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Uma rua no meio da rua

A canaleta se tornou a maior das invenções curitibanas. Acostumados a ela, os moradores tendem a ignorar o perigo que representam o veículo dubiamente apelidado de "Vermelhão"

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Ao todo foram oito horas em três dias viajando por Curitiba dentro de ônibus biarticulados. A ideia era traçar o perfil dos motoristas, mas ao perceber o quando o interior dos ônibus é vivo, melhor mudar de ideia. Em cada biarticulado devem caber quase 300 pessoas (se espremer, cabe mais um pouco). São 300 histórias diferentes. Com um pouco de imaginação, chega-se a elas. É o que propõe essa pequena jornada.

O percurso foi feito em duas linhas: a Santa Cândida – Capão Raso e Centenário – Campo Comprido. Na primeira, o trajeto completo leva em média 57 minutos. Na segunda, um pouco mais, porque a linha é maior.

Nas duas linhas o comportamento do passageiro é o mesmo. A primeira observação a ser feita é que a grande maioria está com fones de ouvido, mas prestando atenção na vida dos outros. A segunda diz respeito ao posicionamento das pessoas dentro dos ônibus. No biarticulado são cinco portas. Duas no primeiro "vagão", uma no segundo e mais duas no último, sendo que a porta três, bem no meio do ônibus, é a principal entrada de passageiros nas estações-tubo.

O problema é que todos querem ficar perto das portas, porque vai ser mais fácil para desembarcar. Ao passo que o ônibus vai enchendo, começa o tumulto. Os passageiros ficam espremidos em determinados locais no interior do veículo, enquanto quem viaja nas extremidades está geralmente tranquilo e quase sempre consegue lugar para sentar.

E nesse momento que se começa a ouvir as histórias de rotina. O curitibano tem a característica de ser mais reservado, mas isso não vale para os ônibus. Além da aglomeração, que faz com que um fique muito próximo do outro, os passageiros resolvem suas vidas no interior dos biarticulados.

É o caso de um rapaz de, aproximados 25 anos, moreno, cabelo curto e bastante alto que entrou na linha Santa Cândida – Capão Raso no terminal do Portão. Nós o chamaremos de Reginaldo. Ele já entrou no ônibus falando ao celular. Conforme o veículo ia enchendo, Reginaldo foi ficando cada vez mais próximo. Ele brigava com alguém. "Já tentei mudar por sua causa, mas você não me respeita", dizia.

De cheio, o veículo passa ao estágio de superlotado. Não é possível se mexer. Mesmo assim, Reginaldo continua ao celular, só que já gritava. "Não serei mais enganado, não sou palhaço, acabou tudo", berra. Os outros passageiros tentam disfarçar, mas todos prestam atenção na conversa. Só para situar o leitor, Reginaldo foi do terminal do Portão até a estação Praça Eufrásio Corrêa, no centro.

Houve um outro rapaz, que chamarei de Augusto, mesma idade de Reginaldo, só que bem mais magro, cabelo penteado com gel, óculos, calça e camisa social. Seu trajeto foi menor, da Estação Passeio Público até o Terminal do Cabral. Nesse pouco tempo, deu para perceber que Augusto está feliz. "Morzinho, tô com saudade. Você vai me esperar pra gente comer juntos?", pergunta. Mais à frente: "Amo muito você minha paixão", declara-se Augusto sem se importar com a presença dos outros passageiros.

Teve ainda a senhora Quitéria, mais ou menos uns 60 anos, vestido curto branco e bastante maquiada. Saiu do Terminal Campina do Siqueira e saltou na Praça Eufrásio Corrêa. Ao telefone, conversava com o marido. "Tomei uma decisão ontem à noite. Vamos vender o apartamento do Centro e comprar o sobrado. No Centro já formamos a nossa clientela fixa. Se mudarmos para a casa, quem sabe nossa freguesia não aumenta", planeja ela. Quitéria ainda alertou o marido. "Deixa que eu falo com o Queirós. Você é muito ingênuo e não sabe negociar. Se deixar na sua mão o nosso negócio vai melar".

Vale contar a história do pai japonês e da filha mestiça que estava aprendendo a tocar piano. Ou do time de futebol americano, que ia para um jogo que parecia ser importante. Lá estariam presentes namoradas e familiares. O sufoco da anã que não conseguiu lugar para sentar e ficou espremida pela cintura dos outros passageiros. Ou das dezenas de pessoas que ignoram todos os outros passageiros e colocam os celulares para tocar as piores músicas que alguém já compôs nesse mundo.

Próxima parada estação...

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