili vai fazer as entrevistas para o filme. Provavelmente vamos bater, de novo, o recorde de maior crowdfunding da história do Brasil. O politicamente correto virou uma espécie de moralidade. Nós somos como se fôssemos aqueles revolucionários da década de 1960. Os alternativos da história aqui somos nós. 

Você se considera um conservador, mas não faz filmes conservadores. Como se faz essa separação? 

Pode-se dizer que sim, eu tenho muito interesse pelo conservadorismo, e não faço filmes conservadores, porque isso não existe. Uma obra de arte não afirma categoricamente nada. Se estiver afirmando, você está fazendo publicidade. Se eu fizer um filme para provar algo, mesmo que seja uma ideia filósofica, é melhor fazer um comercial de TV ou uma campanha. Uma obra de arte não afirma, e nem poderia. 

Vou dar um exemplo perfeito da separação: eu me tornei católico depois que eu vi “A Paixão Segundo São Mateus”, de Pier Paolo Pasolini. Pasolini era homossexual e comunista – comunista mesmo, do Partido Comunista – e eu me tornei católico exatamente por causa desse filme, ou seja, as obras de arte não refletem a ideologia [do autor]. Se elas estão refletindo a ideologia, elas não são obras de arte.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]