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O ministro da Educação, Camilo Santana, tem a alfabetização como principal desafio.| Foto: Luis Fortes/MEC

O Brasil ficou em 60º lugar entre 65 participantes em sua primeira presença no principal exame internacional sobre alfabetização do mundo, o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study). Alunos do 4º ano do ensino fundamental (10 anos de idade) brasileiro pontuaram menos em habilidades de leitura do que os de países com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) menor que o nacional, como Uzbequistão e Azerbaijão.

A situação da alfabetização no país, precária há décadas, foi agravada pelas medidas de isolamento social promovidas durante a pandemia da Covid-19, como já revela o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Há algumas semanas, o órgão apresentou os resultados de uma pesquisa mostrando que o número de crianças de 7 a 8 anos que não sabem ler e escrever praticamente dobrou entre 2020 e 2022.

A gravidade do problema é reconhecida pelo ministro da Educação, Camilo Santana, que, desde o começo do mandato, tem prometido tratar como prioridade a alfabetização das crianças até o 2º ano do ensino fundamental. Mas, por enquanto, a estratégia pensada para isso imita a lógica falida de mandatos anteriores do PT: aumentar a verba estatal para a educação apostando na relação direta entre valor investido e qualidade do aprendizado.

A universalização do ensino, apregoada pelo PT como uma conquista de suas gestões, pode significar, na prática, somente a universalização da matrícula na escola. Há décadas, boa parte dos estudantes brasileiros atravessa os anos do ensino fundamental sem ter aprendido a habilidade mais básica que uma escola deveria contemplar: a leitura.

De acordo com o PIRLS, cerca de 38% dos estudantes brasileiros são analfabetos funcionais aos 10 anos e não dominam nem sequer as habilidades mais básicas de leitura, como recuperar uma informação explicitamente declarada no texto. Segundo a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), os estudantes deveriam estar alfabetizados entre o 1º e 2º anos do ensino fundamental – ou seja, entre 7 e 8 anos de idade, muito antes da idade que o PIRLS avalia.

"São números catastróficos, porque as crianças têm que ser alfabetizadas no primeiro ano. Isso mostra que as escolas de ensino fundamental nossas não estão funcionando", diz o professor Adriano Naves de Brito, ex-secretário de Educação de Porto Alegre.

A situação do Brasil no PIRLS se refere a testes aplicados com crianças que tinham dez anos entre outubro de 2020 e julho de 2022 – ou seja, que entraram no ensino fundamental entre aproximadamente 2017 e 2019, antes da crise da Covid-19. O impacto das medidas de isolamento social da pandemia poderá tornar os resultados do país ainda piores nas próximas avaliações.

"Nós fomos um dos países que mantiveram as escolas fechadas por mais tempo no mundo. E os únicos inocentes nessa história foram as crianças, porque a esquerda queria fechar, e a direita não se empenhava para abrir", afirma Brito.

O que pode ser feito para resolver o problema da alfabetização

Ilona Becskeházy, doutora em Política Educacional pela PUC-RJ e ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), diz que o resultado do Brasil no PIRLS era previsível. "Surpreende apenas que haja outros países que ficam atrás do Brasil", ironiza.

O ingresso do Brasil no PIRLS se deu em 2019 por iniciativa de Carlos Nadalim, ex-secretário de Alfabetização. Para ela, o país entrou atrasado na avaliação. "Uma pergunta que nós temos que fazer é: por que é que o Brasil só entrou no PIRLS por meio das mãos de um secretário do governo Bolsonaro, em 2019? O PIRLS existe desde 1999. Por que a gente não entrou antes? É uma iniciativa que permite fazer grandes reflexões a respeito do que se ensina aos alunos, principalmente no ensino elementar, que é o foco principal do exame", observa.

O desempenho das crianças, segundo ela, é um reflexo do que são as escolas públicas brasileiras, que "não se propõem a ensinar a ler e escrever". "Elas se propõem a ensinar textos sobre tudo quanto é assunto que está na moda, mas alfabetização as escolas não se propõem a ensinar. Quando se propõem de maneira séria, elas ensinam. Hoje em dia, quem se propõe a alfabetizar os alunos, muitas das vezes, são as famílias", comenta.

