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Livro denomina a educação familiar como a revolução feita “da mesa da cozinha” | Bigstock/
Livro denomina a educação familiar como a revolução feita “da mesa da cozinha”| Foto: Bigstock/

A visita de um oficial de justiça à casa da pedagoga Viviane Canello Strapasson confirmou mais uma briga jurídica no Brasil de famílias que querem ter o direito de ensinar os filhos em casa. Além do processo contra ela, ajuizado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), outros 19 tramitam em mais estados. No país, pelo menos 3,2 mil famílias optaram pelo chamado homeschooling, apesar dessa modalidade de ensino regular não ser permitida pelo artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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O processo nasceu após uma comunicação de um suposto “abandono intelectual” de Viviane em relação ao filho Pietro, de 6 anos. Descontente com o tratamento recebido pela criança em uma escola pública e depois em uma instituição privada e após conhecer outras famílias que ensinam seus filhos em casa, Viviane decidiu usar seus conhecimentos como pedagoga para fazer o mesmo. O que ela não contava era com uma denúncia feita contra ela no Conselho Tutelar, encaminhada posteriormente ao MP-PR.

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A denúncia resultou em uma medida de proteção assinada pela promotora Sílvia Galesi Campelo, onde há o pedido de que a criança seja matriculada de forma urgente e por coação, caso seja necessário. A decisão desencadeou nas redes sociais mensagens de apreensão e insegurança em grupos de pais que lutam pelo direito de fazer o ensino domiciliar.

Defesa

A estratégia dos advogados de defesa, Victor Hugo Domingues e Frederico Junkert, é pedir a suspensão do procedimento até que seja julgada uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade do ensino domiciliar. “Também vamos sustentar que não existe nesse caso nenhum tipo de abandono intelectual, muito pelo contrário. Há uma preocupação clara da mãe, que não concorda com o sistema de educação na cidade por não fornecer as condições necessárias para educar bem a criança”, afirma Victor.

Viviane conta que alfabetizou o filho em casa e que teve experiências não muito positivas nas escolas. “Como sou professora e soube de muitos casos no Brasil de ensino em casa, optei por isso e acho que, atualmente, seria a melhor opção para o meu filho”, afirma Viviane.

Clandestinidade e sofrimento

O ensino domiciliar é propagado com força em outros países, principalmente nos Estados Unidos, e é motivado pela insatisfação dos pais com a educação regular. “Uma característica comum em todas essas famílias no Brasil é uma forte crítica à escola. Muitas delas fizeram tentativas de colocar os filhos em diversas instituições e ficaram decepcionadas”, explica Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que entrevistou famílias com educação domiciliar em Portugal e no Brasil.

Revolução da mesa da cozinha

No livro “The Homeschooling Revolution”, não traduzido no Brasil, a norte-americana Isabel Lyman, doutora em Ciências Sociais, argumenta que os norte-americanos com ensino domiciliar promovem uma revolução cultural da mesa da cozinha de suas casas. São pais que alcançam bons resultados, segundo ela, “sem muitos aplausos e sem um centavo de financiamento do governo”. A metáfora da revolução silenciosa dentro de casa, de acordo com Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora do programa de pós-graduação em Educação da UERJ, que entrevistou famílias com educação domiciliar em Portugal e no Brasil, é acertada já que esses pais se propõem a questionar e enfrentar os padrões de uma instituição que tem pelo menos dois séculos de institucionalização: a escola.

De acordo com a pesquisadora, a falta de uma lei que regulamente a educação domiciliar é causa de sofrimento para os pais, que enfrentam dificuldades jurídicas, além da pressão de amigos, familiares e vizinhos. Ao mesmo tempo, para que não ocorra o abandono intelectual dessas crianças, seria necessário garantir algum tipo de acompanhamento, como existe em Portugal, onde os alunos de ensino domiciliar são matriculados e comparecem a exames todos os anos.

Luciane Muniz Barbosa, pesquisadora do tema e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, cita o artigo 26 de Declaração Internacional de Direitos Humanos para defender o direito das famílias de escolherem o gênero de educação dos seus filhos. Mas ela alerta que as famílias não podem se fechar à atuação do Estado. “O problema que vejo é que muitas famílias que defendem e praticam o homeschooling não querem qualquer tipo de supervisão, indicando que essa seria uma interferência do Estado em seu direito de escolha individual”, afirma, em entrevista por e-mail. “Quanto a isso, reitero que precisamos nos atentar às caraterísticas e índices de violência e outros que afetam as crianças no Brasil, e defendermos o direito à educação e proteção integral de todas as crianças. É preciso pensar que estamos em vias de regulamentação de algo que afetará o direito de todas as crianças e jovens e não somente de algumas famílias em particular”, frisa.

As vantagens e desvantagens do homeschooling

Não é por acaso que o ensino domiciliar cresce no Brasil e no mundo. Pesquisadores que estudam o fenômeno apontam inúmeras vantagens que fazem com que os pais optem por esse caminho. Ao lado delas, também há desvantagens, mas que parecem não ser consideradas importantes para essas famílias.

“Entre as vantagens está a possibilidade de atenção individual e condução do ensino respeitando as caraterísticas individuais da criança e o bom resultado acadêmico dos estudantes homeschoolers e seu ingresso nas universidades”, explica Luciane Muniz Barbosa, pesquisadora do tema e professora da Faculdade de Educação da Unicamp. Além disso, outros fatores também estimulam a prática, como o maior tempo e oportunidade para a criança estar com a família e também de aprender por diferentes formas e métodos.

A falta de socialização costuma ser o primeiro argumento contrário ao ensino domiciliar, mas é fraco. A literatura internacional mostra que a família, os vizinhos, os amigos e, sobretudo, os avanços tecnológicos, possibilitam que as crianças que aprendem em casa não se isolem ou sofram com isso.

“A ausência da escola não leva necessariamente a uma falta de socialização. Ao contrário, os argumentos contra a socialização oferecida pela escola são vários, por segregarem as crianças por idade e promoverem socialização somente entre os pares; questões de violência e bullying; formas de ensinar o desrespeito; entre outras”, diz Luciane. “É preciso desmistificar ‘o mito da socialização’, como a literatura norte-americana traz, relacionado ao homeshcooling. É possível haver socialização negativa ou restrita estudando em casa ou na escola”, afirma.

Por outro lado, a pesquisadora aponta como preocupações duas questões presentes no homeschooling. “Primeiro, a importância exagerada que pode existir no mérito acadêmico em nome de uma perda do direito da criança à infância e tudo o que ela representa para o desenvolvimento do ser humano”, elenca Luciana, lembrando casos de famílias que solicitaram à Justiça o ingresso dos filhos na universidade antes da idade oficial estipulada. A segunda, seria que, de alguma forma, o direito à educação de crianças e adolescentes seja violado caso não haja um acompanhamento por parte do governo.

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