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Economia reserva dois grandes desafios para quem vencer as eleições para ocupar o Palácio do Planalto a partir do ano que vem| Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Os principais desafios econômicos de quem ganhar as eleições presidenciais serão promover mudanças na área fiscal e trabalhar com uma economia que tem perspectiva de desaquecimento.

“O próximo presidente terá de assegurar que o crescimento do Brasil permaneça sustentável, focando em melhorias nas condições fiscais bem como nas métricas da dívida pública, sem pôr em risco a situação da inflação”, destacam, em relatório, os analistas Eirini Tsekeridou e Nenad Dinic, do banco suíço Julius Baer.

O que há até agora nas campanhas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) é muita dúvida e incerteza, segundo Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria. Os candidatos são os dois primeiros colocados na pesquisa BTG/FSB divulgada na última segunda-feira (26)

“Quem entrar vai ter de dar uma sinalização favorável para a questão fiscal”, enfatiza o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

Os analistas consultados pela Gazeta do Povo apontam que uma série de fatores contribui para que seja discutido um novo arcabouço fiscal:

  • O desaquecimento projetado para a economia, que deve ter impactos sobre a arrecadação;
  • Pressões maiores de reajuste de salários do funcionalismo, que em alguns casos estão sem aumento desde 2017;
  • A necessidade de realizar novos gastos sociais;
  • O custo crescente da dívida pública, por causa da alta dos juros;
  • Despesas represadas, como os precatórios.

A diretora da Tendências destaca que muitas destas despesas não estão previstas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado por Bolsonaro ao Congresso, o que faz com que a questão seja encarada como uma “panela de pressão”.

Há um outro agravante: “com a queda nas projeções de inflação, o espaço para correção do teto de gastos é menor”, diz a economista. As previsões do mercado para o IPCA neste ano estão em queda há 13 semanas e chegaram à mediana de 5,88% no último relatório Focus, do BC.

Para contemplar esses gastos adicionais, o governo estuda pedir uma licença especial para gastar (waiver). A equipe de Bolsonaro e outros candidatos também estudam alternativas para o teto de gastos, que, ao que tudo indica, não persistirá na sua forma atual qualquer que seja o eleito.

Temores com licença para gastar mais

A ideia de uma licença para gastar impõe uma ameaça, disse o chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), José Júlio Senna, durante seminário de análise conjuntural realizado na instituição no início do mês. A ameaça, segundo ele, é o próximo governo "concentrar mais atenção no waiver necessário para honrar compromissos do que na reconstrução da âncora fiscal”.

Um cálculo realizado pelos pesquisadores Manoel Pires e Bráulio Borges, apresentado na revista “Conjuntura Econômica”, da FGV, aponta que esse espaço fiscal adicional poderá ser similar ao conquistado pelo atual governo em 2021, graças a mudanças no teto de gastos e no pagamento de precatórios, só que sob uma perspectiva diferente para o resultado fiscal. Isso preocupa o mercado.

As projeções mais recentes indicam para uma tendência de aumento na dívida líquida do setor público nos próximos anos, com um retorno do déficit primário (não incluídos os gastos com pagamento de juros) e um aumento no déficit nominal (que inclui os gastos com a dívida). Essa conta está aumentando por causa do movimento de alta da taxa básica de juros (Selic), que desde março de 2021 saltou de 2% para 13,75% ao ano.

Dados do relatório Focus apontam que o ponto médio (mediana) das expectativas para a dívida bruta do setor público está em 78% do PIB para o fim deste ano e 81,8% do PIB para dezembro de 2023. Para os anos seguintes, a tendência é de alta contínua, com o indicador chegando a 88% no fim da década.

Para o resultado primário, a perspectiva do mercado é de superávit de 0,9% do PIB em 2022, com déficit de 0,5% no ano que vem e equilíbrio de receitas e despesas nos dois anos seguintes, com retorno do superávit de 2026 em diante.

Necessidade de comprometimento com as contas públicas

“O governo precisa estar comprometido com a agenda das contas públicas, de continuidade nas reformas e a sustentabilidade da relação entre dívida e PIB. Até agora, há sinais mistos emitidos pelos candidatos”, disse o economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, em evento da seguradora Allianz Trade realizado no dia 15.

Um desses sinais é a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 a partir do próximo ano, prometido por boa parte dos candidatos. Outro sinal tem a ver com o teto de gastos. Lula, Bolsonaro e Ciro Gomes (PDT) falam explicitamente em revisar o modelo.

Mas o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que implantou o teto quando comandou a Fazenda no governo de Michel Temer, avalia que cancelar o teto seria um erro.

Os analistas apontam que, sem controle fiscal, sem avanços microeconômicos e sem reformas, o país tende a entrar em um cenário adverso, marcado por custo de financiamento da dívida pública mais elevado e câmbio mais depreciado, o que pode empurrar a inflação novamente para cima.

PIB não deve ter surpresa favorável em 2023

Outro desafio, segundo os economistas vai ser o de trabalhar com um cenário menos favorável em 2023. "Foram muitas boas surpresas neste ano, como, por exemplo, a forte geração de emprego", diz o sócio da Julius Baer Family Office (JBFO) e pesquisador da FGV, Samuel Pessôa.

