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A jovem cientista durante montagem da primeira imagem de um buraco negro.
A jovem cientista durante montagem da primeira imagem de um buraco negro.| Foto:

Katherine Bouman tinha um segredo: um algoritmo que ela desenvolveu e que gerou uma imagem de um buraco negro. Ela não contou a ninguém, a não ser para seus colegas. Até ontem (10). Foi quando a equipe do telescópio Event Horizon, da qual Bouman é membro, revelou a primeira imagem de um buraco negro.

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Bouman, de 29 anos, é pesquisadora e faz pós-doutorado no Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica. Ela trabalha no algoritmo há quase seis anos, desde que se formou no MIT. Bouman era uma entre cerca de trinta cientistas que usam algoritmos para processor dados reunidos pelo projeto do telescópio Event Horizon, um projeto mundial de astrônomos, engenheiros e matemáticos.

Telescópios ao redor do mundo coletavam ondas de rádio de alta frequência vindas das proximidades de Messier 87, um buraco negro supermassivo a 54 milhões de anos-luz da Terra. Mas a interferência atmosférica e escassez de medições faziam com que “uma infinidade de imagens possíveis” explicassem os dados, disse Bouman. Algoritmos elaborados tinham de conseguir calcular o caos.

A imagem divulgada na quarta-feira, e que foi associada a uma rosquinha queimada, ao Olho de Sauron e até mesmo a um Rembrandt, é uma composição de várias dessas imagens possíveis. “Desfocamos duas das imagens e depois fizemos uma média delas em relação a uma terceira para chegarmos à imagem que mostramos”, disse Bouman. O anel de matéria que cerca Messier 87 tem a massa de 6,5 bilhões de sóis e “é algo em que temos muita confiança”.

O Washington Post conversou com Bouman depois que a imagem foi revelada. A entrevista a seguir foi ligeiramente editada para fins de clareza.

Você é uma astrônoma. Como você se envolveu com a fotografia de buracos negros?

Minha origem é a ciência da computação e a engenharia elétrica. Fiz meu PhD em visão computacional, um campo da ciência no qual você tenta compreender imagens. E ouvi falar desse projeto, dessa ideia de capturar a imagem de buracos negros. Na época eu mal sabia o que eram os buracos negros. Mas fui a uma reunião [na qual Shep Doeleman, o astrônomo de Harvard que dirige o projeto Event Horizon, falava dos buracos negros]. Não entendi nada do que ele falou, mas, assim que saí da reunião, soube que era algo no que eu queria trabalhar.

Eu me interesso por como podemos ver e medir as coisas que são consideradas invisíveis para nós. E como podemos inventar formas novas de unir instrumentos e algoritmos para conseguir mensurar coisas que não podemos mensurar com os instrumentos comuns.

Qual o papel do algoritmo nessa imagem, reunindo dados de telescópios de todo o planeta?

Temos telescópios distribuídos por todo o mundo. Para cada dois telescópios de mesma abrangência, medimos uma única frequência espacial, o que diz muito sobre o quão rápido as coisas estão mudando.

Conseguimos uma informação parcial. É quase com over um só pixel de uma imagem (mas num terremos completamente diferente). Temos de inventar métodos de pegar esses dados muito escassos e cheios de ruído e tentar descobrir a imagem que causou aquelas medições.

O que acabamos fazendo é usar coisas chamadas “normatizadores” ou “inferenciadores” que nos permitam dizer: “Certo, de todas as imagens que podem se encaixar nesses dados, esse conjunto de imagens é o mais provável”.

Mas o problema é que não queremos adicionar informações adicionais à questão, a fim de não corrermos o risco de direcionarmos nosso resultado para algo que já esperávamos encontrar. Passamos muito tempo nos certificando de que o que estávamos vendo era real, e não algo que, até inconscientemente, talvez estivéssemos impondo sobre os dados.

[Para excluir a possibilidade de uma interferência de toda a equipe, o projeto dividiu os especialistas em imagem computacional em quarto grupos distintos, cada qual trabalhando num tipo de algoritmo. Eles estavam proibidos de trocar informações].

Quando você soube que o buraco negro era mesmo um buraco?

Tínhamos ao menos esperança de que encontraríamos uma coisa em formato de anel. Ainda assim, não sabíamos que os outros grupos chegariam ao mesmo resultado.

Nós nos reunimos todos em Cambridge, Massachusetts, e, no segundo dia de reuniões, todos mostramos as imagens que criamos a partir do conjunto de dados. Foi provavelmente o momento mais empolgante que tivemos ao longo de todo o projeto.

Quando vi que todos nós recriamos esse anel, percebi que era uma característica incrivelmente sólida.

[Depois disso, e durante meses, os cientistas tentaram desconstruir as suas imagens. Eles desenvolveram novos scripts, ou dutos, e usaram esses dutos nos dados em busca de discos; essas estruturas não têm buracos. Mas, quando os cientistas alimentaram os telescópicos com dados desenvolvidos em buscas de discos por meio desses dutos, eles reconstruíram um anel. A estrutura existia mesmo].

Não conseguimos um disco. Ainda tínhamos aquele buraco.

Tradução: Paulo Polzonoff

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