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Em artigo anterior, falei sobre a necessidade de riqueza para a construção e manutenção de um sistema educacional que seja de excelência apesar de ser público. Por ignorância ou má-fé, os defensores da educação estatal não explicam que a excelência desse sistema depende da pré-existência de uma economia livre, que permita o acúmulo de “gordura”. É a liberdade econômica que possibilita que países enriqueçam, prosperem e possam, inclusive optar por manter um sistema caríssimo e totalmente baseado em impostos. Infelizmente, economia livre é algo que jamais tivemos no Brasil. 

Ora, mas se a questão é dinheiro, podemos então concluir que basta injetarmos mais recursos que resultados acadêmicos aumentarão na mesma proporção? Certamente não tem sido assim nos Estados Unidos, cujos gastos em educação básica mais do que triplicaram nos últimos 30 anos sem qualquer (qualquer mesmo) melhora nos resultados de exames nacionais. Se tem sido assim em um país cuja administração educacional pública é muito mais eficiente que a brasileira, não é de surpreender que nosso sistema, servindo basicamente à população mais pobre (pouco escolarizada e sem poder de pressão) tenha fracassado apesar do aumento de gastos dos últimos anos. 

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Segundo relatório do Banco Mundial sobre gastos públicos, já estamos gastando 62% mais do que seria necessário para atingir o atual desempenho médio das escolas públicas, que sabemos ser péssimo. Este valor corresponde a quase 1% do PIB. Ou seja, injetar mais dinheiro em um sistema que já desperdiça tanto parece no mínimo insensato.  

Riqueza é pré-requisito, mas em si mesma, não garante excelência educacional. Uma das características gerenciais mais impactantes parece ser a autonomia escolar. Um estudo bastante recente (2017) da OCDE sobre o PISA 2015 mostra que quanto maior a interferência de uma autoridade central no planejamento curricular e na administração de uma escola — como acontece no Brasil através do MEC — mais baixo o escore em ciências. 

Por outro lado, quanto maior a autonomia gerencial e curricular de cada escola, mais alto esse escore. É o que acontece em países como Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Hong Kong: mais de 80% dos alunos nesses países frequentam escolas que têm autonomia sobre políticas de avaliação, escolha de materiais didáticos e mesmo para decidir que cursos desejam oferecer. 

Parece claro que, para que o Brasil consiga reverter o desastroso quadro educacional, um passo essencial é a criação de um mercado de educação livre de regulamentações estatais curriculares e burocráticas. Infelizmente, não vejo muitos educadores defendendo esta pauta por aqui.  

A propósito de mercado, pouco se fala também sobre a importância da educação privada nos países asiáticos. Em Cingapura (1° colocado no PISA), por exemplo, onde a pressão competitiva pela excelência educacional é fortíssima, 40% das crianças da pré-escola, 80% dos estudantes da educação primária e 60% dos alunos do secundário recebem educação privada complementar. No Japão (2° colocado), tais cursos complementares são chamados juku — uma tradição japonesa.

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Quase a metade dos alunos japoneses do “Ensino Fundamental” frequentam um juku, individualmente ou em grupos, no turno da tarde, após as aulas na escola regular, nos finais de semana e durante as férias de verão. Uma em cada seis crianças de 7 anos já frequenta um juku. Em Taiwan (4° colocado), tais cursos, conhecidos como bushiban, também são extremamente comuns: escola até às 15:00 e bushiban entre as 16:00 e as 21:00. 

Segundo a OCDE, dentre os países participantes do PISA, Taiwan tem um dos mais altos percentuais de estudantes frequentando escolas privadas. Na Coreia do Sul (11° colocado), são os hagwons, responsáveis pela complementação escolar privada da grande maioria do estudantes. Ou, pelo menos, daqueles que conseguem de destacar no ambiente acadêmico extremamente competitivo em que vivem. Os gastos com educação privada na Coreia do Sul estão entre os maiores dentre os países da OCDE e seus parceiros. Alguém já ouviu educadores no Brasil relacionando o sucesso educacional desses países no PISA à força da educação privada? Eu também não.  

Muitos educadores dirão — com razão — que este espírito tão competitivo não é saudável e que há mais na educação do que simplesmente estudar para fazer exames; há melhores modelos para buscarmos. É neste momento que surgem os prosélitos da educação estatal que querem a educação finlandesa no Brasil “pra ontem”: “Lá sim, há cooperação ao invés de competição!”.“Lá sim, as crianças aprendem cada uma no seu ritmo, sem estresse!”.

