Juristas, professores, estudantes, lideranças políticas e artistas fazem nesta quinta-feira (11) de manhã, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a leitura de uma carta-manifesto em que pedem respeito ao Estado Democrático de Direito e ao resultado das eleições de outubro. O documento foi idealizado em julho após o presidente Jair Bolsonaro (PL) reunir embaixadores no Palácio da Alvorada, em Brasília, para questionar a segurança das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral brasileiro.
Além da carta da USP, denominada “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, será lido outro texto, batizado de “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, liderado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e assinado por outras instituições dos mercado financeiro e empresarial. Os organizadores esperam a presença de 3 mil pessoas no ato no histórico Largo de São Francisco, no centro de São Paulo.
O evento de apresentação das cartas é definido como "suprapartidário" e os documentos não mencionam textualmente Bolsonaro ou qualquer outro candidato. Mas os textos contêm críticas a posicionamentos do presidente e grande parte de seus apoiadores são membros da oposição ao chefe do Executivo.
Assinam a carta da USP, por exemplo, os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), além do candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, e o do PSB ao governo do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo. Pelo menos 12 ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Celso de Mello, também subscrevem o manifesto.
Mello chegou a ser anunciado como o orador que faria a leitura da carta, mas recusou a função por questões de saúde. Após a desistência do ex-ministro, os organizadores do ato optaram por não divulgar previamente o nome do responsável – ou responsáveis – pela leitura. "Vai haver uma espécie de surpresa", disse à Gazeta do Povo o advogado Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas, uma das instituições que apoia o ato e conhecida pela oposição ferrenha às ações da Lava Jato.
Um vídeo divulgado nas redes sociais nesta quarta-feira (10), véspera do ato, traz 42 artistas fazendo a leitura do manifesto. Entre eles, as atrizes Fernanda Montenegro e Camila Pitanga, as cantoras Anitta, Maria Bethânia e Gal Costa, os atores Paulo Betti e Antônio Pitanga, e os compositores Chico Buarque e Caetano Veloso.
A programação inicial do evento não prevê outros discursos além da leitura da carta. A presença de políticos no ato, porém, não é vetada na solenidade. Para Carvalho, os candidatos "têm o direito e até o dever de participar" do encontro. Lula, Ciro e Tebet, porém, não devem comparecer à mobilização.
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Inspiração para carta da USP vem do passado
O lançamento da carta da USP busca recriar a atmosfera alcançada por outro documento redigido por integrantes da universidade há 45 anos.
Batizado de "Carta aos Brasileiros", o texto foi lido em 1977 pelo jurista Goffredo da Silva Telles Junior com críticas ao regime militar, então em curso, e a solicitação do retorno das eleições diretas para presidente do Brasil.
"A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais", diz um trecho da carta de 2022, em referência ao documento de 1977.
A carta da USP recebe assinaturas online e já contava com cerca de 890 mil adesões na noite desta quarta-feira (10). O documento motivou a criação de um texto em resposta, elaborada pelo Movimento Advogados de Direita Brasil (ADBR) e que apoia Bolsonaro, focado na defesa das liberdades individuais, que somava 846 mil assinaturas até esta quarta.
Artistas presentes, mas sem show
A presença de artistas de renome nacional é esperada no ato. O grupo 342 Artes, composto por nomes como Chico Buarque e Caetano Veloso, tem divulgado o ato e foi "um dos seus primeiros apoiadores", segundo Carvalho.
Os artistas, porém, não devem fazer apresentações musicais ou de outro perfil durante a solenidade. A ideia do grupo é deixar o protagonismo para a leitura do texto e também evitar problemas com a Justiça Eleitoral, que veda a realização de "showmícios" às vésperas das eleições.
Mesmo sem os shows, os organizadores dos atos esperam uma presença grande de público, o que motivará o uso de telões para exibição do ato em locais mais afastados do palco. Há também a expectativa que o ato seja replicado em outras regiões do Brasil.
Leia, na íntegra, a carta da USP
"Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o País sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre! "
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