Três fatores são obstáculo a um cenário mais positivo para a economia no próximo ano:

  • O efeito defasado da alta na taxa de juros;
  • O desaquecimento da economia global; e
  • O fim dos ganhos gerados pela reabertura da economia.

Os primeiros impactos da elevação na taxa de juros já começam a ser sentidos. O ritmo de atividade econômica vem perdendo força, segundo o Itaú. A média móvel de 28 dias do Indicador Diário de Atividade Econômica (Idat) estava em 111,5 pontos no dia 15. A média de julho foi de 117 e a de agosto, 113.

Outro sinal, segundo o analista da XP, é a desaceleração das vendas no comércio: “Vai ser uma perda de velocidade gradual, com menos intensidade em 2022 e maior no próximo ano”.

Também pesa o desaquecimento da economia global. As projeções de crescimento para as principais economias estão em queda e há grandes possibilidades de recessão na Europa, puxado pela questão energética. As expectativas para Estados Unidos e China são um pouco mais otimistas: perda no ritmo de crescimento, porém sem entrar em recessão.

Mesmo nesse cenário, as expectativas dos analistas são de um crescimento do PIB para o próximo ano, ainda que bem mais discreto que o de 2022. O ponto médio das expectativas de crescimento econômico em 2023 é de 0,5%, segundo o relatório Focus, ante uma mediana de 2,67% para 2022.

O destaque da economia deverá ser a agropecuária, apesar da possibilidade de ocorrer o fenômeno climático “La Niña”. "Caminhamos para um recorde", diz Pessôa, do JBFO.

Alessandra Ribeiro, da Tendências, diz que o consumo das famílias tende a crescer com menos vigor, por causa do aumento no custo do dinheiro. Do lado da oferta, a especialista destaca uma contribuição menor dos serviços, por causa da normalização de atividades no setor.

Segmentos mais sensíveis à taxa de juros, como a construção civil focada em residências e os bens de consumo durável, também tendem a ser afetados.

Um consenso entre os analistas é que, se não houver sobressaltos, a inflação também tende a cair. As projeções do Focus sinalizam para uma alta de 5,88% nos preços neste ano e de 5% no ano que vem.

Segundo Pessôa, também será necessária maior coordenação entre as políticas fiscal e monetária. Há ainda um dilema, segundo ele: "Como compatibilizar o gasto social com combate à pobreza com um aperto nos gastos do governo?"

O especialista aponta que, se nada for feito do lado fiscal, quem terá de arcar com o fardo de uma política econômica mais restritiva será o Banco Central. "Ele ficará com as costas pesadas", diz.

Expectativas para a política econômica

O analista da XP não espera mudanças na condução da política econômica, caso Bolsonaro seja reeleito. “Vai ser necessário buscar o controle das despesas públicas e rediscutir o teto de gastos”, diz. Independentemente de quem assumir, ele não acredita que haverá uma ruptura do tripé macroeconômico baseado em controle das contas públicas, câmbio flexível e metas de inflação.

Vale, da MB Associados, espera um “mais do mesmo” em um eventual segundo mandato de Bolsonaro. Entretanto, ele observa que historicamente os presidentes em segundo mandato tiveram performance pior. Ele vê possibilidade de ser eleito um Congresso mais forte, o que limitaria o espaço de ação de Paulo Guedes.

As dúvidas são maiores em relação a Lula. Sinais mistos têm sido emitidos aos agentes econômicos e à sociedade. Eles vão de uma política econômica mais pragmática, como foi no primeiro mandato dele (2003-07), ou de mais intervenção na economia, como ocorreu no governo de Dilma Rousseff (2011-16). “Não há uma visão clara para temas complexos”, destaca Margato.

Os analistas do Julius Baer consideram que, se Lula vencer, será vital monitorar de perto a escolha da equipe ministerial, particularmente da equipe econômica: “A indicação de um ministro da Fazenda mais centrista enviaria fortes sinais ao mercado de que Lula seguiria uma política econômica mais ortodoxa, a exemplo do que ocorreu em seu primeiro mandato”.

Eles também lembram que o candidato do PT é contrário a privatizações e quer promover crescimento por meio de maior investimento público. Sobre Bolsonaro, o banco suíço destaca que o presidente está interessado em aumentar o gasto social, por meio de programas de transferência de renda, bem como reduzir os impostos. “Ao ser eleito, continuaria com seu programa de privatização”, avaliam.

Victor Beyrutti, economista da Guide Investimentos, não vê diferença entre Lula e Bolsonaro, em relação às propostas para a condução da política econômica. “Um ou outro, não há discrepância nestas eleições.”

Principais resultados e metodologia da pesquisa BTG/FSB

A pesquisa BTG/FSB divulgada na última segunda-feira apresentou os seguintes candidatos com maiores intenções de voto: Lula (45%), Jair Bolsonaro (35%), Ciro Gomes (7%) e Simone Tebet (4%).

O Instituto FSB Pesquisa ouviu, por telefone, dois mil eleitores entre os dias 23 e 25 de setembro de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pelo banco BTG Pactual e está registrada no TSE com o protocolo BR-08123/2022.

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