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A batalha da pedra negra

Em meados dos anos 70, Cunha Pereira dá início a sua primeira grande campanha – pelos investimentos na indústria do xisto. A proposta caiu no gosto da população, mas esbarrou na morosidade dos governos

Vista geral da extração do xisto e da usina de São Mateus do Sul | Henry Milléo/Arquivo/Gazeta do Povo
Vista geral da extração do xisto e da usina de São Mateus do Sul (Foto: Henry Milléo/Arquivo/Gazeta do Povo)

A cidade de São Mateus do Sul fica a 144 quilômetros de Curitiba, mas historicamente está muito próxima das páginas da Gazeta do Povo. Durante 16 anos, o jornal hasteou a bandeira da industrialização do xisto a partir da instalação de uma usina naquele município e reclamou os royalties devidos ao estado pela exploração mineral – tal como previa o Sistema Petrobrás, surgido na década de 50. Como correu pari passu com a campanha dos royalties de Itaipu, os dois projetos ficaram praticamente casados, intercalando-se nas páginas do jornal, com desvantagem para o xisto – para surpresa geral.

Havia, afinal, dois problemas a resolver. Além de o estado ser compensado pela exploração de seu solo e pelo impacto ambiental causado pela extração do xisto, era preciso que o projeto realmente fosse levado adiante. Uma situação dependia da outra, com uma imensa falta de interesse no meio. Diante do chove-não-molha, a opção de Cunha Pereira foi a de ser uma pedra no sapato do governo federal, cobrando uma definição.

O corpo-a-corpo com as autoridades tem início já em 1976, quando o jornal, sem melindres, sugere na primeira página que o governo do estado aproveite uma visita do célebre ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki, para pedir a implantação de um pólo petroquímico em São Mateus do Sul. Passo a passo, a Gazeta do Povo vai se dirigindo à população, abastecendo-a de informações sobre o diamante negro do Paraná. As matérias são uma verdadeira aula de Ciências: enquanto alertam para o perigo de uma crise energética, lembram as jazidas locais de 74 quilômetros quadrados – com potencial para produzir 630 milhões de barris de óleo – à espera da boa vontade da União.

Foram anos a fio de água mole em pedra dura. Valia cada gota. De acordo com levantamento publicado pelo jornal em 1991, desde seu início, em 1972, a usina já tinha custado aos cofres públicos a bárbara quantia de US$ 500 milhões. O escândalo é que volta e meia se falava que o negócio do xisto era inviável e que a usina de São Mateus seria desativada. Fosse assim, a cidade, hoje com 36 mil habitantes, deixaria a faixa e a coroa de pólo industrial paranaense para voltar a ser a cidadezinha com traços da colonização alemã na divisa com Santa Catarina.

O mundo parecia conspirar a favor do avanço: estava-se em plena crise energética e era preciso se adaptar à nova ordem. Não bastasse, no início da década de 80 calculava-se que o estado jogava 230 mil pessoas por ano no mercado de trabalho. Mais indústrias era sinônimo de emprego.

Tal como ocorreu na campanha dos royalties, a mobilização da sociedade em torno da Usina do Xisto de São Mateus do Sul se deu por etapas. A primeira, obviamente, foi "por bem". As reportagens e editoriais iniciais lembravam, grosso modo, que em 30 anos o estado poderia receber R$ 77 bilhões de compensação pelo uso e exploração do solo. A conta era simples: cabia ao Paraná 4% sobre o valor do óleo extraído e 10% das ações da Petrobrás proporcionais à jazida paranaense.

Naquele momento, previa-se que quando a usina estivesse em sua carga máxima iria produzir 25 mil barris diários de petróleo – hoje, são 3,8 mil. Não demorou para que o castelo desmoronasse. Havia um drama hamletiano por trás da Usina do Xisto, um "ser ou não ser" que impedia o projeto de chegar à vida adulta. Em meados de 1982, o proposta de implantar uma dezena de unidades de produção ficou reduzido a pó. Foi quando Cunha Pereira deu uma pausa ao tom conciliador e foi direto às falas.

Na edição de 8 de agosto, o jornal acusa a Petrobrás de ter faltado com a verdade ao povo do estado. Uma semana depois, escancara a falta de investimentos, estacionando a produção em medíocres 650 barris diários, cota insuficiente para quitar a indenização devida ao Paraná. O problema se tornou crônico, mas não deixou de sair nas páginas do jornal, nos anos que se seguiram, ainda que de forma esporádica, até um novo conclame, no segundo semestre de 1990, quando a campanha completava uma década de solidão.

Já que a Petrobrás descumpria suas promessas de investimento em São Mateus, o presidente da Assembléia Legislativa, Aníbal Khury, apresentou projeto de lei autorizando o Executivo a investir CR$ 975 milhões na usina. A proposta teve o efeito de um empurrão escada abaixo. Em menos de um mês, dia 1º de setembro, a estatal avisa que vai retomar o projeto. Cunha Pereira aproveita a deixa para se dirigir a todos os que assistiram passivamente à guerra surda do xisto:

"O Paraná é uma terra generosa, com seus imensos campos cultivados com técnica superior, sua gente ordeira, seus recursos naturais colocados à disposição do todo nacional. Mas deve amadurecer a arte de exigir contrapartidas, tão mais necessárias quanto se sabe que a boa marcha dos negócios de cada parte fortalece o todo e vice-versa."

Um ano depois, em 19 de outubro de 1991, finalmente é dada a manchete "Tudo pronto para o Paraná produzir xisto". Escaldado, Cunha Pereira encerra a conversa apenas dois meses depois. Em 1º de janeiro de 1992 – "dia de ano" –, ele escreve que a mobilização da sociedade paranaense fez a diferença. Parabeniza os que não esmoreceram. Os royalties não vieram. Mas como se diz, uma batalha não é a guerra.

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