Por incrível que pareça, são os mesmos que defendem que o Estado imponha os conteúdos que todas as crianças de todas as escolas do Brasil devem aprender em cada série — independentemente de seus interesses ou ritmo de aprendizagem. Sim, os finlandeses têm uma base curricular nacional; no entanto, considere que a Finlândia tem uma população culturalmente homogênea de 5,6 milhões de habitantes (quase 4 vezes menor que a população heterogênea da Grande São Paulo). 

Ainda assim, cada currículo é preparado — junto com as famílias — de modo a atender às especificidades das demandas locais, sejam da municipalidade, da micro-região ou da própria escola. A partir daí, para cada aluno — junto com sua família — desenvolve-se um plano de aprendizagem a ser seguido pelo professor, que terá total autonomia para decidir sobre a melhor maneira de atender aquele aluno. 

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Será mesmo possível este nível de individualização pedagógico e engajamento familiar nas escolas públicas de um país populoso e pobre como o nosso? Será mesmo que os nossos educadores estatistas são ingênuos assim? Ou será que há nesse discurso um tanto de demagogia e outro tanto de medo de perder a estabilidade de um emprego público e ter que enfrentar a competição do mundo real?

Competição aliás que os professores finlandeses conhecem bem. Sim, porque a ideia de que a educação finlandesa não é baseada na competição é uma meia verdade. Entre as crianças, de fato, nem a escola nem a família enfatizam a competição. Por outro lado, muito da qualidade da educação finlandesa se deve aos seus excelentes professores e é através de intensa competição que eles são selecionados. Apenas os melhores alunos — 1 em cada 10 candidatos — conseguem entrar em uma universidade para se preparar para a carreira docente. Não tem cota nem jeitinho: só entram os mais bem preparados.  

Na Estônia (3° colocado no PISA), cujos resultados superam os da Finlândia (5° colocado), a competição também tem seu peso. Ao contrário da Finlândia, onde praticamente só há escolas públicas, na Estônia existem também escolas privadas. Muitas visam lucro e mesmo as escolas públicas aceitam doações privadas e ganham dinheiro com o aluguel de seus bens. Para horror dos nossos políticos, sindicalistas e educadores estatistas, os diretores das escolas públicas estonianas têm total autonomia gerencial: cabe a eles decidir sobre a contratação e a demissão de professores e funcionários. 

Como o financiamento público “segue o aluno”, que é livre para escolher a escola — pública ou privada — que irá frequentar, cada diretor sabe que se sua escola não apresentar bons resultados, seus alunos irão para a concorrência (pública ou privada) e sua escola perderá financiamento. Ou seja, os recursos públicos não são das escolas; são dos alunos. Por isso, as escolas têm que competir por eles. Isto cria um ambiente de um “quase mercado”, o que tem estimulado o envolvimento de empresas privadas no sistema educacional. O resultado disso é uma maior diversidade das instituições que produzem inovações pedagógicas, que concorrem entre si, trazendo mais qualidade na educação oferecida.  

Será que os educadores brasileiros querem mesmo educação de excelência? Se querem, já passou da hora de acabarmos com essa tolice de achar que é possível termos no Brasil educação de qualidade enquanto não tivermos liberdade para empreender e enriquecer como nação. Precisamos encarar que nossa (falta de) liberdade econômica — e nossa educação — se parecem muito mais com a da Venezuela do que com a da Finlândia e não há palavrório de educador estatista que mude isto. 

Para sair do caos, é necessário termos em mente que somos um país pobre, populoso e diverso. Isto significa que não temos como bancar a personalização do ensino nas escolas públicas, e a padronização que nelas existir será sempre nivelamento por baixo. Mais: ao contrário da Finlândia, somos uma nação construída na base do patrimonialismo; por aqui, sistema público significa sempre sistema gerido com o único propósito de manter a si mesmo e aos que vivem de suas benesses. Por isso, para a educação, a liberdade econômica de que precisamos deve se evidenciar o quanto antes na forma de um livre mercado educacional robusto e principalmente diverso, que tenha o aluno, e não escolas públicas, como fim. 

Resta saber até quando o Brasil — e os educadores brasileiros realmente bem-intencionados — vão seguir ignorando que não há outro caminho.

*Anamaria Camargo, Mestre em Educação com foco em eLearning pela Universidade de Hull, é diretora do Instituto Liberdade e Justiça e líder do projeto Educação Sem Estado.

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