Ao contrário do que muitos internautas ainda pensam, é possível identificar sua verdadeira identidade na web, mesmo que no universo virtual eles utilizem nomes falsos. No entanto, pelo fato de essa identificação ser um tanto burocrática -- para ser feita, é necessário uma autorização judicial --, muitos usuários se aproveitam da falsa sensação de anonimato para praticar o ciberbullying, ou intimidação através de meios digitais.
Nesta semana, foram registrados dois casos relacionados a esse tipo de intimidação. Uma professora e uma inspetora de uma escola estadual em Bauru, a 343 km de São Paulo, abriram um boletim de ocorrência depois de se depararem com mensagens ofensivas no site de relacionamentos Orkut. Em outra situação, um aluno que se diz vítima de bullying na escola usou essa mesma rede social para divulgar que não se responsabilizaria por seus atos. "Aos familiares das vítimas peço desculpas e deixo bem claro que eu não quero o perdão de ninguém. Talvez me chamem de assassino", escreveu o jovem em seu perfil.
O bullying é um conjunto de comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos que são adotados por um ou mais alunos contra outros colegas, sem motivação evidente. No caso do ciberbullying, essas mesmas ações são realizadas também contra professores via blogs, Orkut, YouTube, outros tipos de sites, mensageiros instantâneos e mensagens de texto escritos no telefone celular. Para o Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Byllying Escolar (Cemeobes), o uso da tecnologia propicia uma "forma de ataque perversa, que extrapola muito os muros da escola, ganhando dimensões incalculáveis".
"Os responsáveis por essas ações têm a falsa sensação de anonimato. Mas a internet deixa rastros, e é possível identificar o responsável pelo cyberbullying", afirmou ao G1 o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito digital. Para ele, é necessário que se crie nas escolas uma disciplina sobre como se portar na internet, incluindo nessas aulas os aspectos legais do uso da web.
No caso da intimidação virtual, por exemplo, o responsável pode ter de pagar uma indenização à vítima, além de poder responder pelo crime de difamação (um ano de prisão). Se o ofensor tiver menos de 16 anos, seus pais responderão pelo crime; se ele tiver entre 16 e 18 anos, responderá junto com seus pais ou responsáveis. Opice Blum lembra ainda que o anonimato na internet é crime: "Nossa constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato". Por isso, ao esconder sua verdadeira identidade, o ofensor pode ter a indenização e a pena aumentadas.
Uma pesquisa sobre violência nas escolas feita com 4 mil estudantes paulistas e divulgada pelo "Fantástico" (assista ao vídeo do início desta reportagem) mostra que, nas escolas particulares, 10% das ações de bullying são realizadas em sites de relacionamento e blogs. Esse número cai para 8% quando considera os estudantes de escolas públicas. Já um levantamento realizado pelo Cemeobes no final do ano letivo de 2006, com 530 alunos do ensino médio de uma rede privada de ensino do Distrito Federal, indica: 20% desses estudantes já foram vítimas de ataques on-line. Desse total, 63% são mulheres.
O problema vem ganhando proporções alarmantes em todo o mundo. Na semana passada, autoridades do Reino Unido lançaram uma campanha com o objetivo de reduzir essa prática. Entre as iniciativas, estão dicas para não responder a provocações enviadas via celular ou publicadas na internet, armazenar as evidências da intimidação e fazer denúncias às autoridades. A ação foi criada depois da publicação de um estudo, segundo o qual 34% dos jovens com idades entre 12 e 15 anos no Reino Unido já foram vítimas do ciberbullying.
Professores na mira
O bullying escolar, que tem como alvo os alunos, também colocou os professores na mira dos ofensores justamente pela falsa sensação de anonimato. Dificilmente um aluno zombaria de professores e funcionários da escola neste ambiente sem ser punido, mas na web é possível que isso aconteça. Assim, no universo virtual, fotos de alunos e professores ganham efeitos especiais negativos, internautas criticam essas pessoas sem qualquer censura e também fazem votações on-line para humilhar o alvo de seus ataques -- "o professor mais mal vestido" ou "o aluno mais burro", por exemplo.
Isso quando os ofensores não assume no universo virtual a identidade da pessoa zombada, para divulgar falsas informações. Um perfil falso no Orkut, por exemplo, pode exibir a imagem da vítima, informações que ela jamais divulgaria sobre si mesma e os apelidos pelos quais os colegas de escola a chamam (e que ela provavelmente detesta). "Quando a vítima descobre esse tipo de conteúdo, seu nome e imagem já estão em rede mundial, sendo muito difícil sair ilesa da situação", afirma a Cemeobes no texto "Ciberbullying: perversidade virtual".
O que fazer?
Especialistas afirmam, com unanimidade, que a prática de ciberbullying deve ser denunciada às autoridades. Assim como acontece com os crimes de calúnia e difamação realizados via meios virtuais, as vítimas devem dar queixa em delegacias tradicionais ou, se preferirem, nas especializadas, como a Delegacia de Crimes Praticados por Meios Eletrônicos, do DEIC (Departamento de Investigações sobre Crime Organizado). Segundo o delegado assistente José Mariano de Araújo Filho, do DEIC, as denúncias feitas em delegacias tradicionais são encaminhadas às especializadas em crimes virtuais, caso haja necessidade.
No site da Safernet, organização que luta para defender os direitos humanos na internet, há uma seção que orienta os usuários da internet sobre o que fazer em caso de crimes de ameaça, calúnia, injúria e falsa identidade (clique aqui para acessar). Entre as instruções estão a preservação de todas as provas, realização de denúncia e também o envio de uma carta registrada, com modelo disponível no site, para o provedor de serviço tirar a página ofensiva do ar.
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