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Legislação

Justiça costuma liberar panfleteiros da XV

A "moda" dos anúncios pornográficos como forma de promover a prostituição veio de São Paulo há mais ou menos seis anos, mas foi importada da Europa, onde a publicidade erótica é comum há mais de duas décadas. De lá pra cá, muitos panfleteiros foram presos em flagrante pela Guarda Municipal e enquadrados no Artigo 234 do Código Penal por "distribuir e expor publicamente objeto obsceno".

A maioria acaba liberada com a assinatura de um Termo Circunstanciado, usado nos casos de crimes de menor relevância que possuem pena máxima de dois anos de prisão e multa. Depois, os processos seguem para o Juizado de Pequenas Causas, mas são arquivados com a alegação de não haver importância capaz de gerar punição.

A prostituição não é considerada crime pela legislação brasileira, mas a exploração e incentivo à atividade são condenáveis segundo o Código Penal. Nesse raciocínio, quem distribui esses anúncios pode pegar uma pena de 6 meses a 2 anos de reclusão ou multa e o mantedores das casas, de 2 a 6 anos.

No entendimento dos promotores, os anúncios se equiparam às publicações, capas de filmes e sex shops que expõem os produtos nas vitrines e trazem imagens, escritos e desenhos de mulheres com trajes íntimos ou mesmo nuas, o que é aceito e tolerado socialmente. Outra interpretação é de que os minipanfletos não danificam o patrimônio público, já que são apenas largados no orelhão.

Entre 2008 e 2009, diversos veículos de comunicação de Curitiba publicaram matérias que falavam sobre forças-tarefa em conjunto das polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e Conselho Tutelar contra as propagandas de sexo pago. A alta eficiência dos "publicitários" medida pela quantidade de ligações recebidas nas casas de prostituição e por fiscalizações constantes dos contratantes parece ter intimidado até mesmo as operações. (KB e PA)

Do outro lado da linha

Conversações de um anúncio sexual de orelhão

Katna Baran e Pedro Américo

Dia após dia, eu e minhas colegas vemos o corre-corre dos dezenas, centenas, e por que não dizer, dos milhares de curitibanos que vêm e vão de um lado para o outro aqui no calçadão da Rua XV de Novembro. Ouvimos o som dos sapatos batendo no petit-pavé da calçada e reconhecemos alguns rostos que já nos são conhecidos. Alguns passam todos os dias por aqui, mas sem se aproximar. Outros chegam mais perto, na maioria das vezes para telefonar, seja para os amigos ou parentes, para mim, ou para uma de minhas colegas. Eu sei como são seus rostos, mas eles nem fazem ideia de como é o meu.

Assim como todas essas pessoas, eu também guardo histórias de vida, de família e amigos. Além disso, tenho motivos que me levam a fazer o que faço e valores que sempre procuro manter, apesar de tudo. Porém, os caminhos que todas nós acabamos seguindo nos obrigam a mudar nossos nomes e nossos corpos e talvez seja por isso que nem sempre somos iguais às nossas "fotos originais". Temos que fazer isso por dois motivos principais: preservar a nós e àqueles que amamos e instigar o ar de fantasia na cabeça daqueles que falamos ao telefone todos os dias.

Com certa frequência me ligam para zoar, passar trotes, e até para pedir que eu conte um pouco da minha história. Na maioria dos casos, eu e minhas amigas dizemos "não", afinal não queremos nos expor, porque sabemos que a maioria vai nos julgar, mesmo afirmando que só querem nos conhecer. E tem mais, nosso tempo custa dinheiro. Algumas até falam com pagamento prévio, mas nem assim eu gosto de me manifestar.

O julgamento faz parte da minha rotina. Todos os dias tem alguém que me leva embora dos pontos nos quais fico habitualmente. Mas não demora muito para eu estar lá de volta. Quem me leva são pessoas que geralmente condenam moralmente o que faço e falam com firmeza sobre minhas escolhas sem ao menos saber o porquê delas. Quem me coloca de volta são aqueles que conhecem a minha realidade e reconhecem a importância do serviço que presto, além de ser pago por isso, obviamente. Tempo é dinheiro...

Enfim, falar sobre mim implica contar uma história que envolve pais, marido ou companheiro, filhos, pessoas que eu não quero atingir. Implica falar sobre as "curiosidades" desse mundo que eu prefiro reservar entre quatro paredes. Contar também como eu vim parar aqui ou porque ainda não saí desse mundo, perguntas que nem eu ao menos sei responder. Procuro, procuro, mas nunca acho respostas que convençam a mim mesma.

Nesse mundo, já vivi, presenciei e ouvi tantas histórias quanto aquele que é meu maior panfleteiro e anunciante – o orelhão. Me jogam, me rasgam, me tratam como o lixo das ruas. Minha história geralmente é curta, me movimento e me perco com a força dos ventos ou mesmo pela passagem das mãos pelo telefone.

