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Trânsito

Direção não é brincadeira

Menina brinca de boneca e menino de carrinho. Essa já foi uma grande verdade, mas à medida que o machismo perde espaço na sociedade, as mulheres assumem a direção e o mesmo acontece nas brincadeiras entre as meninas

Carlos Eduardo Cruz, 25 anos, aprendeu a dirigir quando tinha 15 | Valterci Santos/ Gazeta do Povo
Carlos Eduardo Cruz, 25 anos, aprendeu a dirigir quando tinha 15 (Foto: Valterci Santos/ Gazeta do Povo)
As fotos antigas de família mostram o fascínio pelo carro. A repórter (à esq) e a tia dela brincam em um carro antigo |

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As fotos antigas de família mostram o fascínio pelo carro. A repórter (à esq) e a tia dela brincam em um carro antigo

Gabriel e Lucas, filho e primo da repórter, têm no carro o brinquedo favorito |

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Gabriel e Lucas, filho e primo da repórter, têm no carro o brinquedo favorito

Everton Luiz, um dos irmãos da editora Danielle Brito, entre uma Brasília e um Passat |

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Everton Luiz, um dos irmãos da editora Danielle Brito, entre uma Brasília e um Passat

Everton encostado em um Passat em 1983 |

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Everton encostado em um Passat em 1983

Música agitada, sequência rápida de imagens, potência e velocidade são elementos comuns em comerciais de carrinhos de brinquedo e pistas de corrida. Desde cedo, os meninos associam a direção à adrenalina e ao perigo – são carros que se quebram ao bater na parede, monstros engolidores de veículos e as famosas corridas. Não há comprovação de que receber esses estímulos vá fazer com que, na vida adulta, um menino seja imprudente no volante, dirija seu carro a 190 quilômetros por hora, ou pratique rachas. Mas o fato de eles serem levados pela mídia e pela própria família a se aproximar de carros e a usá-lo como objetos que remetem à vida adulta e a liberdade tem suas consequências.

Para a pedagoga Maria Helena Gusso Mattos, coordenadora de Educação para o Trânsito do Detran-PR, essa estimulação que eles têm desde pequenos é refletida mais tarde e uma prova disso é o maior envolvimento de homens em acidentes de trânsito. "Dos acidentes que ocorrem com carros de passeio, 76% são causados por jovens do sexo masculino. E não se pode dizer que é por eles dirigirem mais. O número de homens e mulheres motoristas já é proporcional", afirma a pedagoga.

Segundo ela, o problema é cultural: enquanto as mulheres têm uma conduta mais segura e observam mais as normas, homens tendem a ser mais desafiadores. "Você não vê uma mulher comprando um veículo por causa da potência ou da velocidade. A mulher costuma priorizar a segurança, o conforto e outros detalhes, como porta-objetos. Também é raro encontrar mulher que abuse da velocidade ou pratique racha", diz.

O exemplo vem de casa

Crianças adoram fingir que estão dirigindo, e elas ficam mesmo uma gracinha balançando a direção, ligando o pisca-alerta e imitando o barulho do motor. Enquanto crescem, gostam de sentar ao colo do motorista, querem trocar a marcha e sonham com a direção. Embora pareçam inofensivas, essas brincadeiras devem ser desencorajadas. "Os pais olham o filho adolescente tirando o carro da garagem e ficam orgulhosos, como se ele estivesse supostamente maduro. Mas o pai tem de dar o exemplo e não esperar que o filho aprenda o que é certo fora de casa", diz Maria. Os pais que permitem que o filho dirija antes de estar habilitado, são aqueles que também aprenderam a dirigir cedo. Mas os tempos são outros, assim como as exigências da lei, a potência dos carros e a movimentação das ruas.

O publicitário Carlos Eduardo Cruz tem 25 anos e há dez aprendeu a dirigir com o pai e com o irmão mais velho. Ele conta que o fascínio por carros vem desde as brincadeiras de criança e que estar ao volante foi uma realização – para ele e para os amigos que também aprenderam a dirigir na mesma idade. "Isso é mais forte entre os homens, a gente vê o pai dirigindo e acha bacana. Quando oferecem o carro nem pensamos duas vezes", conta. No início era só sentar no colo e assumir o volante, depois vieram as voltas pelo bairro. Até a ida para comprar pão na panificadora a uma quadra de distância era motivo de pegar o carro. Mais tarde vieram as saidinhas escondidas dos pais, geralmente na praia. "Quando fui tirar a carteira foi bem tranquilo, foi só cumprir as aulas obrigatórias para tirar alguns vícios e fazer a prova", conta. Ele mesmo admite ter ouvido do instrutor da autoescola que é mais difícil ensinar a dirigir quem já teve contatos anteriores com a direção, e ele concorda. "Se você aprende direto com o instrutor já faz tudo certo, não precisa mudar nenhum comportamento depois", afirma.

Quando uma pessoa dirige sem habilitação, a carteira de quem cedeu o veículo é suspensa e uma multa é aplicada. Mas não é somente a punição que deve ser considerada pelos pais antes de se arriscar ensinando um filho menor a dirigir. Segundo a pedagoga Maura Moro, coordenadora da unidade de educação e mobilização da Urbanização de Curitiba (URBS), grande parte dos acidentes ocorre quando se está na proximidade de casa, exatamente onde filhos costumam aprender e treinar a direção, com ou sem os pais. Além dos riscos, é preciso levar em conta a responsabilidade e o papel dos pais como educadores.

"O processo educativo dos futuros motoristas é lento e não pode ser deixado somente nas mãos do estado. Costumamos ouvir de crianças que o pai só coloca o cinto quando vê o guarda ou que o irmãozinho mais novo não tem cadeirinha. Um trânsito seguro é responsabilidade de toda a sociedade e é preciso que as famílias mudem seus hábitos", afirma Maura. As escolas já têm dado um empurrãozinho na conscientização de crianças e adolescentes. Há cerca de dez anos, quando a educação para o trânsito foi adotada pelo novo código, ações educativas passaram a ser constantes em escolas. "Nas atividades a criança não assume o papel de motorista, pois aprende a ser pedestre, a ser passageiro ou ciclista e que a rua não é espaço público para brincadeiras. Quanto aos pais, devem estar atentos às oportunidades de educar. Dar carrinho de presente para os filhos não é errado, o ruim é dar o brinquedo e não passar informações que contribuam para o processo de formação", diz Maura.

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