A educadora Anamaria Camargo, presidente e diretora-executiva do Livre pra Escolher, não vê espaço para pretextos: crianças matriculadas em escolas têm que saber ler.

"É preciso garantir a alfabetização até os 7 anos para 100% das crianças atendidas nas escolas públicas. Absolutamente qualquer aumento de gasto público supostamente voltado para a educação que não contribua diretamente para esse fim deve ser suspenso até que este objetivo seja atingido. Se, para isso, for preciso fazer parcerias com o setor privado, que assim seja", diz.

Na visão dela, seriam vantajosas parcerias público-privadas com métricas consistentes e ambiciosas, cuja renovação dependesse dos resultados. "Para isso, os gestores devem poder usar os recursos do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], além de ter autonomia para contratar, avaliar, premiar e demitir pessoas", diz.

Para Adriano Naves de Brito, soluções pedagógicas não serão suficientes: é preciso mudar o modelo de gestão das escolas. "Muito se pode fazer, de fato, para melhorar os nossos recursos pedagógicos e as nossas metodologias de alfabetização. Mas eu não avalio que isso seja o primeiríssimo problema a ser enfrentado. Nenhuma modificação pedagógica que a gente queira introduzir nas escolas vai funcionar se as escolas não funcionarem", diz.

O Brasil, segundo ele, já investe bastante em educação, mas não usa bem esses recursos. Uma saída, para Brito, seriam as escolas públicas não estatais, modelo que ele buscou implementar como secretário de Educação de Porto Alegre. Trata-se de instituições com gestão privada, mas pagas pelo poder público para a população carente.

A gestão privada das escolas, na visão dele, melhoraria o tipo de serviço oferecido sem ser mais onerosa que a pública. "Em torno de 85% da educação básica no Brasil é de escolas públicas estatais. As escolas privadas, que funcionam muito melhor, são um nicho da classe média que pode pagar a escola. Há um monopólio estatal da educação pública."

O motivo para esse monopólio, segundo Brito, é o corporativismo de sindicatos de professores e outras associações que "organizam sistemas para favorecer a si mesmas e não aos alunos". "Há muitíssima gente boa querendo fazer um bom trabalho nas escolas, mas as corporações dominam as pautas. As escolas, portanto, se organizam em torno das pautas corporativas, e o gestor não consegue mudá-las", comenta.

O que Camilo Santana pretende fazer

O ministro Camilo Santana tem reiterado que quer tratar a alfabetização até o segundo ano como prioridade do MEC para os próximos anos. Não há, no entanto, previsão de que a parceria com o setor privado seja um dos principais caminhos para isso.

"Todos os especialistas dizem que a fase mais importante para as crianças são os anos iniciais, quando ela tem facilidade de aprendizagem. A gente precisa garantir a alfabetização na idade certa", disse Santana, no começo de maio, em audiência da Comissão de Educação do Senado.

Na última quinta-feira (18), ele esteve em João Pessoa para anunciar uma parceria com o governo da Paraíba nesse sentido. O foco de Santana é dar mais recursos aos gestores estatais responsáveis pelo ensino fundamental.

O anúncio de priorização da alfabetização na faixa etária adequada não é novo num governo petista: em 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff anunciou um aporte de R$ 2,7 bilhões com essa finalidade.

Para Adriano Naves de Brito, priorizar a alfabetização na idade certa é fundamental, mas o caminho que tem sido apontado pelo novo ministro, de transferência de recursos aos gestores estatais, já se mostrou falho.

"As propostas dele vão na direção de fortalecimento da corporação [de associações, sindicatos de professores etc.]. Nós vamos colocar mais dinheiro em um sistema cujos resultados não justificam mais aporte de recursos", diz.

Para Ilona Becskeházy, sem metas agressivas e claras, nenhum programa terá impacto real na vida das crianças. A solução, segundo ela, passa por "colocar como ordem, como meta, como obrigatório, que os alunos brasileiros têm que estar alfabetizados, lendo 60 palavras por minuto, de maneira clara, com compreensão, até o final do primeiro ano escolar".

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