No olho da rua

Números que não estão no orelhãoRua XV: 800 m é a extensão do calçadão da Rua XV do final da Praça Santos Andrade até o início da Praça Osório.

Telefones públicos: 93 orelhões são encontrados nesse percurso.

Anúncios pornográficos: Foram recolhidos 3294 anúncios de prostituição, uma média de 25 papéis por cabine.

Medida: Cada anúncio tem 7cm de altura e 3cm de largura.

Distância: Enfileirados, os papéis percorreriam uma distância de aproximadamente 250m, o que corresponde a 1/3 do tamanho do calçadão.

Peso: 1 kg de papel foi recolhido pela reportagem em um passeio pela rua, o que representa o peso de um pacote de sal.

Lista: Os anúncios foram catalogados e resultaram em uma lista de 208 nomes diferentes.

Telefones em números: Apesar de tantos nomes, os números de telefone se repetem várias vezes, assim, são apena 30 diferentes - muitos ainda são atendidos pelas mesmas pessoas.

Perfil: Os "nomes de guerra" mais comuns são Gabi, Mel, Valesca, Ana e Joaninha.

"Famosas no orelhão": Outros apelidos famosos foram encontrados, como Shakira, Tereza Cristina (a vilã da novela "Fina Estampa"), Sandy, Madonna e Hilda Furacão (personagem de Ana Paula Arósio que dava nome à série de TV).

Não faz muito tempo. Muitos jovens de 20 a 25 anos lembram os primeiros "tijolos" que circulavam nas mãos de curitibanos no Centro da cidade. Surgia um novo fenômeno da vida moderna – o celular. O equipamento era visto estranhamente, já que as pessoas falavam com elas mesmas caminhando pelas ruas. Hoje é um item indispensável, quase vital para a comunicação.

Levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), de 2010, aponta haver um celular habilitado para cada morador do país. A capital do Paraná ultrapassara então essa barreira com quase 1,3 telefones móveis por habitante. Sem dúvida, a relação celular/habitante deve ter aumentado, já que muitos, não satisfeitos, possuem dois ou até três aparelhos.

A popularização dessa ferramenta de comunicação deu origem a outro fenômeno moderno – a marginalização dos telefones públicos, os conhecidos orelhões. Antigamente, era possível ver filas se formarem atrás das cabines. Apesar do uso do celular ser cada dia mais comum, os orelhões ainda representam um bom número. No Paraná, são 1,2 milhão de equipamentos, pouco mais de 12 mil instalados só na capital.

Objeto da paisagem urbana, dele surgiu a expressão "cair a ficha" que não faz sentido algum, já que as moedinhas foram substituídas pelos cartões de empresas telefônicas. Hoje, o aparelho só é utilizado pelos "marginais", aqueles que não possuem um telefone móvel, e mesmo os engraçadinhos que insistem em passar trotes. Ainda servem como válvula de escape quando o celular "apaga" ou insiste em não pegar o sinal. Assim, os famosos orelhões, mesmo aqueles que representam uma paisagem antiga – como as cabines de formato diferente na Rua XV de Novembro – foram perdendo sua função original.

A exemplo de muitos aposentados, o telefone público ganhou uma profissão alternativa: o de balcão de anúncios de prostituição. Quem passeia pelo Centro de Curitiba já se acostumou com os "papeizinhos" encaixados nos pequenos vãos do orelhão com fotos impróprias para menores de 18 anos, nomes de guerra de prostitutas e números de telefone que prometem prazer imediato por um preço acessível. Os interessados no serviço utilizam a própria cabine para entrar em contato com as acompanhantes, seja para manter o anonimato do número de telefone particular ou do rosto que fica escondido na orelha gigante. São vestígios de privacidade em meio ao centro conturbado.

Zeladores da moralidade

Parte da população anda na contramão desse novo uso do instrumento público. Muitas são as senhoras que o deixam de usar, ou mesmo recolhem e jogam no lixo os anúncios para poder telefonar. Nem a prefeitura de Curitiba nem as empresas responsáveis pelas linhas respondem pelo recolhimento desse material. Alega-se que a Guarda Municipal a os fiscais não conseguem dar conta das dezenas de homens ágeis que andam com mochilas repletas de anúncios e, de hora em hora, entopem os quase 2 mil telefones do Centro com propagandas de casas de prostituição.

A assessoria do governo municipal afirma que os garis recolhem os papéis quando são encontrados no chão como qualquer lixo, sem distinção. A Oi também se manifestou informando que vários orelhões são danificados com a colaboração dos panfleteiros e que mantém um programa de limpeza constantes das cabines. Porém, é difícil controlar os anunciantes que recebem de R$ 30 a R$ 50 por dia de trabalho.

"Nós também já desistimos desse serviço", afirma Deisi Fonseca, coordenadora de projetos da Associação dos Condomínios Garantidos do Brasil (ACGB). "Os marqueteiros fazem questão de dizer que tudo que retiramos é colocado de volta, em dobro, no telefone", completa. A ONG é responsável pelo projeto "Zeladores da Vizinhança" que faz a limpeza e conservação do ambiente urbano. "A minha orientação é para que os trabalhadores não retirem mais os anúncios porque esse problema aumentou muito nos últimos tempos. Contratam menores de idade para a distribuição do material, intimidam e ameaçam os zeladores", alega.

Para Deisi, que se sente envergonhada quando se depara com os anúncios no telefone, principalmente quando está acompanhada da filha de 11 anos, os minipanfletos prejudicam toda a cidade. "Não vejo o orelhão como o local adequado para esse tipo de propaganda", defende. Segundo ela, Curitiba é considerada referência em qualidade de vida e vem decaindo nesse conceito. "Turistas do mundo todo visitam a cidade procurando paisagens bonitas, mas as coisas mudaram muito. Esse tipo de vandalismo prejudica todos nós", finaliza.

Vendendo o peixe

Na defesa das mulheres com vários nomes e identidades está a enfermeira e ex-prostituta Carmem Costa, coordenadora do grupo Liberdade, ONG de apoio às um dia chamadas "mulheres da vida". "O problema não está nos panfletos, está no preconceito da sociedade", afirma. Para ela, que já enfrentou o neto, de 7 anos, perguntando o objetivo dos anúncios, os reality shows, as novelas ou os comerciais de cremes são tão ou mais abusivos que as propagandas de sexo. "Acredito que todos os profissionais têm o direito de vender seu peixe, seja por meio da poluição visual ou sonora", defende.

Durante a entrevista na organização – que funciona no Centro Velho de Cuiritiba –, Carmem foi interrompida várias vezes por moradores de rua pedindo roupas, prostitutas atrás de camisinhas e uma travesti procurando ajuda para tirar os pontos ocasionados por facadas nas costas. Carmem afirma que conhece todos os donos das "casas de massagem" ou "saunas", como ela chama. "É uma rede. São lugares bem organizados, com regras específicas, que logo se tornarão cooperativas de trabalho", garante. A ordem e sigilo são comprovados pelo fato das garotas não concederem entrevistas quando insistentemente procuradas pela reportagem.

Para a coordenadora, que trabalhou durante 27 anos nas ruas de Curitiba, além de ser um serviço essencial para a sociedade, a prostituição movimenta o comércio local. "Os homens vêm para o centro da cidade para usufruir desse bem e almoçam, adquirem roupas, abastecem o carro, compram passagem de ônibus, ou seja, gastam dinheiro", defende.

Com o mesmo argumento, ela sai em defesa do trabalho dos panfleteiros. "Eles poderiam estar roubando, mas estão ganhando dinheiro de outra maneira", afirma. "Não sei sobre a versão legal ou jurídica, não me diz respeito, mas se não fosse o anúncio, a mulher ficaria ao lado do telefone procurando um programa, o que incomodaria muito mais", complementa.

Opiniões divididas, só resta uma certeza: muito papel ainda vai voar.

* * * * *Pelo telefone"Oi amor, pode falar!"

Conversar com as moças que têm seus anúncios disponibilizados nos orelhões da Rua XV é uma operação comum. Quem atende possui uma voz sedutora e carinhosa, pronta para satisfazer qualquer desejo de quem liga. Uma característica comum dos discursos é a introdução: "Oi amor, pode falar!", uma intimidade rara entre duas pessoas que nunca se viram.

A voz suave muda o tom quando a moça do outro lado é interrogada sobre suas histórias particulares. Muitas são as formas que as atendentes utilizam para recusar a falar do assunto. A maioria desliga o telefone no ato, outras preferem recorrer às respostas mais elaboradas.

GABI

- Olha, para dar entrevista a gente também cobra, 40 reais meia hora e 60 por uma hora.

BABALU

- Não posso falar porque todos os telefones daqui são grampeados.

MEL

- Olha, primeiramente, nós não trabalhamos com orelhão. São outras pessoas que colocam isso lá. E segundo, se você quer saber como é a vida de uma dessas meninas, entra em uma zona e trabalha como prostituta que você vai aprender direitinho.

SILVIA

- Passa aqui na segunda-feira que vou falar com as meninas. No dia combinado, pessoalmente:

- Nenhuma menina tem interesse em participar, pois não querem expor suas vidas. Muitas são casadas e têm filhos. Nós já concedemos entrevistas, mas hoje ninguém quer falar e não posso forçá-las.

ANA PAULA

- Esse tipo de entrevista não interessa ao nosso trabalho, só prejudica.

DOMINIQUE

- Olha, eu não posso falar por vários motivos. O primeiro é que eu não quero!

ARIANE

- Qual o valor do cachê? Nós cobramos R$ 150.

ANNY (voz da mesma pessoa que atendeu por Ariane):

- Acabei de falar com você. Quando você tiver o dinheiro pode ligar de novo. E outra coisa, em todos os números que você ligar a partir de agora sou eu quem vai atender, obrigada. (KB e PA)

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